O Homem Baile

Momento extraordinário

Com orquestra montada de última hora, Bruce Dickinson se encaixa bem e revê ‘side album’ e clássicos do Deep Purple em noite singular no Rio. Fotos: Daniel Croce.

Bruce Dickinson não disputa alcance com os cantores das versões originais do Deep Purple

Bruce Dickinson não disputa alcance com os cantores das versões originais do Deep Purple

O palco está superlotado com mais de 90 músicos, a grande maioria de origem acadêmica, erudita. Mas é o riff tirado pelo guitarrista, em um dos extremos do palco, que sacode o público que sabe muito bem o porquê de se estar ali. Não é, vamos e venhamos, apenas um riff, mas um dos maiores riffs de guitarra em todos os tempos e lugares. Um riff que teve que se converter em partitura para a coisa funcionar nessa noite. E – ainda tem mais essa – o sujeito que vai cantar a música lá no centro do placo é destacadamente um do maiores frontman da história. É assim que uma bela banda e uma orquestra sinfônica de 85 músicos acompanham Bruce Dickinson em “Smoke On The Water”, clássico do Deep Purple, no desfecho de uma noite singular, daquelas de anotar no caderninho, nesta sexta (21/4), no Vivo Rio.

Explica-se que o vocalista do Iron Maiden tem carreira solo e vários outros projetos, mas não, não é o novo integrante do Deep Purple. Ele está rodando o mundo com o show “The Music of Jon Lord and Deep Purple”, no qual se apresenta com uma orquestra sinfônica e uma banda de apoio executando músicas do Purple. E o Jon Lord ali no meio de deve ao fato de a primeira parte da apresentação ser destinada à íntegra do disco “Concerto for Group and Orchestra”, espécie de “side album” da banda, gravado ao vivo com a Royal Philharmonic Orchestra em 1969, no Royal Albert Hall, em Londres. Composto majoritariamente pelo tecladista da formação original do Purple, falecido em 2012, o chamado “Concerto” é referência para a banda que forneceu o componente sinfônico ao heavy metal, entre tantos outros, e queridinho de todos os fãs do Purple e do rock de um modo geral.

O maestro maestro Paul Mann, o mesmo do show de 1999, e o tecladista do Jethro Tull, John O’Hara

O maestro maestro Paul Mann, o mesmo do show de 1999, e o tecladista do Jethro Tull, John O’Hara

Em uma fala inicial, Bruce dá entender que, no Rio, a orquestra de apoio foi montada meio às pressas e nem nome tem, o que pouco importa durante a apresentação conduzida pelo maestro Paul Mann, o mesmo que gravou um show em homenagem ao “Concerto”, em 1999, com o Deep Purple + Dio, com três datas em São Paulo, na Via Funchal, no ano seguinte (fotos aqui, aqui e aqui). O que conta é que a interação orquestra e banda é sensacional, e não só na parte inicial, mas em todo o set, fechado com duas músicas da carreira solo de Bruce e outras seis do Purple. E é lindo ver a academia ter que aprender a tocar com o popular, com o que vem das ruas, em necessária e, ainda hoje, inevitável reverência. O que se configura ainda em grande fortalecimento do elo entre erudito e rock/metal, ainda hoje pouco reconhecido.

A adesão da plateia é ampla geral e irrestrita, sobretudo pela figura imparável de Bruce Dickinson, que tem o nome cantado mais de uma vez. Esperto e com a idade avançada, ele não entra na disputa imaginária de alcance de voz com Ian Gillan (seu grande ídolo como cantor), muito menos com Glenn Hughes, em “Burn”, única da fase sem Gillan incluída, já no bis. Ao contrário, adapta os trechos ao “modo sirene”, impingindo a sua própria e indefectível marca e um modo assertivo e digno de aplauso e vibração por parte da plateia, sentadinha em cadeiras numeradas. Em “Tears Of The Dragon”, grande sucesso da carreira solo, ele se supera com um alcance final inesperado que, somado à versão com orquestra muito bem enjambrada, se converte em dos grandes momentos da noite. Menos conhecida, “Jerusalem”, a outra dele solo, não tem o mesmo impacto.

John O’Hara, Bruce e o bom guitarrista Kaitner Z Doka, com serviços prestado na banda e Jon Lord

John O’Hara, Bruce e o bom guitarrista Kaitner Z Doka, com serviços prestado na banda e Jon Lord

As três peças do “Concerto” funcionam assim. A orquestra toca a maior parte das composições e a banda entra em alguns trechos, fazendo o casamento entre os gêneros idealizado por Jon Lord funcionar muito bem. No segundo movimento, Bruce aparece para cantar a letra escrita por Ian Gillan que, à época, estreava como novo vocalista do Purple. Nos três movimentos há trechos solos dos músicos da banda, e é impossível não ver na cabeça a imagem de Ritchie Blackmore no solo do guitarrista Kaitner Z Doka, com serviços prestado na banda e Jon Lord; um imaginário Ian Paice na batida do batera Bernard Welz, outro remanescente da banda de Lord; e sobretudo a aura do próprio Jon Lord no arraso de John O’Hara (Jethro Tull), tocando o bom e velho órgão Hammond. É de emocionar. Completa a banda de apoio com firmeza e presença a atual baixista do Whitesnake, Tanya O’Callaghan.

Mas o bicho pega mesmo é quando ocorre o contrário, ou seja, quando os clássicos mais conhecidos do Deep Purple, que todo mundo conhece de cor e salteado, recebem os arranjos eruditos/sinfônicos. A espetacular introdução de guitarra de “Pictures of Home”, por exemplo, ganha um élan todo especial, com violinos no talo; a equalização do som, com tanta coisa junta, é das melhores. “When a Blind Man Cries” dá o tom blues, também notável no DP inicial, e “Hush”, originalmente gravada por Billy Joe Royal quatro anos antes, parece a mais adaptada e sem surpresas no formato, embora cantarolada por todo mundo. Brilham muito mais “Perfect Strangers”, que marca o melhor retorno de uma banda em todo os tempos, e a danada da “Smoke On The Water”, cumprindo a função de não sair da cabeça da gente nunca mais. Boa, Bruce!

A baixista do Whitesnake, Tanya O'Callaghan, com o batera Bernard Welz, outro da banda de Jon Lord

A baixista do Whitesnake, Tanya O'Callaghan, com o batera Bernard Welz, outro da banda de Jon Lord

Set list completo

1- First Movement: Moderato - Allegro
2- Second Movement: Andante
3- Third Movement: Vivace - Presto
Intervalo
4- Tears of the Dragon
5- Jerusalem
6- Pictures of Home
7- When a Blind Man Cries
8- Hush
9- Perfect Strangers
Bis
10- Burn
11- Smoke on the Water

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