Rock é Rock Mesmo

Há algo de podre na paulicéia desvairada

Parece que, em São Paulo, de uma hora para a outra, tudo passou a ser bom, sensacional, de vanguarda. Ninguém lá condena o trabalho de nenhuma banda, mesmo sendo ruim. Entenda aqui. Publicado originalmente no Dynamite o line.

Meus amigos, vejam como são as coisas. Como é irônico o destino. No dia seguinte ao do aniversário de 440 anos da Cidade Maravilhosa, tenho que abrir este texto falando justamente de São Paulo. “Escrever é de amargar”, diria Otto Lara Resende. E completo: não posso fugir dos fatos. Ademais, não é porque o Rio é a cidade mais bonita do mundo que as outras devem ser consideradas horrorosas. A disputa é acirrada. Não com São Paulo, claro. Só os basbaques não percebem, ao olhar para aquela imagem enfumaçada pela poluição, cheia de construções imponentes e para aquele mundo de carros um atrás do outro, algo que poderia se retratado no Inferno de Dante, que se trata de um lugar, no mínimo, hostil e inóspito ao ser humano. (Calma, olha a violência…)

Mas o assunto aqui é rock, e, para o rock, acreditem, por isso mesmo, São Paulo é a morada ideal. Certa vez, um amigo carioca defendia a tese de que São Paulo é uma cidade mais rock do que o Rio porque aqui tem praia, e lá, não. Eu acho que ele tem certa razão. Aqui diariamente milhares de pessoas vão se divertir nas praias. Lá, ficam bravos com o ambiente em que vivem e montam bandas de rock. Uma lógica interessante. Digo isso não para acirrar os ânimos entre os leitores das duas cidades, mas porque gosto, sim, de São Paulo. Não foi uma paixão à primeira vista, admito, mas fui aprendendo a gostar da cidade, a medida em que conheci pessoas do lado de lá da Dutra, dentro e fora do meio do rock. Fiz e tenho muitos amigos em São Paulo. Como não vou à praia, tenho tez clara e trabalho numa empresa cuja sede é lá, tem gente até que acha que sou paulistano. E, se me permitem, sou um pouco sim. Aqueles que não podem morder a língua porque têm medo de morrer envenenado certamente dirão que estou fazendo média. Soprando para depois bater. Mas não é nada disso.

Desde sempre tenho interesse pelo rock que vem de São Paulo. Citar nomes de grandes artistas que vêm de lá é desnecessário, mas o fato é que fiz muito da minha cultura musical com os ouvidos atentos ao que muitos dos jornalistas e veículos feitos lá diziam. Até fui, quando tinha dinheiro e antes da Internet, assinante da Folha, por dez anos. Sou do tempo em que, quando a mídia paulistana botava fé num artista, raramente se tratava de um engano, ou ato, ao contrário, de ma fé. Ou seja, tenho um grande respeito pela imprensa como um todo, e sobretudo a paulistana, já que é lá que se produz grande parte da mídia rock nacional. Não é opinião, é fato. (Exceção se faz a um período em que a redação da saudosa Bizz era formada por integrantes de bandas que praticavam jornalismo em causa própria).

Mas, porém, no entanto, todavia, percebo que há algo de errado com a mídia rock paulistana. Digo isso porque já há um certo tempo vejo gente enaltecendo certas bandas ou tendências, que não são, a bem da verdade, nada demais. Parece que, em São Paulo, de uma hora para a outra, tudo passou a ser bom, sensacional, de vanguarda. Parece que ninguém lá condena o trabalho de nenhuma banda, mesmo sendo ruim. Parece que, só por ser de São Paulo, a coisa já nasce boa. Nessas horas até eu, que sempre fui crítico do jornalista boca dura, sinto falta do André Forastieri. Achava que eram coisas pontuais, até comparecer ao Ruído Festival, há duas semanas, e me deparar com três dessas bandas sensações paulistanas, segundo a mídia de lá.

Daniel Belleza & Os Corações Em Fúria. Fazia um certo tempo que eu só ouvia superlativos sobre eles. Era quase uma unanimidade. Tanto que, de antemão, praticamente concordava com tudo, era parada certa. Já tinha ouvido o disco. Achei fraquinho, sem boas músicas, sem conceito, curto e tosco (no mau sentido). Mas duvidei. Achava que, ao vivo, seria acometido por uma apresentação que me faria mudar de idéia imediatamente. Mas o show foi, no mínimo, frustrante. Daniel Belleza & Os Corações em Fúria, na verdade, não é uma banda. Minto. É uma banda de plástico, feita só sob forma, sem conteúdo. É como se quatro caras se juntassem para montar uma banda, e ao invés de começar comprando instrumentos e fazendo música, decidissem passar numa butique e comprar roupas e adereços, e num cabeleireiro arrojado, tudo para “compor o visual”. O amigo que acompanha regularmente esta coluna sabe que eu defendo o hard rock, com todo o seu élan, roupas coloridas, maquiagem, caras e bocas. No duro. Mas nada disso funcionaria sem o principal: a música. E é isso que falta a Daniel Belleza: boas músicas. Confesso que certos riffs, no show, soaram melhores que no disco. Mas foi muito pouco. Banho de butique ajuda, meus amigos, mas não faz milagre. Será que os colegas de São Paulo que enchem a bola dessa banda ouviram mesmo o disco e viram o mesmo show? Fiquei na dúvida.

Outro? Rock Rocket. Gostei do show deles. Aliás, já pelo nome da banda e pelo título da música que virou clipe (”Por Um Rock’n'roll Mais Alcoólatra e Inconseqüente”), fui com a cara da banda. Deles, nunca tinha ouvido nada além dessa música, via MTV, por incrível que pareça. Fui animado também. Disse que gostei do show. Mas acrescento. Não tem nada demais. O trio faz um punk rock (ou pré-punk) sujão, barulhento, tocado meio “nas coxas”, mas com a atitude que o rock precisa. Não é, de modo algum, uma banda playmobil. O que me causou certo espanto é que os rapazes já se sentem rock stars. O cara monta uma banda no mês passado, grava uma demo a duras penas na semana passada, vê o clipe rolando na MTV e já se acha o bam bam bam. Foi-se o tempo em que o objetivo, ao se montar uma banda, era tocar rock, se divertir e pegar mulher. Hoje os caras querem é aparecer, querem fama. Não sei se é esse o caso do Rock Rocket. Se não for, apresento minhas desculpas. Se for, há ainda tempo de corrigir a rota. O que me admira, repito, é como a mídia paulistana mima essas bandas novas, que estão engatinhando, precisam comer muito mingau para crescer, mas já se acham rockstars. Devagar com o rock que o Rock Rocket é de barro.

Sabe quando você fica com vergonha do que vê? Aconteceu comigo no show do Cansey de Ser Sexy. Já faz uma pá de tempo que ouço falar dessa “banda”. Não só pelo meu amigo Moderninho de Plantão, mas por toda a mídia musical paulistana, e isso além dos alvissareiros. A “banda” tocou até no TIM Festival (o festival que é uma bênção, né PC Vasconcelos?). Nunca tinha ouvido nada deles. Confesso que uma das coisas que mais fiz na minha vida foi ir a shows. E, acreditem, nunca vi nada tão ruim. Tão difícil de se descrever, tal a monstruosidade da cena. Nunca se viu, na história do entretenimento, um palco tão cheio de gente sem fazer nada. Isso mesmo. Uma menina dava play no início de cada música. As que seguravam instrumentos, nem tocavam, nem faziam pose: era tudo play back. As duas que “cantavam” perfaziam um espetáculo desengonçado e bizarro. Lá atrás, na bateria, via-se Adriano Butcher, um dos guitarristas do genial Thee Butchers’ Orchestra. Deu pena de vê-lo ali, naquela terra de cego. Até agora não sei porque o cara entrou (dizem que criou, será?) nessa roubada. O leitor que chegou até aqui deve estar atônito. E o som? E o som? Pergunta ele. E eu respondo: não sei. Retifico: sei sim. Era uma série de seqüências eletrônicas mal gravadas, copiadas de algum lugar na Internet, que serviam de base para letras medíocres, ao que parece, sobre fofoquinhas fashion de alguma mini cena underground. Poderia acrescentar que as pessoas que estavam no palco são horrorosas e bizarras, mas beleza não é indispensável para se fazer música. Então, por favor, pulem essa parte. Mas guardem, em suma, o que é o Cansey de Ser Sexy: uma aberração.

Vejam bem, não sou contra a manifestação artística, muito ao contrário. Até admito que esse tipo de coisa tenha seu espaço, repito, em certos segmentos e guetos de certas cidades. Isso é salutar. O que me admira - e esse é o tema principal da coluna de hoje - é como a querida mídia escrita, radiodifundida, televisada e conectada de São Paulo abraça tal coisa com tamanha descerimônia. Será que meus colegas de além Dutra ouviram isso direitinho? Será que eles foram aos shows? O que andam eles fazendo para encher a bola dessas três bandas? São dúvidas implacáveis que me perturbam, meus amigos. E uma única certeza: há algo de podre na paulicéia desvairada.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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