Rock é Rock Mesmo

O nó cego do mercado musical brasileiro

Existe um nó cego que bem caracteriza o momento musical atual, sobretudo no mercado fonográfico brasileiro. As gravadoras, tal qual conhecemos ao longo dos anos, já eram. Publicado originalmente no Dynamite on line.

Meus amigos, lembrei-me agora de um caso. Um dia depois de a “Nova” República completar vinte anos, percebo que tudo que aconteceu nos anos 80 (óbvio) está completando vinte anos nesse início de século. Há muito mais o que se comemorar nos comícios das Diretas, que só no Rio levou um milhão às ruas, e isso em plena ditadura, do que com a posse de Ribamar, um cabra que sempre andou nos meandros do poder nos anos de chumbo e que, convocado para ser apenas um vice, foi, por ironia do destino, Presidente da República. Digo isso pra mostrar que, no alvorecer no rock nacional dos anos 80, tudo no Brasil, era uma grande mudança. Quem leu “Dias de Luta”, de Ricardo Alexandre, sabe.

E, repito, não seria possível o rock Brasil dos anos 80 sem o clima propício às mudanças em todas as áreas. É fato, também, que é em períodos pós ditadura, ou pós mudanças históricas significativas que o rock floresce. Além do nosso querido rock oitentista, o caso da Alemanha pós queda do muro é lapidar. Foi ali que começou a verdadeira profusão de bandas e estilos, com destaque, pela ordem, para o heavy metal, punk rock e para a música gótica. A Europa hoje tem todo um cenário de bandas de metal cujo epicentro é a Alemanha, que abriga os maiores festivais do gênero, as principais gravadoras segmentadas e aglutina o público. Pergunte à equipe da Roadie Crew, que todo ano vai lá conferir. É lá também que o underground punk refloresce. As bandas brasileiras do gênero que fazem turnês pela Europa têm a maioria dos shows marcados na Germânia. Quem leu “Jason 2001: Uma Odisséia na Europa”, de Leonardo Panço, sabe. Tudo isso porque o muro caiu, em 89. Outro exemplo é o nascimento do próprio rock’n’roll, no pós guerra norte-americano (ou estadunidense, como querem os politicamente corretos). E, se pensarmos bem, levando-se em conta a história da humanidade, com 50 anos o rock é apenas um adolescente. Um garoto. Um bebê.

Mas atenção: este não é um texto revivalista e moribundo. Segundo os ensinamentos que a inefável Dona Rosinha me passava, na geografia determinística é preciso estudar o passado para entender o presente e prever o futuro. Ou algo parecido. No rock também. Por exemplo. Hoje. De que é fruto o rock feito hoje no Brasil? Alguém aí já parou para pensar nisso? Sim, é difícil analisar a história quando ela ainda está em curso. Mas, se os fatos estão aí, como não percebe-los? Que o rock sempre floresce em períodos pós repressão, já tá explicado ali em cima, mas isto não quer dizer que ele só apareça nessas circunstâncias, e nem que tenhamos que esperar a volta dos canhões para só depois o rock se fazer presente. Não é a toa que estamos cercados e rock por todos os lados.

Existe, entretanto, um nó cego que bem caracteriza o momento, sobretudo no mercado fonográfico brasileiro. As gravadoras, tal qual conhecemos ao longo dos anos, já eram. Com estruturas mais arcaicas que aquelas citadas na descrição das estatais na era FHC, não dão conta do mercado musical (não só do rock) que temos hoje. Tem muita gente (bandas, cantores, músicos, artistas) aparecendo neste Brasil varonil e poucos discos sendo lançados. Há um verdadeiro gargalo excludente que inibe o acesso a esse material a grande parte da população brasileira. As gravadoras e a estrutura montada por elas, que inclui o jabá, salários e prêmios exorbitantes, e despesas inacreditáveis, não funcionam mais. E isso numa realidade que inclui um cavalar crescimento da pirataria e do livre e gratuito acesso às músicas via Internet. E ainda bandas pipocando aos borbotões. Será que ninguém lá dentro dessas gravadoras tá vendo isso? Porque até agora só o que se viu foram medidas imediatistas e sem resultado. Planejamento estratégico que é bom, nada. Fico imaginando uma auditoria pública nas contas dessas empresas. Ia dar mais pano pras mangas do que a CPI que impediu o Collor.

Mas, e de outro lado, as alternativas? Foram várias, mas quase nenhuma eficaz do ponto de vista mercadológico. As gravadoras independentes, que se proliferaram, não conseguem lançar discos, salvo raras exceções, com tiragem superior a mil cópias, e, por conseguinte, faze-los chegar a um público maior. A opção de colocar o disco em bancas até funciona, mas não é possível em grande escala, e talvez não funcione com artistas menos conhecidos, que é o que interessa. A única luz no fim do túnel parece ser o ovo de Colombo encontrado pela Tratore, que distribui quase tudo o que é lançado no meio independente, mas que, todavia, é um trabalho que só dará resultados a médio e longo prazo. Resolvido o problema da distribuição, falta o da tiragem. Porque mil cópias não é o bastante num universo de 180 milhões de brasileiros. Temos, então, um abismo daqueles do Coiote do desenho do Bip-Bip, que separa a realidade dos artistas, da realidade do mercado. Pior. Que separa os artistas do público.

O Prêmio Dynamite, ops, o Prêmio Claro, por exemplo. Quem entrar lá no site para dar uma olhada (www.dynamite.com.br/premioclaro) vai se deparar com um número enorme de bandas e artistas, e não só ligados ao rock, que não tem, em geral, espaço na mídia. Além de engrandecer a votação em si, a relação representa um autêntico menu que deveria servir de ponto de partida para as gravadoras. Mas, falando sério, os leitores acreditam que alguém de uma gravadora vai se interessar em ouvir ao menos um disco daqueles indicados ali? É mais fácil o Sargento Garcia prender o Zorro.

Posso ter parecido pessimista, ou, ao menos, mal humorado. Mas não. Acredito no novo rock, nas bandas novas e nas alternativas ao mercado de defunto insepulto das gravadoras. Estou certo de que o importante é fazer, e sei que o processo, como diria BNegão, é mesmo lento. E, repito, é difícil avaliar a história durante seu próprio curso. Só os fatos é que não podem deixar de ser verificados.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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