No Mundo do Rock

Encontro com si próprio

Em turnê de reunião, Ira! mostra nova formação, resolve no palco os problemas que levaram ao desgaste e à separação e mira disco de inéditas. Fotos: Ruy Mendes/ Divulgação (1 e 2 ) e Fabrício Vianna (3).

Reconciliados, Edgard Scandurra e Nasi são os membros remanescentes da formação clássica do Ira!

Reconciliados, Edgard Scandurra e Nasi são os membros remanescentes da formação clássica do Ira!

Há quem reclame que a improvável turnê de reunião do Ira! não tenha a formação clássica do grupo, já que o baixista Ricardo Gaspa e o baterista André Jung, que passaram 23 anos no mesmo barco, ficaram de fora. Mas para o vocalista Nasi, que tramou a volta da banda junto com o guitarrista Edgard Scandurra a coisa vai muito bem, obrigado. Melhor, até, do que ele esperava. É o reformado Ira! de hoje dando mais certo que o Ira! na fase final, antes de a separação acontecer, em 2007.

O que, a bem da verdade, não parece ser coisa difícil. No meio desse caminho, teve briga de Nasi com seu irmão e empresário, Airton Valadão Júnior, incluindo as chamadas vias de fato e uma série de processos judiciais para ver quem ia ficar com os direitos sobre o nome “Ira!”. Tudo resolvido com o passar do tempo e depois de Nasi ter costurado um acordo familiar que resultou em uma trégua legal e apontou para o inevitável retorno da banda. A volta se deu a partir de show beneficente repleto de convidados em São Paulo, realizado no ano passado (veja como foi), mas a estreia da turnê pra valer foi em maio, na Virada Cultural de São Paulo (detalhes aqui).

Agora, estão na banda, além de Nasi e Edgard, Daniel Rocha (seu filho, baixo), Evaristo Pádua (baterista da banda solo de Nasi) e Johnny Boy (músico de apoio há muitos anos, teclado). Quanto à formação clássica, Gaspa renunciou antes mesmo de ter o nome cogitado para a turnê, e André Jung e Nasi não se dão bem mesmo, daí o baterista nem ter sido cogitado. Tudo isso foi explicado pelo próprio Nasi, nessa entrevista exclusiva. O cantor também fala de como os shows têm sido – já são quase 30! -, dos planos de a banda lançar um disco de inéditas com essa formação, e de como será a apresentação do próximo sábado, dia 9, no Circo Voador, no Rio. Prepare-se porque nosso amigo está com a corda toda:

Rock em Geral: Qual é a sua avaliação dessa reunião do Ira!, agora que já rolaram quase uns 30 shows?

Nasi: Eu fico até encabulado de falar para não soar demagogo, mas está acima das minhas melhores expectativas. O clima de parceria entre eu e o Edgar – que eu acho que a gente não tinha desde os primórdios da banda -, ficou muito bom com essas mudanças, porque nós recuperamos uma cumplicidade e uma atenção musical que infelizmente a rotina tinha tirado do Ira!. São outros músicos querendo mostrar serviço, ganhar espaço e serem conhecidos. Então tem sido ótimo, porque isso vai além do sucesso dos shows, todos lotados. Além do público legal, uma plateia sempre ávida, eufórica, estamos encontrando novamente aquela maneira de brincar e ao mesmo tempo tocar um prestando a atenção no outro. É um show que tá muito orgânico, muito vibrante.

REG: Então tá melhor do que o próprio Ira! dos últimos tempos, antes da separação?

Nasi: Sem dúvida nenhuma. Quando o Edgard e eu decidimos por essa mudança e pela escolha de músicos que já faziam parte das nossas carreiras solo, no papel era uma ideia muito legal, mas precisávamos ver se isso ia dar química nos ensaios e principalmente nos shows. E deu certo mais do que eu esperava. Além dos desgastes pessoais que motivaram a mudança de formação, eu já estava há seis, sete anos entrosadíssimo com outros músicos, e o Edgar também. Se deixássemos essa turma para trás para novamente montar aquela banda que foi desfeita, não ia ser legal.

REG: Por isso que o Ricardo Gaspa e André Jung ficaram de fora? Muitos fãs cobram a formação clássica…

Nasi: Eu não sinto muito essa cobrança. Eu pensava que ia ser uma cobrança maior e nós encaramos essa porque de outra maneira não daria certo, musicalmente e pessoalmente.

REG: Havia um desgaste de relacionamento entre você e o Edgard com eles dois?

Nasi: Com o Gaspa nem tanto, ele não voltou porque não quis.

REG: Vocês o chamaram, então?

Nasi: Quando teve aquele show beneficente em 30 de outubro do ano passado, que não era a volta do Ira!, tinha o Arnaldo Antunes, o Paulo Ricardo, eu tinha tomado a iniciativa de procurar o Edgard e me coloquei à disposição. O Edgard me chamou, o show era para cantar Ira! com ele, e aquilo detonou o movimento da volta do Ira!, fez a gente pensar. Nesse show um grande portal nos procurou para especular sobre isso, e eu e o Edgard fomos super comedidos, dissemos que era melhor deixar acontecer. Já naquela época eu disse que para voltar teria que ser com alguma coisa diferente, mas não sacramentei nada. E esse portal procurou o Gaspa e o André, e o Gaspa publicamente colocou que não queria voltar de jeito nenhum porque estava com a vida dele arrumada do que jeito que estava, desejou sorte para nós. O Gaspa tocou um ano e meio comigo depois do final do Ira! e um dia disse que ia sair. Ele tem uma confecção com a mulher dele e a musica virou um hobby. Ele tem uma banda de rockabilly na qual toca baixo acústico que é a paixão dele. O problema do André é que tinha um desgaste da minha parceria com ele, e ao mesmo tempo eu tô muito entrosado com o Evaristo (baterista), que gravou comigo nos dois últimos discos. Para o cantor o baterista é muito importante, no sentido de que é ele quem respira com você, o lance do jeito de eu ter a minha divisão, o jeito de cantar. E essas coisas se juntaram. Sem o Gaspa veio a ideia de trazer o Dany, filho do Edgard, que toca nos projetos dele. Todos eles têm uma linguagem muito próxima do rock do Ira!. O Johnny mais ainda, porque ele é o quinto Ira!, gravou os teclados de três ou quatro álbuns na década de 90, fez a turnê do “Ao Vivo MTV”, conhece a linguagem da banda e é um musico versátil que ajuda nas vozes.

REG: E a questão com o seu irmão e empresário, como foi resolvida? O nome “Ira!” agora pertence a quem?

Nasi: Foi todo um processo de reconciliação que começou no final de 2011, quando eu tomei a iniciativa de procurar meu pai, que mora em um sítio no sul da Bahia. Cheguei com o discurso de não falar sobre os erros do passado, que todo mundo tinha errado. Naquele momento eu já deixei um recado para o meu irmão que a intenção era encerrar todos os processos. O armistício judicial entre eu e o Júnior poderia ter acontecido em julho de 2010, quando estávamos rumando para um encerramento mútuo das ações, mas ele teve um problema com o advogado. Depois desse contato com o meu pai, meses depois ele acabou me ligando, tinha resolvido essas questões e o que interessava era resolver um futuro legal. No acordo o meu irmão tinha o domínio do nome, ele disse que já tinha oferecido para o Edgar no meio dessa briga, mas o Edgar não quis ficar com ele. Achava que, com o final do Ira!, o nome devera ficar com o Edgar ou comigo, mas não havia clima.

Ira! 2014: Edgard, Johnny Boy (teclado), Evaristo Pádua (bateria), Nasi e Daniel Rocha (baixo)

Ira! 2014: Edgard, Johnny Boy (teclado), Evaristo Pádua (bateria), Nasi e Daniel Rocha (baixo)

REG: Ele não queria ficar no meio do tiroteio…

Nasi: Sobrou para ele em alguns aspectos, mas todo mundo errou, inclusive ele, na medida em que deixamos coisas demais para o empresário decidir, e uma banda não pode ser dirigida por empresário. Foi omissão nossa. O Ira! no final era eu e o Edgard, cada um cuidando da sua carreira solo, só perguntávamos quando era o próximo show. Não é assim que se faz. Quando terminamos os processos o Júnior acabou me passando a marca “Ira!” como resultado desse acordo, mas não por imposição. Acho que ela está em boas mãos porque eu e o Edgard somos os fundadores, e o Ira! só irá existir comigo e o Edgar juntos. Sem querer desmerecer os outros, eu e o Edgar é que fundamos o Ira!, demos a direção estética até hoje. Tivemos outros músicos – claro que essa formação com o André e o Gaspa foi a mais importante, durou 20 anos -, mas tivemos duas formações na histórias pré-fonográfica que foram muito importantes, com Charles Gavin na bateria, antes com o Vítor Leite, que criaram alicerces para entrar no casting da gravadora.

REG: No fim das contas quais são as lições, além de não deixar uma banda só na mão de um empresário?

Nasi: A outra é a questão da falta de diálogo e o distanciamento entre eu e o Edgard. Ele achava que o Ira! tinha que ter dado um tempo no final do “Acústico MTV” (2004), isso teria salvado a banda. Eu também achava isso, acontece que nós não sentávamos para conversar e comunicar que íamos parar por um, dois anos. Toda banda faz isso, da nossa geração do rock nacional todos já fizeram. Eu queria dar um tempo para a minha cabeça, o Edgard queria aprofundar um trabalho solo, não ficar com essa coisa frustrada, na sombra do Ira!, fazendo shows de terça e quarta-feira. Isso gerou uma frustração e o Ira! passou a ser o nosso inimigo, uma coisa completamente absurda. Agora nós conversamos, vamos trabalhar com prioridades. Primeiro é a turnê de volta, depois disco de inéditas, um DVD provavelmente. Depois desse ciclo vamos dar prioridade para as nossas carreiras solo. Eu prefiro o Ira! dar um tempo de um ano e o Edgard voltar feliz depois do que forçar para continuar e vice-versa.

REG: Vocês têm tocado 10 músicas dos dois primeiros álbuns nos shows (“Mudança de Comportamento”, de 1985, e “Vivendo e Não Aprendendo”, de 1986). Foi preciso voltar tanto nesse processo de retomada?

Nasi: Não foi uma coisa racionalizada. O Edgard fez um set list e passou para mim, eu fiz um e passei pra ele. Não teve muita discordância, eu achei que teria mais. O que combinamos era de ter músicas representando todos os discos para dar essa visão. É legal essa turnê ter essa coisa panorâmica, até pra uma garotada que tá indo aos shows porque o pai falou, mostrar as nuances do som do Ira!. As coisas mais pesadas, beirando ao punk, como “Gritos na Multidão” e “É Assim Que Me Querem”, com as coisas mais líricas, baladas como “Tolices” e “Vivendo e Não Aprendendo”, que são polos do nosso universo musical. A espinha dorsal são os grandes sucessos que o público quer ouvir e a coisa de serem representantes de vertentes do nosso som. Por isso acabamos voltando bastante aos dois primeiros álbuns, que são muito definidores do que é o som do Ira! Mas sem deixar de lado o “Psicoacústica” (disco de 1988), nos shows tem “Manhãs de Domingo”.

REG: Vocês estão mantendo o set list padrão ou variam a cada show?

Nasi: O show básico é o mesmo, e no bis temos algumas alternativas, depende do dia, da nossa vontade. Tivemos só uma mudança que era “Coração” no show principal e “Manhãs de Domingo” no bis. O resultado de “Manhãs de Domingo” foi tão legal que nós trocamos. E é legal ter duas músicas do “Psicoacústica” (a outra é “Rubro Zorro”).

REG: É um disco considerado cult…

Nasi: É, e foge um pouco da cara do Ira! tradicional, básico, com influência do mod. É um disco lisérgico, um divisor de águas na carreira do Ira!.

REG: Algo diferente para o show do Circo Voador?

Nasi: O Circo é um lugar mítico para a nossa carreira. Os nossos principais álbuns foram gravados no Rio de Janeiro, o cenário eram as ruas de Copacabana, os hotéis, o Jardim Botânico. Nós passamos meses criando os discos que até hoje são pedidos. Então vai ter uma força emocional muito grande esse show no Circo. A vendagem de ingressos tá quase esgotada, ficamos felizes porque vai ser um show dos mais emocionantes, o público pode ter certeza de que vai encontrar não só um repertorio que vai agradar em geral ao fã do Ira!, mas vai encontrar muita emoção nesse palco. E os nossos amigos cariocas, o Frejat, Arnaldo Brandão, a galera dos Paralamas, gostaria de vê-los. Quem sabe não rola uma pelada, estão desde já convocados!

REG: Confirmando os planos do álbum de inéditas e do DVD que você citou…

Nasi: Eu não sei se faremos um DVD dessa turnê. A ideia é que não é hora de fazer um disco ao vivo dessa turnê que já é uma turnê de grandes músicas que nós já gravamos no “Acústico MTV” (2004), no “MTV Ao Vivo” (2000). Um disco ao vivo dessa formação, um DVD, pode vir mais lá pra frente, seria legal. A ideia é fazer um DVD, mas com muita novidade, talvez dentro de um estúdio, mas não com público demais para não comprometer a execução. O Ira! tá bem servido de discos ao vivo e o próximo seria bacana para registrar essa nova formação, mas mais para frente.

REG: As músicas novas estão saindo?

Nasi: Uma já estamos mostrando, que é “ABCD”, e nos ensaios já surgiram outros temas que carecem de serem desenvolvidos com letras, mas elas vão surgindo. O bom dessas viagens, dessas turnês longas, é que a gente vai no ônibus ouvindo música e isso é bom para trocar ideia. Nas passagens de som surgem riffs, outro dia surgiu um no melhor estilo Led Zeppelin que deve gerar outra música. É isso que vai alimentar um próximo disco. Não temos pressa, pensamos em entrar em estúdio em oito meses, um ano, para ter um repertório que seja muito bom.

Edgard e Nasi no palco da Virada Cultural em São Paulo, no show que marcou o início da turnê

Edgard e Nasi no palco da Virada Cultural em São Paulo, no show que marcou o início da turnê

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