O Homem Baile

Muito Viva

Camisa de Vênus retoma carreira em turnê de 35 anos no mesmo palco em que começou a despontar nos anos 80. Fotos: Felipe Diniz/Divulgação Circo Voador.

Marcelo Nova e o baixista Robério Santana, remanescentes da formação original do Camisa de Vênus

Marcelo Nova e o baixista Robério Santana, remanescentes da formação original do Camisa de Vênus

O tom é saudosista sob a lona do Circo Voador, cheinha de dar gosto, e era mesmo para ser assim. Afinal, é o início da turnê de retorno do Camisa de Vênus, a primeira desde 1987. “Tinha que ser aqui, no primeiro lugar que nos acolheu quando saímos de Salvador. Foi aqui, mas não foi bem aqui”, disse Marcelo Nova, líder da empreitada, se referindo ao Circo em seu formato original. Durante cerca de hora e meia, o grupo sacou um poderoso arsenal de hits da década de 80, sempre sob o tradicional grito de guerra “bota pra fudê”, entoado durante toda a noite. Como é bom ver um artista em paz com a sua própria obra, depois de virar as costas para o passado, como fazia Nova na boa carreira solo. Sim, eles botaram pra foder.

Aos que pensam que bandas só voltam de verdade se a formação for a original e/ou clássica, os integrantes dessa turnê de reunião do Camisa dão o recado desde o início. Além de Nova, que emblematiza o grupo mais que todos, e do pioneiro baixista Robério Santana, estão no palco Drake Nova, o filho do Homem (guitarra), Leandro Dalle (guitarra) e Célio Glouster (bateria), sendo que os três já vinham tocando na carreira solo de Marceleza há tempos (veja como foi o show de 2012, no mesmo Circo Voador). Drake, o mais moço deles, não nega o sangue e hoje tem até certa marra, fazendo com sobras o papel que de Gustavo Mullem. Ele esmerilha a guitarra na soturna “A Ferro e Fogo”, por exemplo, desencadeando uma jam session final com a participação do papai Marcelo numa terceira guitarra, valorizando uma das poucas músicas desconhecidas da plateia.

Grande momento no Circo: Robério e Nova ajoelham e rezam o pai-nosso para o público em 'O adventista'

Grande momento no Circo: Robério e Nova ajoelham e rezam o pai-nosso para o público em 'O adventista'

Porque o público merece ganhar fôlego, já que se acaba de verdade em todo o show. Mesmo sem ter sido um grande sucesso radiofônico, “O Adventista” é de longe a que o povão mais agita, em rodas de dança de fazer inveja a um show punk, o que leva Marceleza a terminar a música de joelhos rezando um pai-nosso (!). Não à toa ele segue se chamando de “o verdadeiro Padre Marcelo”. Marcelo Nova lamenta o avanço do politicamente incorreto que impediria que uma música como “Silvia” fosse gravada nos dias de hoje, mesmo adorada e com o refrão/xingamento cantado a plenos pulmões pelo Circo em polvorosa: “seríamos crucificados nos Arcos da Lapa!”. Assim como critica as verdades absolutas que espocam sem parar nas redes sociais, o grande mal deste século. E pensar que o grupo, em princípio, não foi aceito pelo “status quo” brasileiro por causa do próprio nome, contudo jamais cogitou mudá-lo. É, Marceleza, cada época tem sua sentença.

Talvez embevecido pelo apoio popular ou mesmo sentindo o tal “friozinho na barriga” por ser este o primeiro show de uma turnê de retorno, Marcelo Nova prefere apontar o microfone para o público cantar grandes trechos em boa parte das músicas, o que, apesar da resposta certeira por parte do povão, acaba por atrapalhar o show em si. Uma pena, porque Marceleza apresenta boa forma e tem o gogó em dia, e, no fim das contas, o público atravessa a catraca para vê-lo cantar, não o contrário. Assim, o clássico dos clássicos “Eu Não Matei Joana d’Arc”, para ficarmos só num exemplo, fica prejudicado no encerramento, muito embora o público esteja se acabando no meio do salão, com copos de cervejas lançados para o alto – e de cima para baixo - sem parar.

Vista ampla do Circo Voador bem cheio para o show que marca o retorno das turnês do Camisa de Vênus

Vista ampla do Circo Voador bem cheio para o show que marca o retorno das turnês do Camisa de Vênus

O set poderia ser mais longo, já que tá todo mundo em forma e repertório é o que não falta; pense que ficaram de fora pérolas como “Meu Primo Zé”, que a Fluminense FM adorava tocar, “Noite e Dia” e “Ladrão de Banco”. Mas seguramente não é isso o que passa na cabeça do público quando o grupo manda “Só o Fim”, decalcada dos Stones, prática comum do Camisa; quando Raul Seixas é lembrado na parceria de “Muita Estrela, Pouca Constelação”; no clássico punk rock que é “Bete Morreu”, bem no início; ou no delirante arremate da noite, com “Simca Chambord”. Não é ao acaso que Marcelo nova abre o sorrisão de satisfação ao perceber que tudo deu certo e a turnê , provavelmente, vai seguir assim por esse Brasilzão. É, tinha que ser no Circo Voador mesmo.

Na abertura, direta e literalmente de todas as praças do Rio de Janeiro, o Beach Combers mandou muito bem com a mistura de surf music de raiz com garage rock e psicodelia. De tanto tocar, o trio está num nível de entrosamento impressionante, bem mais pesado do que em outras oportunidades; o modo como Lucas Leão surra a bateria é de impressionar. O grupo chamou a atenção do público do Camisa de Vênus com um set acelerado, urgente e preciso, como deve ser um show de abertura, sem muito blablablá. As melhores músicas foram “Estricnina”, no encerramento distorcidaço, e a divertida “Me Perdi na Rua Augusta”. Go, Beach Combers, go!

Beach Combers: o uniformizado guitarrista Bernar Gomma mostra o knowhow de palco antes do Camisa

Beach Combers: o uniformizado guitarrista Bernar Gomma mostra o knowhow do palco antes do Camisa

Set list completo Camisa de Vênus:

1- Bota Pra Fudê
2- Hoje
3- Bete Morreu
4- Rostos e Aeroportos
5- Deus Me Dê Grana
6- Gotham City
7- Passatempo
8- Negue
9- A Ferro e Fogo
10- Muita estrela, Pouca Constelação
11- Só o Fim
12- O Adventista
13- My Way
14- Simca Chambord
15- Silvia
16- Eu Não Matei Joana D’Arc

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Adelvan em maio 12, 2015 às 21:02
    #1

    Primeira turnê desde 1987? Acho que não, viu. Eu mesmo vi o Camisa aqui em Aracaju já numa “turnê de volta”, nos anos 1990…

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