O Homem Baile

Recital metálico

Peculiar encontro da música erudita com o heavy metal do Apocalyptica agrada geral em ótimo show no Rio. Fotos: Daniel Croce.

O violoncelo metálico de Eicca Toppinen, um dos integrantes fundadores do genial Apocalyptica

O violoncelo metálico de Eicca Toppinen, um dos integrantes fundadores do genial Apocalyptica

Com uma, duas notas, já dá para perceber que se trata de um dos maiores hits de uma banda de metal em todas as épocas e lugares, cuja vocação é ser cantado por artistas com trabalho de gosto duvidoso. Mas, aqui, nesse domingão (21/1) de tempestade prevista em um aconchegante Circo Voador, não há dúvidas nem espaço para música ruim. Ao contrário. Por isso, com o hit convertido em peça instrumental por três violoncelos e uma bateria, é na hora do refrão de “Nothing Else Matters” que a cantoria explode como fluxo instintivo na cabeça de cada um ali presente. Mas como assim, violoncelo? É o peculiar encontro da música erudita com o heavy metal que o Apocalyptica promove há mais de 20 anos, enfim, ao vivo, no Rio.

Tudo começa no início da década de 1990 quando estudantes de uma escola de música erudita finlandesa levam o metal pesado em voga na época para dentro da sala de aula. E assim fazem releituras para quatro violoncelos de músicas de bandas como Metallica, Sepultura e Pantera, entre outros, e chegam a gravar “Play Metallica By Four Cellos”, sucesso que os leva aos grandes festivais de metal em toda a Europa. Dali em diante a carreira segue com composições próprias, músicos convidados e outros instrumentos incluídos, e o resto é história. Passada a limpo nesta que é a turnê do álbum “Cell-0”, o nono da banda, lançado em 2020, e que cede três músicas o show, com destaque para o duo “Rise”/ “En Route to Mayhem”, bem no meio da noite. Elas usam muito bem o artifício de começar em meio a uma calmaria quase intimista até descambar para um desfecho pesado e empolgante.

Agitação total no palco: é ou não é um show de heavy metal o dos finlandeses do Apocalyptica?

Agitação total no palco: é ou não é um show de heavy metal o dos finlandeses do Apocalyptica?

Falando assim não se tem ideia de como um show com três violoncelos pode ser associado ao heavy metal, mas impressiona como eles conseguem tirar um som pesado, claro e ao mesmo tempo distorcido, de instrumentos que, em princípio, são organicamente acústicos. Tem ali muita técnica e engenharia de captação também, em que pese um palco limpo, sem amplificadores e com poucos monitores, com todos de preto e sem pano de fundo, vídeo ou qualquer efeito visual. E a contribuição da bateria é também gigante para garantir o peso necessário. Ressalta-se ainda que, no caso das releituras (não são covers, mas músicas re-arrajandas para violoncelos), sempre um dos três faz as linhas vocais, o que pede pela cantoria no meio da música.

É assim que em “For Whom the Bell Tolls”, logo a segunda da noite, fica difícil não cantar ou ao menos cantarolar os vocais originais da música, outro hit do Metallica. Efeito semelhante em “Refuse/Resist”, do Sepultura, que fornece ao público aquele orgulho de ver uma música de uma banda brasileira ser motivo de estudo em uma academia de música erudita na Finlândia. Pena que, por outro lado, esse mesmo público mal reconhece a belíssima “Inquisition Symphony”, do mesmo Sepultura, que virou título do segundo álbum do Apocalyptica. Segundo Perttu Kivilaakso, que toca o “violoncelo guitarra/vocal”, por assim dizer, a canção foi uma das primeiras adaptadas por eles em sala de aula, fonte de inspiração para toda a carreira do quarteto.

Linha de frente de violoncelos do Apocalyptica: Perttu Kivilaakso, Paavo Lötjönen e Eicca Toppinen

Linha de frente de violoncelos do Apocalyptica: Perttu Kivilaakso, Paavo Lötjönen e Eicca Toppinen

O show ainda tem um vocalista convidado, em músicas em que o grupo – vejam vocês – flerta com o pop. Trata-se do mexicano Erik Canales, que faz as vezes de Franky Perez, responsável pelos vocais no álbum “Shadowmaker”, de 2015. Ele fornece um quê de hard rock baladeiro, em músicas que são até reconhecidas – agora sim - por boa parte da plateia. As melhores são a própria “Shadowmaker”, espécie de suíte progressiva metálica contemporânea, que ainda cita “Killing In The Name of”, do Rage Against The Machine, e a baba à Bon Jovi “I Don’t Care”. O desfecho que descontrai geral tem a belíssima “Farewell”, e “Peikko”, um apanhado de trechos de músicas clássicas de domínio público e conhecimento popular até mesmo no Brasil. Que voltem logo!

A abertura da noite coube ao Innocence Lost, que já está com fama de… abrir para bandas internacionais no Rio. Dessa vez, o quinteto ousou tocando músicas novas que estão no próximo álbum, prestes a ser lançado, em detrimento de números mais conhecidos. Como a banda vai fundo em um power/prog metal com músicas mais alongadas, a meia hora de show ficou curta para uma apresentação mais representativa do som em si. Mesmo assim, preparou bem o publico que chegava para ver o Apocalyptica, com destaque para a vocalista Mari Torres e o bom entrosamento entre os músicos.

A boa vocalista do Innocence Lost, Mari Torres, no ligeiro show de abertura da noite no Circo Voador

A boa vocalista do Innocence Lost, Mari Torres, no ligeiro show de abertura da noite no Circo Voador

Set list completo Apocalyptica:

1- Ashes of the Modern World
2- For Whom the Bell Tolls
3- Grace
4- Refuse/Resist
5- I’m Not Jesus
6- Not Strong Enough
7- Rise
8- En Route to Mayhem
9- Shadowmaker
10- I Don’t Care
11- Nothing Else Matters
12- Inquisition Symphony
13- Seek & Destroy
14- Farewell
15- Peikko

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