O Rock Como Ele é

Para onde ir?

Às vistas dela, no entanto, era um garoto como outro com quem trocava beijos nos shows de hard rock que gostava de frequentar há milhões de anos

Odiava olhar para os olhos dela e ver o mínimo de dor. Tratava a pequena como se fosse uma filha que ele nunca teve, mas, ao mesmo tempo, sabia que sentia algo mais. Vinte longos anos separavam as datas de nascimento dos dois, e isso o vinha deixando encafifado. Na verdade, nunca se interessara por mulheres mais novas. Ao contrário, gostava de buscar colo justamente naquelas mais maduras, experientes. Adorava reconhecer como, para elas, o tempo parecia não passar: eram atraentes depois de tantos anos. De modo que achava graça ao se ver encantado por uma menina tão nova.

Tinha os cabelos que lembram um lugar quente e seguro, e talvez buscasse segurança nos braços daquele quase senhor de idade. Às vistas dela, no entanto, era um garoto como outro com quem trocava beijos nos shows de hard rock que gostava de frequentar há milhões de anos. Nessa fase da vida, onde tudo é tão novo, qualquer semaninha equivale a um século de coisas vivenciadas. Acreditava no rock como elixir da juventude e identificava que ele, com a mesma idade de seu pai, fosse, por conta disso, ainda um rapaz de sua idade, por mais que, ironicamente, a chamasse de criança. Só de birra.

Se olhasse fixamente para ela, poderia perder o controle e chorar. Era uma sensação estranha de querer cuidar e proteger uma criança indefesa ao mesmo tempo em que – ele sabia – de ingênua ela não tinha nada. Lembrava das noites que passaram juntos para reforçar naquela relação uma precocidade sexual sem precedentes. Ao menos para ele, que, nessas horas, se sentia um grande cafajeste. Mas logo passava, porque, embora fosse do tipo bronco, que não sabe como lidar com os próprios sentimentos, identificava ali, de parte a parte, o amor. O mesmo amor que a voz esganiçada de Axl revelava num clássico do Guns N’Roses.

Sempre rezou para que as trovoadas e a chuva forte passassem logo. Desde criança tinha pânico ao ver uma dessas tempestades de verão ganhar vulto. Não quando estava com ele. O abraço sem jeito que recebia fazia às vezes de milhões de guarda-chuvas, espécie de toldo gigante que espantava qualquer resquício de medo que insistisse em permanecer. Medo, aliás, era palavra em extinção desde que começara aquele curto relacionamento com um sujeito mais velho. Curto porque, na cabeça da menina, paradoxalmente, aquilo não poderia jamais seguir em frente.

Para onde vamos? Era o que ela perguntava ao revelar um desejo de futuro ainda maior que seus impulsos para ficar ao lado de quem amava. Ele, decerto, não saberia responder. Calejado pela vida, sabia que aproveitar o momento era o caminho para preservar algo que gostaria que durasse o máximo possível. Mas não teve os argumentos suficientes para lidar com a intempestividade dos jovens. Para onde vamos? Ninguém sabia, mas a pequena precisava descobrir, e, assim, decidiu partir de uma vez por todas da vida daquele senhor que aprendeu a gostar como se fosse criança. Uma doce criança.

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