O Homem Baile

Repeteco

Mais entrosada, formação atual do Focus faz praticamente o mesmo show de 2012, para Teatro Rival igualmente lotado, no Rio. Fotos: Luciano Oliveira.

O tecladista/flautista Thijs van Leer é o divertido mestre de cerimônias do Focus, versão 2014

O tecladista/flautista Thijs van Leer é o divertido mestre de cerimônias do Focus, versão 2014

Um retrato feito na noite desta terça (14/4) no show do Focus, no Teatro Rival, no Rio, seguramente se confundiria com uma imagem do passado. Não da época de ouro do rock progressivo, em plenos anos 1970, quando o grupo despontou, mas da apresentação de exatamente dois anos atrás, no mesmo local e para uma plateia de grandes semelhanças com a de ontem, senão a mesma (veja como foi). O grupo, que excursiona regularmente há mais de 10 anos pelo Brasil, volta com a mesma formação e, sem um novo álbum, podemos dizer, na mesma turnê do bom “Focus X”, que saiu em 2012; sim, volta e meia eles lançam um disco com composições inéditas.

Se não fosse pelo chamado “conjunto da obra”, um show do Focus já valeria pela execução corretíssima de “Sylvia”, uma das mais belas canções já composta em todas as épocas, e tocada por, ao menos, dois sujeitos que estavam lá, o tecladista/flautista Thijs van Leer (autor da peça) e o batera Pierre van der Linden. A música é espécie de protótipo mais que perfeito do modo Focus de compor. Não é por acaso que o figuraça Van Leer cantarola em boa parte das músicas. Suas composições, embora quase todas instrumentais, são boladas melodicamente para ter início, meio, refrão e fim. Pautado pelo bom gosto e com uma técnica preciosa, o tecladista acerta a mão em quase todas – basta ver o extenso repertório do Focus – e quando se supera nascem jóias como “Sylvia”, “Focus III”, ontem guardada para o final, e “Love Remembered”, só para ficarmos em poucos exemplos. É o músico fazendo seu instrumento falar.

O bom guitarrista Menno Gootjes e o baterista da formação clássica do Focus, Pierre van der Linden

O bom guitarrista Menno Gootjes e o baterista da formação clássica do Focus, Pierre van der Linden

Ocorre que, ao praticamente repetir o repertório do show de 2012, o grupo priva a plateia – de idade avançada e certamente conhecedora da história da banda – de músicas de um repertório vastíssimo que a grande maioria que lotou o Rival jamais viu ao vivo. É atitude elogiável e ainda um sinal de vitalidade uma banda veterana como o Focus mostrar as músicas mais recentes, mas quando a turnê desse mesmo disco já passou por aqui, é hora de variar o repertório, quem sabe até incluindo a íntegra de um dos álbuns clássicos. Já imaginaram o Focus tocando “Focus III”, “In And Out Of Focus” ou mesmo o “Hamburger Concerto”, de cabo a rabo? Ou ainda a inclusão de músicas nunca apresentadas antes no Brasil? Sonhar não custa nada.

O que não tira, nem de longe, o mérito da apresentação de ontem, que tem a favor o fato de os músicos estarem mais entrosados entre si. É o que garante momentos de improviso com maior segurança e performances mais arrojadas do guitarrista Menno Gootjes, por exemplo. Flertando com Joe Satriani, que tem como semelhança com o Focus o som instrumental que faz o “instrumento falar”, ele rouba a cena dos generosos Van Leer e Der Linden sem o menor constrangimento. É o que acontece na quilométrica “Erutpion”, em mais de uma vez; na condução da pesada e atual “All Hens on Deck”, uma das novas; e no próprio solo a que tem direito. Os quatro têm, aliás, e só o baixista Bobby Jacobs, quadradão, destoa, talvez preso demais ao apelo jazzístico de Pierre van der Linden.

Público se divertindo com o Focus tocando pra valer no fundo: tudo praticamente igual ao show 2012

Público se divertindo com o Focus tocando pra valer no fundo: tudo praticamente igual ao show 2012

Mas o que dá gosto de ver é mesmo a duplinha Thijs van Leer, 66, cada vez mais engraçado ao se divertir ainda mais que o público, e Pierre van der Linden, 68. O baterista tem direito a duas intervenções solo, em “Eruption”, limitado, e bem no meio de “Hocus Pocus”, reservada para o final do show. Na música, curioso hit porra louca que todos conhecem, Van Leer assume mais que em toda a noite o papel de entretenedor e faz o público cantarolar com ele, num duelo dos mais divertidos, de parte a parte. Antes de arrematar o show, no bis, com “Focus III”, se mostra emocionado com a recepção da plateia. Mas o que fica na cabeça de todos é o vigor físico e manutenção técnica de alto nível tanto de um quanto de outro, que conseguem levar adiante o legado de uma banda que não precisa fazer mias nada para marcar presença na história do rock em todas as épocas. Ou precisa?

Set list incompleto:

1- House of the King
2- Aya-Yuppie-Hippie-Yee
3- Focus VII
4- Eruption
5-
6-
7- Sylvia
8-
9- All Hens on Deck
10- La Cathedrale de Strasbourg
11- Harem Scare/Solo guitarra/Solo baixo
12- Solo flauta
13- Hocus Pocus/Solo bateria
Bis
14- Focus III/Solo flauta

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Marcelo Duro em abril 16, 2014 às 18:44
    #1

    Após o (excelente) show, estive com os membros da banda, para autografar meu CD e tirar fotos. Perguntei a Thijs van Leer porque não tocavam “Hamburger Concerto” e ele me disse que não a executavam desde 1975 e que não gostava da mesma. Disse-lhe que, pelo menos no Brasil, “Hamburger Concerto” era considerada uma obra prima e que muitos fãs adorariam ouvi-la ao vivo (ontem, durante o show, muitos pediram). No entanto, Thijs disse que não a “estudavam” nem a ensaiavam desde aquela época (1975) e que ele gostava mesmo era da igualmente longa “Eruption”. É uma pena. Acho que Thijs não gostou do resultado de “Hamburger Concerto” - tanto que só se vêem dois vídeos no youtube em que essa música aparece, ambos de 1974-1975. Fiquei surpreso (e triste) ao constatar que essa música, que considero um marco do rock progressivo, não seja apreciada pelo seu criador, apesar de ser apreciada pelos fãs.

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