O Homem Baile

Classic indie

Com repertório calcado em sucessos, Pixies estreia no Rio nos braços do povo, em show longo e sem trégua. Fotos: Lucas Tavares (1) e Divulgação Vivo Rio/Ricardo Nunes (2, 3, 4 e 5)

Com uns quilinhos a menos, o líder do Pixes, Black Francis, no comando de uma noite inesquecível

Com uns quilinhos a menos, o líder do Pixes, Black Francis, no comando de uma noite inesquecível

Já passa da metade do show e a plateia explode de vez - e com maior energia - em um dos grandes sucessos de uma banda fadada a não ter hit algum. O retorno do publico é tamanho que o vocalista e líder da boca, dado a indiferenças calculadas, não se contém e lança um sutil “Excelente!” em meio a um barulho dos diabos, seja do som estalando dos ouvidos, ou da cantoria/gritaria generalizada. Fora isso e um ou outro sorriso de canto de boca, não tem “boa noite”, não tem “oi, tudo bem”, não tem “vocês são o máximo” não tem camisa da seleção, não tem água de beber nem fanfarronice alguma. Há – aí, sim – uma sequência quase ininterrupta de 38 petardos em duas horas de pura felicidade. É assim que o Pixies – antes tarde que nunca – estreia no Rio, na noite desta terça (11/12), em um Vivo Rio cheinho e dar gosto.

O tal do hit de maior apelo é “Debaser”, e Black Francis, o líder da trupe, mostra que não está para brincadeiras com um início de show praticamente hardcore em se tratando de Pixies. Para se ter uma ideia, o primeiro respiro só vem com “Monkey Gone to Heaven”, depois de sete números emendados uns nos outros como se o mundo fosse acabar ali mesmo, e não duas horas depois. A bem da verdade, o público também contribui com incrível adesão, mesmo nas músicas menos conhecidas, da fase pós retorno, de 2004 pra cá, considerando que material novo só começou a ser lançado 10 anos depois. E olha que, mesmo assim, o set list é montado de uma maneira meio ilógica, mas - vamos e venhamos – esse tipo e coerência é o que menos se espera de uma banda toda torta e indiferente a tudo e a todos como o Pixies.

A simpática baixista do Pixies, Paz Lenchantin, caçula da formação atual, cumpre bem o seu papel

A simpática baixista do Pixies, Paz Lenchantin, caçula da formação atual, cumpre bem o seu papel

Contudo, o repertório, mais ou menos o mesmo que a banda vem tocando nos shows desse ano, à exceção de festivais, onde o tempo é menor, é todo calcado em clássicos, como bem manda a cartilha de uma banda tida como um dos grandes dinossauros do rock - doa a quem doer – ainda que reforçadamente indie. Imagine que só do álbum “Doolittle”, de 1989, são 10 músicas inseridas no show, e do “Surfer Rosa”, seu antecessor, do ano anterior, outras oito. Ora, isso é quase uma daquelas turnês temáticas em que bandas veteranas tocam a íntegra de um, dois ou até três álbuns tidos como clássicos. O que decerto não depõe contra o Pixies ou incomoda quem chegou correndo em cima da hora no maior “carioca way of being”. Ao contrário, é disso que o povo – o indie também, embora não assuma - gosta.

Tanto que o bloco com as quatro músicas do novo álbum, o bom “Doggerel”, lançado há curtos 12 dias, é o momento mais contemplativo da noite. Ok que a banda puxa as versões idênticas às do álbum, com Francis tocando violão em todas, mas nada que subtraia o bom gosto e a beleza de “Vault of Heaven”, ou o sotaque surf music e o bom refrão de “Who’s More Sorry Now?”, as duas mais legais entre as escolhidas. Momentos calmos seguramente compensados pela ótima performance de Joey Santiago, que tira sons diferentes de tudo o que se imagina. Em “Vamos”, por exemplo, em um momento “guitar hero”, ele saca o plug da guitarra e desanda a extrair esporro de modo percussivo. Por vezes, some da paisagem do palco ao tirar ruídos, abaixado no chão, dos pedais, sempre impingindo a sonoridade própria que virou marca registrada da banda e base para as gerações seguintes. Poderia facilmente ser um guitarrista mais brilhante e afamado, mas deu as costas para a virtuose. No fim das contas, deu tudo certo.

O inventivo Joey Santiago tira sons peculiares de sua guitarra, aqui ao lado de Black Francis

O inventivo Joey Santiago tira sons peculiares de sua guitarra, aqui ao lado de Black Francis

Notável também a precisão da bateria de David Lovering, simples, correta e eficaz, mas com certa personalidade. E a parcimônia de Paz Lenchantin, a caçula da turma, que cumpre bem o papel de reproduzir as linhas de baixo salientes em várias músicas do Pixies, e fazer o contraponto vocal fofo que o povaréu adora. A queixa do fica pela ausência de mais músicas do álbum “Bossanova”, de 1990, que nada tem a ver com banquinho e violão, e é disparado o melhor deles. Mas a dobradinha “Rock Music”/“Velouria” representou, e, honra seja feita, não se pode reclamar quando músicas como a adorada “Gigantic”, a sensacional instrumental “Cecilia Ann” e “Here Comes Your Man”, entre outras, são tocadas. Que esta estreia na cidade seja só a porta de entrada para que a banda volte outras vezes. Se depender da boa impressão desse show, é batata.

O Gorduratrans encarou o desafio de fazer o show de abertura, mais cedo, com a casa praticamente vazia. Tarefa adorada para a banda, que é bem identificada com as guitar bands noventistas, com um total de zero camadas de verniz contemporâneo, o que é ótimo. Foram oito músicas, com realce para a boa e impronunciável “Vcnvqnd”, que encerrou o show, e para “Enterro dos Ossos”. Um ajuste no modo de cantar e entonação do vocalista/guitarrista Felipe Aguiar pode fazer bem para banda. Ele aproveitou para mandar um discurso antifascista que rendeu o grito de “Lula lá”, o que também aconteceu no final do show do Pixies, misturado com o “olê, olê, olê, Pixiê”. Que tudo dê certo no final do mês.

A paisagem do palco visto de cima: Santiago, Francis e Paz com o batera David Lovering no fundo

A paisagem do palco visto de cima: Santiago, Francis e Paz com o batera David Lovering no fundo

Set list completo Pixies:

1- Gouge Away
2- Wave of Mutilation
3- Broken Face
4- Crackity Jones
5- Isla de Encanta
6- Something Against You
7- Head On
8- Monkey Gone to Heaven
9- Human Crime
10- Cecilia Ann
11- Planet of Sound
12- St. Nazaire
13- Vault of Heaven
14- Who’s More Sorry Now?
15- The Lord Has Come Back Today
16- There’s a Moon On
17- Gigantic
18- Bone Machine
19- Cactus
20- I’ve Been Tired
21- Tame
22- Debaser
23- Hey
24- Caribou
25- All the Saints
26- Death Horizon
27- Here Comes Your Man
28- Vamos
29- Nimrod’s Son
30- The Holiday Song
31- Motorway to Roswell
32- I Bleed
33- River Euphrates
34- Rock Music
35- Velouria
36- Wave of Mutilation
37- Where Is My Mind?
38- Winterlong

Um pequeno público confere a boa apresentação do Gorduratrans, mais cedo, na abertura da noite

Um pequeno público confere a boa apresentação do Gorduratrans, mais cedo, na abertura da noite

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