Rock é Rock Mesmo

Copacabana e Lenny Kravitz: tudo a ver

Em frente, o palco; à esquerda, a brisa da Princesinha do Mar; à direita, o Copacabana Palace; ao fundo, a multidão inerente ao rock; de cima, a água que lava a alma, e, no chão, a areia de Copacabana. Publicado originalmemnte no Dynamite on line.

Meus amigos, é tanto clichê no menu que eu não sei qual escolher. Eu tenho dito. Os cães ladram, mas a caravana não pode parar. Ela, aliás, já passou há muito tempo, e ainda há, de uma alcatéia cansada, uma hiena manca, traiçoeira e desengonçada à espreita. Sou do tipo que mata a cobra e mostra o pau, mas há aqueles que ouvem o galo cantar e não sabem onde. E acabam vestindo a carapuça. Para estes, à vezes vale mais a versão de um mundinho underground do que aquilo que foi postulado. Sempre a versão. Como disse um colega de profissão, para escrever é preciso ler. E eu completo: é preciso ler e entender o que está escrito. Já para exercer a profissão é preciso muito mais que “causar na night”. Só quem passou horas em salas de aula pode admitir isso. Mas chega de dar luz a cego, que como disse Arnaldo Jabor, o problema é a “impenetrabilidade da burrice”. Cruel essa.

Vejam vocês, que, se dependesse de mim, nem teria ido à Praia de Copacabana ver o show de Lenny Kravitz. Incentivado pelo amigo Simple Simon, que desde que soube da vinda do negão ao Brasil logo se movimentou, mas que infelizmente declinou do show do Rio, acabei entrando na onda que varreu a cidade. E digo isso sem exageros, já que, bancado pela prefeitura carioca e outros patrocinadores, a propaganda do evento se impregnou em toda a cidade, sem falar na maciça cobertura dos telejornais, e, enfim, de toda a imprensa escrita, falada, televisada e conectada. Não deu outra: segundo os principais jornais, cerca de 300 mil pessoas compareceram à Praia de Copacabana. Muitos por causa da propaganda, outros por conhecer as músicas de Lenny das trilhas das novelas globais, artistas em geral (tinha mais global lá do que no Projac em horário de rush), e, é verdade, uns tantos outros fãs do cantor, do tipo “die hard” (sim, eles existem).

E o que viu toda essa maçaroca de gente, aglomerada entre a brisa marinha e o esplendor do Copacabana Palace? O rock, em toda a sua essência. Sim, meus amigos, ali não teve firula. Ou por outra: teve sim, quando Lenny, no maior estilo popstar, fazia pose para câmeras, embebia toalhas de suor e jogava para o público. Mas isso, eu quero dizer, foi um reles detalhe. Para Lenny Kravitz, cujo som é um grande revival setentista, que mistura rock, funk, blues, soul e adjacências, a apresentação soa como uma profissão de fé, uma celebração da “igreja elétrica”, como ele mesmo disse durante o set. Até o Globo on line, menos sisudo que a versão impressa do jornal, chamou Lenny de pastor. Mesmo os cientistas Tony e Doug, personagens de Irwin Allen no seriado sessentista “O Túnel do Tempo”, se fossem transportados para a Praia de Copacabana na última segunda, teriam dificuldades de identificar em que época estávamos todos. Mas atenção: isto não é uma resenha.

Os ranzinzas, entretanto, irão enfatizar os detalhes. Sim, as 300 mil pessoas que se dirigiram para Copacabana em plena noite de segunda-feira (eu disse segunda-feira) tumultuaram o trânsito e a cidade. O metrô, como de hábito, não funcionou direito e deixou muita gente na mão. Os ônibus ficaram lotados, e o trânsito, um caos. A produção, por incrível que pareça, não bolou um esquema logístico para tirar Lenny Kravitz de sua suíte no Copacabana Palace e fazê-lo atravessar a rua, onde a uma multidão se aglomerava, para chegar até o palco. E chovia, uma chuvinha fraca, o tempo todo. Até o “alemão” da produção, como disse um carregador de palco infiltrado, sugeriu nos altos falantes, enquanto a situação não se resolvia, que todos nós aproveitássemos o que ele chamou de “refreshing rain”. Mas tudo isso não passou de detalhes ordinários perto do que foi o espetáculo, que, repito, só poderia mesmo ter acontecido na Praia de Copacabana.

Eu, por exemplo. Moro razoavelmente perto de Copacabana (três estações) e fui entalado no metro. Até me lembrei do ramal Japeri dos trens suburbanos, tanto usado no passado. Quando terminou o show eu não estava nem aí para que horas ia chegar em casa, se de carro, ônibus, metro, carona ou o escambau. A única coisa que me passava pela cabeça era passar, imediatamente, num cartório. Era preciso alterar minha idade mais uma vez, rejuvenescido que estava pelo banho de rock que acabara de levar. De forma implacável, a bandaça do ministro do rock’n’roll atingiu 300 mil pessoas, de sopetão e em todas as direções. Em frente, o palco, suas luzes e potência sonora; à esquerda, a brisa da Princesinha do Mar; à direita, o patrimônio histórico-cultural que é o Copacabana Palace; ao fundo, a multidão inerente ao rock; de cima, a água que lava a alma, e, no chão, a areia de Copacabana. Sejamos francos. Existia, naquele momento, naquelas duas horas e pouco, um melhor lugar, em todo o planeta, para se estar?

É preciso, por outro lado, lembrar que o show foi “de graça” porque não foi cobrado ingresso, mas a prefeitura, sim, desembolsou uma grana para bancar tal espetáculo. E eu digo: não fez mais do que sua obrigação. Assim como tem que prover ao cidadão o acesso à saúde, educação, transporte, moradia, etc, é preciso levar a cultura ao povo também. É preciso ter políticas públicas para a cultura e para a música, onde o rock se insere. A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte. Não só em nível de mega eventos, onde o prefeito do Rio bem circula, mas também no dia a dia, oferecendo à população espetáculos gratuitos, mostrando artistas novos, e assim por diante. E, claro, com toda a lisura como a qual a coisa pública precisa ser tratada.

Por fim, uma coisa parece ter ficado clara. Assim como a promoção do ingresso a 1 real tem lotado o Maracanã no Campeonato Carioca, o show gratuito de Lenny Kravitz foi a prova cabal de que, quando tem condições financeiras, o público comparece, e em grande quantidade. No Rio, em São Paulo e até na conchinchina. Claro que depende da mídia e do artista, né? Afinal não é qualquer Zé Mané que sai por aí arrastando trezentos mil a torto e a direito. Um bom assunto para a reflexão dos nossos produtores, acostumados a cobrar, no mínimo, o dobro do preço na maioria dos eventos.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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