O Homem Baile

Sarau

Em apresentação catártica, Pouca Vogal revive Engenheiros do Hawaii no Festival Casarão; fantasma do Los Hermanos habita bandas da região. Fotos: Douglas Diógenes/Divulgação.

poucavogalcasarao12A multidão que lotou a segunda noite do Festival Casarão, em Porto Velho, não queria saber de outra coisa. O negócio era cantar todas as músicas executadas pelo Pouca Vogal, sílaba por sílaba. O duo, formado pelo líder do Engenheiros do Hawaii, Humberto Gessinger, e por Duca Leindecker, do Cidadão Quem, fez a sua parte e mandou 25 músicas em cerca de hora e meia de show. Engana-se quem pensa que só os sucessos dos Engenheiros foram cantados em uníssono pelo público; mesmo músicas do duo já estavam gravadas na caixola de cada uma das fofas que, do ombro de rapazes fortões, entoavam um desafino ensaiado.

A rigor, o Pouca Vogal não tem razão de ser. Se Humberto Gessinger é o dono da obra do Engenheiros, seria melhor ele remontar o grupo e se manter na ativa, mesmo porque há um abismo artístico e de relevância considerável entre ele e Duca. Ou alguém aí é fã de longa data do Cidadão Quem? Se a fase para novas composições não é boa, que faça turnês tocando a íntegra de um ou outro álbum, material é o que não falta. Com o Pouca Vogal, o formato é quase acústico, com a dupla se revezando em instrumentos como violão, guitarra, teclado, acordeão e gaita, entre outros, além de efeitos sampleados. Assim, a apresentação ganha contornos de um imenso sarau de verão de um balneário qualquer. No fundo, todas as músicas, com arranjos quase sempre exíguos, soam como a “Andança” de sua geração.

Considerações amplamente dispensáveis para uma plateia bastante jovem, se lembrarmos que boa parte dos hits cantados a plenos pulmões tem mais de 20, 25 anos. Mas pense bem: que brasileiro não sabe cantar um verso como “a juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes”, de “Terra de Gigantes”? Trata-se de um verdadeiro ícone do imaginário pop nacional. Para o bem ou para o mal, lá está ele. Outros blockbusters que mataram a pau foram “Pra Ser Sincero”, cuja gravação original já tem a vocação para o acústico; “Infinita Highway”, que ganhou um acordeão, mas perdeu o viço, sem guitarra, no bis; “Somos Quem Podemos Ser” e “Era Um Garoto que Como Eu”, que ficou devendo a mesma nota, ratatatá. Volta com o Engenheiros, Gessinger.

Antes, entre as bandas da Região Norte, o traço comum foi a exagerada referência a Los Hermanos. Há quem aproveite bem a situação e crie em cima, e há os que, de outro lado, sucumbem à idolatria doentia a ponto de se transformar em um decalque caricato. Integrante do primeiro grupo, o Versalle tem se especializado em criar – e repetir muitas vezes – refrães que acabam colando nos ouvidos do público, como os de “Mente Cheia”, candidata a melhor música nova do festival, e de “Atrás da Solidão”. Com a tristeza de lado, o grupo está em ótima fase. O que pega é falta de sorte: se no ano passado o som pifou no meio do show, dessa vez, dado a avançar do horário, três músicas foram limadas do set.

Outro que surpreende pelas boas composições é Os Descordantes, do vizinho/rival Acre. O grupo, que também carrega ecos oitentistas, faz um pop rock com sutis referências ao brega de humor e ao samba de raiz – Cartola e Raul Seixas, como “Tu És o MDC da Minha Vida”, estavam no repertório. Mas a jóia da banda é “Hombridade”, que concorre pau a pau com “Mente Cheia”, do Versalle. O Sub Pop, de Vilhena, também tem seu candidato a hit, “Alicate Azul, Me Dá Um Copo D’Água”, mas há muito o que fazer. A primera providência é reduzir drastiacamente ou mesmo eliminar as terríveis inserções de saxofone. A outra é dar um “reseat” no passado hermânico do vocalista paradão Derek Ito; não dá para ser clone de Amarante a vida toda.

Na contramão de tudo isso, o Jam segue firme honrando o próprio nome. O power trio de músicos virtuosos mergulha em improvissos que realçam a fúria do baixista Mikeias, notório estalador de cordas de seu instrumento. Em relação ao show do ano passado, o grupo parece estar se afastando do funk rock e buscando um sotaque mais pop. O desafio agora é encontrar esse conceito em meio a tanta experimentação. Hora de trocar as notas pelos acordes, rapazes.

Marcos Bragatto viajou à Porto Velho à convite da produção do Festival Casarão.

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O Festival Casarão termina neste sábado. Saiba mais aqui.

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Luiz F em setembro 8, 2012 às 14:36
    #1

    “A rigor, o Pouca Vogal não tem razão de ser. Se Humberto Gessinger é o dono da obra do Engenheiros, seria melhor ele remontar o grupo e se manter na ativa, mesmo porque há um abismo artístico e de relevância considerável entre ele e Duca. Ou alguém aí é fã de longa data do Cidadão Quem? ”

    Pô, o Pouca Vogal não tem a mesma sonoridade dos Engenheiros, não tem nada a ver uma coisa com a outra.

    E o Duca é um baita artista. Tem um fã do Cidadão Quem de longa data aqui, sim. Hehe. “Spermatozoon” é com toda a certeza um dos 5 melhores discos de rock do Rio Grande do Sul - e melhor que quase tudo dos Engenheiros. Quanto a relevância fora do Rio Grande do Sul, concordo que há abismo, mas aqui o Cidadão Quem é tão grande quanto Nenhum de Nós e Engenheiros.

  2. bob em setembro 10, 2012 às 0:03
    #2

    Duas coisas que sempre me pergunto:
    1- Como um político ruim e notoriamente corrupto se reelege?
    2- como as bandas ruins prevalecem e estão sempre voltando?

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