O Homem Baile

Na simplicidade

Men At Work não inventa, concentra repertório nos dois álbuns de maior sucesso em versões fiéis às originais e agrada geral no show do Rio. Fotos: Daniel Croce.

O vocalista, guitarrista e único integrante da formação original do Men At Work, Colin Hay

O vocalista, guitarrista e único integrante da formação original do Men At Work, Colin Hay

“Me perdoe, mas não é que eu esqueci?”, diz o líder no início do bis, com um sorriso amarelo, mas ao mesmo tempo divertido, para se desculpar de não ter tocado um dos grandes hits da banda. De fato, em relação ao roteiro planejado para a noite, o tal sucesso foi pulado, deixando a dúvida. Teria sido guardado para o final? Foi sacado da lista para encurtar o show por um ou outro motivo? Ou a vista do tal cantor, já setentão, o traiu levando a banda ao erro na hora de passar para o número seguinte? Pouco importa. O que conta é que o público que lotou o Qualistage, ontem (17/2), no Rio, percebeu e pediu “Overkill” aos brados antes do bis, e aí Colin Hay, o tal vocalista, se saiu com essa. E assim o Men At Work iniciou o desfecho de uma daquelas noites marcadas por grandes recordações.

Porque, vamos em venhamos, não se trata de uma banda que está na crista da onda. Isso aconteceu há uns 40 anos, quando - diz a história -, um certo Rei do Pop foi destronado por bandas de rock como Def Leppard, The Police e… Men At Work. De carreira curta, meteórica até, o sucesso do grupo australiano durou exatos três discos, sendo dois deles (“Business as Usual”, de 1981, e “Cargo”, de 1983), os que cederam as músicas do repertório da noite, exatamente o que o povaréu que ouvir. Porque, segundo consta, Hay, o único remanescente da formação original e dono do estabelecimento, que tem longa carreia solo com um álbum lançado em 2022, só consegue agendar datas da sua turnê pelo Brasil se for sob a égide de sua banda de origem. Assim, em um passe de mágica, a Colin Hay Band se converte em Men At Work e o resto todo mundo já sabe.

Haja fôlego: destaque da noite, a saxofonista e tecladista Scheila Gonzalez, com seus brinquedos

Haja fôlego: destaque da noite, a saxofonista e tecladista Scheila Gonzalez, com seus brinquedos

Mas vale ressaltar a opção de Colin Hay pela simplicidade, ao não inventar e tocar todas essas músicas que marcaram época na vida de grande parte da plateia do mesmo jeito em que elas foram gravadas na época e tocadas em rádios à exaustão, inclusive o Brasil. Bem, quase todas, já que o vigor de “Down Under”, por exemplo, que arremata a primeira parte, se dilui em um arranjo reggae arrastado que só não a deixa de ser percebida porque é “Down Under”, ora bolas, e todos cantam errando letra ou não, pouco importa. Diferentemente de “Who Can It Be Now?”, cujo sopro de saxofone no início já explode no peito de cada um ali no público, ou de “Upstairs in My House”, um não hit, mas que ressalta a potência da voz de Hay, aparentemente intacta depois de tantos e tantos anos.

E é essa outra faceta a se salientar. Não é só o gogó de Colin Hay que está em dia, mas ele faz questão de manter tudo (quase tudo, repita-se) como nas gravações originais. Os trejeitos, cacos, “oh yeahs” e notas altas estão todos lá, o que pode não parecer, mas é decisivo na interação com o público, que, evidentemente, canta como sempre ouviu as músicas nos discos. É assim, para exemplificar, no refrão final da “esquecida” “Overkill”; na lenta e colante ao mesmo tempo “Down By The Sea”, surpreendentemente conhecida do público; e – não poderia faltar – a forçada do bem na repetição final do refrão/título de “It’s a Mistake”. Na banda, curiosamente formada por quatro músicos de origem cubana e uma peruana, a esposa de Hay, Cecilia Noël, uma chata de galochas que canta, pula e dança, cada um tem um momentinho solo. Mas o destaque vai para Scheila Gonzalez, que se desdobra nos sopros e teclados, muitas vezes ao mesmo tempo, em uma das poucas bandas da história do rock em que o saxofone não atrapalha, e, paradoxalmente, é grande destaque. Thanks, Greg Ham.

Que alegria: o 'esquecido' Colin Hay se diverte à medida em que a participação do público aumenta

Que alegria: o 'esquecido' Colin Hay se diverte à medida em que a participação do público aumenta

Uma pena Colin Hay ter deixado de lado o terceiro álbum da banda, “Two Hearts”, de 1985 – quem nem é tão bom mesmo -, mas tem o hit “Everything I Need”, que caberia certinho. Mas ele encaixa três números da carreira solo, embora nada do trabalho mais recente, “Now And The Evermore”, base da turnê dele pelo mundo. As escolhas são “Into My Life”, famosa por fazer sucesso na época em que o músico tocou no Rock In Rio de 1991; a recente “Come Tumblin’ Down”, do álbum “Fierce Mercy”, de 2017; e “Can’t Take This Town”, do bom “Topanga” (1994). Mas no fim das contas o que fica arquivado na cabeça do público são coisas do naipe de “Dr. Heckyll & Mr. Jive”; “Be Good Johnny”, num ótimo encerramento final; o não hit “Underground”; e as já citadas “Overkill”, “It’s a Mistake”, “Down Under” e “Who Can It Be Now?”. Precisa mais?

Set list completo

1- Touching the Untouchables
2- No Restrictions
3- Come Tumblin’ Down
4- Can’t Take This Town
5- Down by the Sea
6- Blue for You
7- I Can See It in Your Eyes
8- Dr. Heckyll & Mr. Jive
9- No Sign of Yesterday
10- Who Can It Be Now?
11- Underground
12- Upstairs in My House
13- Catch a Star
14- It’s a Mistake
15- Down Under
Bis
16- Overkill
17- Into My Life
18- Be Good Johnny

No trabalho: vista frontal da banda de apoio de Colin Hay, no Brasil convertida em Men At Work

No trabalho: vista frontal da banda de apoio de Colin Hay, no Brasil convertida em Men At Work

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