Momento extraordinário
Com orquestra montada de última hora, Bruce Dickinson se encaixa bem e revê ‘side album’ e clássicos do Deep Purple em noite singular no Rio. Fotos: Daniel Croce.
Explica-se que o vocalista do Iron Maiden tem carreira solo e vários outros projetos, mas não, não é o novo integrante do Deep Purple. Ele está rodando o mundo com o show “The Music of Jon Lord and Deep Purple”, no qual se apresenta com uma orquestra sinfônica e uma banda de apoio executando músicas do Purple. E o Jon Lord ali no meio de deve ao fato de a primeira parte da apresentação ser destinada à íntegra do disco “Concerto for Group and Orchestra”, espécie de “side album” da banda, gravado ao vivo com a Royal Philharmonic Orchestra em 1969, no Royal Albert Hall, em Londres. Composto majoritariamente pelo tecladista da formação original do Purple, falecido em 2012, o chamado “Concerto” é referência para a banda que forneceu o componente sinfônico ao heavy metal, entre tantos outros, e queridinho de todos os fãs do Purple e do rock de um modo geral.
Em uma fala inicial, Bruce dá entender que, no Rio, a orquestra de apoio foi montada meio às pressas e nem nome tem, o que pouco importa durante a apresentação conduzida pelo maestro Paul Mann, o mesmo que gravou um show em homenagem ao “Concerto”, em 1999, com o Deep Purple + Dio, com três datas em São Paulo, na Via Funchal, no ano seguinte (fotos aqui, aqui e aqui). O que conta é que a interação orquestra e banda é sensacional, e não só na parte inicial, mas em todo o set, fechado com duas músicas da carreira solo de Bruce e outras seis do Purple. E é lindo ver a academia ter que aprender a tocar com o popular, com o que vem das ruas, em necessária e, ainda hoje, inevitável reverência. O que se configura ainda em grande fortalecimento do elo entre erudito e rock/metal, ainda hoje pouco reconhecido.A adesão da plateia é ampla geral e irrestrita, sobretudo pela figura imparável de Bruce Dickinson, que tem o nome cantado mais de uma vez. Esperto e com a idade avançada, ele não entra na disputa imaginária de alcance de voz com Ian Gillan (seu grande ídolo como cantor), muito menos com Glenn Hughes, em “Burn”, única da fase sem Gillan incluída, já no bis. Ao contrário, adapta os trechos ao “modo sirene”, impingindo a sua própria e indefectível marca e um modo assertivo e digno de aplauso e vibração por parte da plateia, sentadinha em cadeiras numeradas. Em “Tears Of The Dragon”, grande sucesso da carreira solo, ele se supera com um alcance final inesperado que, somado à versão com orquestra muito bem enjambrada, se converte em dos grandes momentos da noite. Menos conhecida, “Jerusalem”, a outra dele solo, não tem o mesmo impacto.
As três peças do “Concerto” funcionam assim. A orquestra toca a maior parte das composições e a banda entra em alguns trechos, fazendo o casamento entre os gêneros idealizado por Jon Lord funcionar muito bem. No segundo movimento, Bruce aparece para cantar a letra escrita por Ian Gillan que, à época, estreava como novo vocalista do Purple. Nos três movimentos há trechos solos dos músicos da banda, e é impossível não ver na cabeça a imagem de Ritchie Blackmore no solo do guitarrista Kaitner Z Doka, com serviços prestado na banda e Jon Lord; um imaginário Ian Paice na batida do batera Bernard Welz, outro remanescente da banda de Lord; e sobretudo a aura do próprio Jon Lord no arraso de John O’Hara (Jethro Tull), tocando o bom e velho órgão Hammond. É de emocionar. Completa a banda de apoio com firmeza e presença a atual baixista do Whitesnake, Tanya O’Callaghan.Mas o bicho pega mesmo é quando ocorre o contrário, ou seja, quando os clássicos mais conhecidos do Deep Purple, que todo mundo conhece de cor e salteado, recebem os arranjos eruditos/sinfônicos. A espetacular introdução de guitarra de “Pictures of Home”, por exemplo, ganha um élan todo especial, com violinos no talo; a equalização do som, com tanta coisa junta, é das melhores. “When a Blind Man Cries” dá o tom blues, também notável no DP inicial, e “Hush”, originalmente gravada por Billy Joe Royal quatro anos antes, parece a mais adaptada e sem surpresas no formato, embora cantarolada por todo mundo. Brilham muito mais “Perfect Strangers”, que marca o melhor retorno de uma banda em todo os tempos, e a danada da “Smoke On The Water”, cumprindo a função de não sair da cabeça da gente nunca mais. Boa, Bruce!
Set list completo1- First Movement: Moderato - Allegro
2- Second Movement: Andante
3- Third Movement: Vivace - Presto
Intervalo
4- Tears of the Dragon
5- Jerusalem
6- Pictures of Home
7- When a Blind Man Cries
8- Hush
9- Perfect Strangers
Bis
10- Burn
11- Smoke on the Water
Tags desse texto: Bruce Dickinson, Deep Purple