Panorâmica
Ira! passa a limpo todas as fases da carreira em show marcado por grande emoção dos músicos e intensa participação da plateia. Fotos: Bruno Eduardo.
“Eu preciso falar: é o melhor lugar do mundo pra se tocar”, diz Scandurra com a voz embargada antes de anunciar “Quinze Anos”, também conhecida como “Vivendo e Não Aprendendo”, já que o verso é cedido ao título do disco de estreia. Outro trecho, “Eis o homem que se apanha chorando”, estava gravado no semblante de Nasi, que não vai às lágrimas, mas se emociona um bocado com a reação contagiante do público. Com uma quilões a mais, ele mantém a voz que consagrou músicas como “Gritos na Multidão”, que traz a lembrança da época em que o baterista Charles Gavin (ex-Titãs, também na plateia) tocava com a banda; “Tarde Vazia”, apropriada pelo público por iniciativa própria; e “Longe de Tudo”, na abertura da noite às palmas marcadas.
Até músicas menos salientes da carreira do Ira! são abraçadas, caso de “É Assim Que Me Querem” e “O Bom e Velho Rock’n’Roll”, nas quais Edgard Scandurra trata de debulhar a guitarra sem dó. É preciso se dar conta que ali está um dos maiores e mais criativos músicos de sua geração, que durante anos seguidos foi eleito o melhor guitarrista do país, muitas vezes em rara unanimidade de crítica e público. O canhotinho desafia as notas da guitarra em solos simplificados, porém nada óbvios (aprende, Zakk Wylde!), e se deixa levar pela atmosfera do show o tempo todo. Mesmo assim destacam-se a surpreendente “Manhãs de Domingo”; “Núcleo Base”, que encerra a primeira parte; e “Envelheço na Cidade”, com a felicidade estampada na cara. Uma pena, então, que o público subitamente imbecilizado converta o riff de genial de “Dias de Luta”, um dos mais marcantes em todos os tempos, num reles grito de guerra de maconheiro sem memória.A utopia dos entusiastas do rock pela da formação original (ou clássica) não acontece com essa volta do Ira!, mas a coisa vai muito bem com Daniel Scandurra (o filho do homem, no baixo), Evaristo Pádua (baterista da banda solo de Nasi) e Johnny Boy (músico de apoio há muitos anos, teclado). O repertório ainda inclui a inédita “ABCD”, um rockinho meio mod com letra pueril, e resgata a esquecida “Arrastão”, transformada num sombrio heavy rock. O bis caprichado, que de acordo com Nasi é escolhido na hora (leia aqui), tem oito músicas, mas a banda perde a mão pela falta de diálogo entre uma e outra, o que faz o show dar uma caída justamente no encerramento.
O que não quer dizer que não tenham sido válidas as inclusões de “Bebendo Vinho”, clássico maior e grito de torcida de Wander Wildner, e o bom arremate, no final das contas, com “Nas Ruas”. Ou que não tenham feito falta – assim é o fã de rock - pela ordem: a) “Coração”; b) “Vitrine Viva”; c) “Nasci em 62”; d) “O Dia a Semana o Mês”; e e) “Farto de Rock’n’roll”. O tal panorama prometido pela banda, contudo, está ali e não chega a ser justo o reclame, de modo que a pauta de reivindicações é bem menor do que a lista de desejos atendidos. Se puder, vá a um dos shows dessa turnê. É diversão garantida e ninguém vai querer o dinheiro de volta.Set list completo
1- Longe de Tudo
2- Flerte Fatal
3- É Assim Que Me Querem
4- Dias de Luta
5- Tarde Vazia
6- No Universo dos Seus Olhos
7- Flores em Você
8- Gritos na Multidão
9- ABCD
10- Tolices
11- Mudança de Comportamento
12- Rubro Zorro
13- Quinze Anos
14- Eu Quero Sempre Mais
15- Manhãs de Domingo
16- O Bom e Velho Rock n’ Roll
17- Envelheço na Cidade
18- Núcleo Base
Bis
19- O Girassol
20- Arrastão
21- Instrumental
22- Pra Ficar Comigo
23- Foxy Lady
24- Prisão das Ruas
25- Bebendo Vinho
26- Nas Ruas
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