Rock é Rock Mesmo

Redson não estava na lista

O carismático líder do Cólera, homenageado no palco do Rock In Rio, assim como Renato e Cazuza, foi embora cedo demais

plebe00-6Meus amigos, o tempo passa, o tempo voa e há assuntos chatos que não podem ser deixados pra depois. Mas são deixados, sim. Vejam vocês que, em pleno corre-corre do Rock In Rio, durante a cobertura-de-um-homem-só, vem a notícia de que Redson, vocalista, guitarrista e fundador do Cólera, havia morrido, aos poucos 49 anos. Mais tarde, veio a causa: uma estranha hemorragia interna devido a complicações por conta de uma úlcera. Não sei se a cobertura da mídia foi acanhada ou se a perda acabou ofuscada pelo festival de proporções mamúticas. Eu, de meu lado, me emocionei com a homenagem de Tony Platão durante o show tributo à Legião, e acredito que a citação à Redson tenha sido acertada com Dado e os outros que ali estavam, embora Platão estivesse extremamente emocionado, o que lhe garantiu – de longe – a melhor performance da noite.

Na perda de Ronnie James Dio, há pouco mais de um ano, expus um temor antigo que carrego: o de perder, pouco a pouco, os grandes heróis do rock. Não havia pensado, naquele momento, se a memória não me falha, em nomes do rock nacional, muito menos num garoto como o Redson. Ele não estava na minha lista. Na de heróis do rock, sim. Mas na de perdas, não. Disse que Redson era um garoto porque sempre o via assim, como um garoto, ainda que estivesse perto dos 50 e fosse, desde sempre, mais velho que eu. Naquele ano de 1986, na gelada Juiz de Fora, quando vi o Cólera ao vivo pela primeira vez, éramos, sim, dois garotos. Havia ganho na Fluminense FM os ingressos para o Festival de Rock da cidade e me mandei para lá, numa das minhas primeiras viagens de rock, para ver um monte de bandas tocando rock juntas: o novato (ainda sem disco) Capital Inicial; Overdose, que dividia um vinil com o anônimo Sepultura; Detrito Federal, já com Cascão nos vocais; e até o setembro Negro, do esquisito vocalista Rogério Skylab. Sim, vem de longe a minha vocação para a beirada de palco.

Havia conhecido o Cólera na mesma Flu FM que me deu os ingressos. Havia, aos sábados e domingos, um programa chamado “Guitarras”, que ia ao ar na hora do almoço, só com bandas de heavy metal. Às vezes, tinha módulos especiais com bandas punks, ou mesmo um programa inteirinho dedicado ao gênero, o “Guitarras Punk”. Vidrado no pós punk made in UK, o que interessava naquele momento era entender o punk; dava de ombros para o heavy metal. Foi fácil gostar do Cólera, pelo seu ativismo, pelas músicas cativantes, mas, sobretudo, por causa do carisma de Redson, que logo convencia a gente e tudo o que ele pensava. E eram bons pensamentos. Pacifismo; preservação do meio ambiente (que não era piegas nas mãos de marketeiros como é hoje); o combate tardio à repressão, herança da ditadura; a união entre os punks e outras coisas que apetecem à juventude e adolescência. Sim, sou adolescente há mais de 20 anos, meus amigos.

O Cólera mantinha o CIC – Círculo Informativo do Cólera -, que nos atualizava sobre as novidades do meio. Devia ser ideia do Redson, embora o tratamento fosse impessoal. Comprei muitos discos através do CIC pelo correio, a maioria de bandas nacionais. Ou mesmo fitinhas cassete de grupos de fora, gravadas de discos de vinil que eles tinham. Conheci o Metallica, a banda que viria a fundir punks e heavies, em princípio fadados a destruírem uns aos outros, desse jeito. Uma vez, li a descrição do LP de uma banda como “ultratrash”, vi que havia umas 15 músicas de cada lado do disco e não resisti. Encomendei, às escuras, “Scum”, a estreia do Napalm Death. Com o CIC e as trocas de cartas, o Cólera foi para numa turnê européia, numa época em que isso só parecia viável para bandas que tinham suporte de gravadoras (leia-se grana) como os Paralamas do Sucesso. A revista Bizz fez uma matéria reunindo as duas turnês que encheu a gente de orgulho. Ao comprar os discos do Cólera, parecia que a gente tinha ajudado de verdade na empreitada.

Há muitas brigas no meio do punk, e eu nunca fui próximo do Redson (em geral não sou próximo de artistas, detesto bajulação) para ficar aqui falando bem dele. Mas posso fazer isso como aquele que acompanhou o Cólera durante um período, e que viu muitos shows, muitas noitadas no Circo Voador com a irresistível dobradinha Plebe Rude & Cólera, e shows no Garage, já na década de 90, que acabavam de manhã cedo, com o dia claro. Cantar com o Cólera e com o Redson era como bradar palavras de ordem em passeatas, quando elas existiam e surtiam efeito. Hoje é parada de não sei o que lá e marcha por isso ou aquilo. Depois que virei repórter, jornalista e o escambau, nunca fiz uma matéria com o Cólera; algumas resenhas de disco, talvez. Como editor, na extinta Dynamite de papel, cheguei e editar um entrevistão e foi só.

A única matéria que faria com Redson nunca saiu do papel. Ou, por outra, da fita cassete. Hospedado na pousada “Sete Colinas”, em Olinda, para cobrir o Abril Pro Rock de 2000, dei de cara com Redson mergulhando na piscina, com o corpo de marombeiro que me causou estranheza. Como pode um punk de verdade desfrutar dessas benesses classemedianas?, eu pensava. Mas não perdi tempo. Quando o papo começou a fluir numa mesa ali mesmo na pousada, entre eu, Redson, o Reverendo Fábio Massari, BNegão e o colega Bart, saquei o gravador e registrei tudo, para quem sabe, fazer uma matéria sensacional. Só que nenhum editor pra onde eu colaborava quis. Nem ao menos ouvir. Editores são assim: burros. Não sei aonde a fita foi parar, mas quando a poeira abrandar, quem sabe recupero o assunto? Também não me lembro do papo, mas coisa ruim é que não era.

Nessa edição do festival, fiz minha primeira foto do Redson, tocando com o Cólera e participando no show da Plebe Rude. Era importante pra mim, fotógrafo amador (hoje aposentado) ter fotos dos meus ídolos. Depois de uma logística sinistra para mandar os rolos de filmes para o Rio (as fotos não eram digitais, mas em filmes a serem revelados), chego na segunda de manhã na cidade e, no aeroporto mesmo, vejo a minha foto, com Redson cantando ao lado de Philippe Seabra, na capa do Segundo Caderno, do Globo, sob o título “Punks no Mangue”, matéria assinada por Mário Marques. Tempos depois vim saber que aquela foto (se não for essa publicada aí em cima é da mesma sequência) era uma das poucas imagens de Redson a ocupar aquele espaço. Poderia ter feito mais, Redson, mas vejo isso hoje – lembrei da história no fatídico 27 de setembro – como uma humilde retribuição. E faço hoje – antes tarde que nunca - minhas as palavras de Tony Platão, no Rock In Rio que o mundo inteiro viu: “Pela paz em todo mundo, vai com Deus, Redson! Renato, recebe ele aí que depois a gente chega”. Esperem por mim também, tá?

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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Comentários enviados

Existem 3 comentários nesse texto.
  1. Patricia em outubro 23, 2011 às 16:34
    #1

    É isso, meu grande obrigado ao Redson! Fez música e nos inspirou como poucos.

  2. homensdopantano em outubro 28, 2011 às 19:15
    #2

    Redson foi um cara importante para caralho mesmo. Long live Cólera! Em certo nível, nos influenciou tb. Abrá pantanoso Bragatto.

  3. Jorge Luiz em janeiro 9, 2012 às 13:54
    #3

    Meus olhos ficaram lacrimejados.
    Coléra também fez parte da minha adolescencia, há mais de 20 anos o “extinto” Circo Voador abrigava o que tinha de melhor do rock e um dos maiores shows que presenciei foi o Cólera com abertura dos Inocentes. Bons tempos.
    “Pela Paz em Todo Mundo”, até hoje tenho a xerox dos Direitos dos Homens que veio no encarte do disco.

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