Rock é Rock Mesmo

Semana Santa é bom para pegar onda em BH

Há três anos nosso colunista vai cobrir um festival inacreditável, com bandas inacreditáveis, num lugar pouco provável, e numa data reservada, ao menos para o classemediano ordinário, para viajar. Confira. Publicado originalmente no Dynamite on line.

Meus amigos, vejam vocês. Passei boa parte da semana passada dando explicações. Não que fosse obrigado a fazer isso, ou por estar sendo intimado pela lei ou outras forças do poder. Mas, toda vez que chega a Semana Santa, já há três anos, preciso repetir a ladainha. Faz tempo que não freqüento uma cerimônia do lava pés, uma celebração da Eucaristia ou uma Via-Sacra de 11, 12 estações. Faz tempo, também, menos um pouco, é verdade, que não verifico economias que me possibilitem viajar, nem que seja para Visconde de Mauá para tomar uma capelinha com mel. E, talvez por isso, tenho sempre que dar as mesmas explicações. Ou, por outra, apenas contar histórias do rock, tal qual um Forrest Gump à brasileira.

Não sei se o amigo que lê esta coluna já há muito me conhece, mas durante algum tempo tive uma coluna dedicada à surf music na versão impressa da Dynamite. Lá pude mostrar direitinho não só os meandros do gênero criado nos anos 60 por Dick Dale, o mito fundador, como também diferenciar surf music de música de surfista. Explico. Surf music, a original, foi criada no início dos anos 60 na costa oeste americana a partir de uma unidade de reverberação testada por Dick Dale, é instrumental, e, de uma forma geral, caiu no esquecimento a partir de 64, vitimada pela chamada “invasão inglesa”. Renasceu, entretanto, em 94, quando Quentin Tarantino resgatou o gênero no filme “Pulp Fiction”. “Miserlou”, a música tema do filme, é na verdade uma versão de uma música tradicional grega, que Dale transformou em hino do gênero. Saca a música de fundo do novo comercial da Pepsi em que Ronaldinho, Beckham, Henry e Roberto Carlos tiram onda com surfistas? É essa mesmo.

Todavia, desde o final dos anos 80, e, sobretudo no início dos 90, os surfistas brasileiros começaram a participar mais intensamente dos circuitos mundiais (muitos aconteciam na Austrália) e voltavam de lá com as mochilas cheias de fitas cassete com bandas locais como Hoodoo Gurus, Australian Craw, Gang Gajang e congêneres. As músicas dessas bandas eram ouvidas direto em eventos ligados à praia e ao surf, principalmente em cidade litorâneas como o Rio de Janeiro. Foi assim que se passou a chamar tudo isso de surf music. Na última fase da Fluminense FM, a rádio foi coordenada por Ricardo Chantilly, que espalhou pelo horário normal aquilo que ele já tocava num programa específico, o “Body Club”. Chantilly foi pioneiro em trazer essas bandas australianas para o Brasil, muitas ressuscitadas só para isso (como o Men At Work, por exemplo) e faturou um bocado com shows lotados, até em cidades como São Paulo. Daí a coluna de surf music numa revista feita lá. Chantilly hoje, se não engano empresaria bandas, sendo o Jota Quest a mais conhecida.

Como eu dizia, em 94 a surf music, de raiz, a original, teve um boom atrelado ao sucesso mundial de “Pulp Fiction”, e fez aparecer bandas em tudo o que é lugar, inclusive no Brasil. Desde 2000 elas se “reúnem” através de uma lista de discussão na Internet e lá nasceu o Campeonato Mineiro de Surfe, o primeiro, único, e, portanto maior festival de surf music do Brasil, que acontece todo ano, durante a Semana Santa, em Belo Horizonte. Eis onde eu queria chegar: há três anos vou cobrir o festival, dando explicações a todos, do Pão de Açúcar à Lagoa da Pampulha, sobre um evento inacreditável, com bandas inacreditáveis, num lugar pouco provável, e numa data reservada, ao menos para o classemediano ordinário, para viajar.

Mas é lá em BH, já dentro do Bar Dançante A Obra, que o mundo real funciona. A casa, que fica no subsolo, teve a lotação por esgotar (isso se não esgotou) em quase todos os quatro dias, nos quais se apresentaram nada menos 14 bandas de seis estados diferentes. Quase todas tocando surf music instrumental e de raiz, umas mais isso, outras mais aquilo. Todas estavam reunidas, naquele que é, na verdade, o grande congraçamento do evento, o famoso Churrasco Reverb, que acontece no hoje decadente Hotel Bragança, mas que já foi rancho de Juscelino Kubitschek. Músicos, produtores e afins passam o dia se conhecendo e, claro, fazendo uma jam session, que ninguém é de ferro. Quem comanda a festa é o Doutor Magno, o churrasqueiro número um do Havaí.

A essa altura o leitor que chegou até aqui deve estar encafifado. Onde esse cara quer chegar? E eu entendo. Mas explico. Quem produz um festival como este não está nem aí para o que toca em rádio, o que está na trilha de novela, quem a gravadora tá contratando. Porque quem produz um evento desse tipo, é, literalmente, gente que faz. E as bandas que tocam lá? Vão porque querem tocar o tipo de música que lhes convém. Certamente bancam viagem (vêm de Florianópolis, Curitiba, Brasília, Vitória, interior de São Paulo, Salvador…), custos de viagem, etc, só para tocar no festival, e, às vezes, fazem no Campeonato Mineiro de Surfe o principal show daquele ano. E elas têm, ali, n’A Obra, um público que lhes é familiar e, sobretudo, fiel.

Portanto, meus amigos, pouco importa que relevância isso tem ou terá, e para quem isso importa. Para essa gente reverberada, o importante é fazer, não existe expressões do tipo “não adianta”; eles não são formados em dificuldade. Para eles, o importante é fazer, ao invés de reclamar ou de se encher de ciúmes quando um evento rock acontece em outra cidade e não na sua. Pois que se arregacem as mangas e façam acontecer. O exemplo está em todos os lugares. E é tão óbvio que parece cegar.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

Tags desse texto:

Comentário

Seja o primeiro a comentar!

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado