Circo sem fim
Com chuva e tudo, Coldplay reforça cenário caótico de menos música e mais entretenimento do Rock In Rio. Foto: Divulgação.
Pulseiras luminosas nos braços do público que mudam de cor ao sabor dos produtores do show. Balões de plástico lançados ao público já no início. Chuva pra dedéu. Bolo de aniversário em pleno palco. Vocalista com espécie de escafandro na cabeça fazendo as vezes de um teletubbie e participação de marionete que canta e dança. Chuva no lombo. Papel picado em forma de estrelinha jorrando em profusão. Fogos de artifício espocando sem parar no meio das canções. Um aguaceiro danado. Canção repetida – e mais de uma vez – sem se saber o porquê. Cantor britânico cantando em português de anotação. Água que não para de cair. Alguns tópicos que resumem bem a apresentação do entretenimento caótico do Coldplay no Rock In Rio, neste sábado (10/9). O público? Adora, claro.
Mas e a música, música propriamente dita, como é que fica? Tem, lá atrás, como pano de fundo, perdendo a importância para o blábláblá de Chris Martin, o tal vocalista com vocação pra Silvio Santos, mais preocupado ele próprio com o entorno do espetáculo do que com a função primária de uma banda de rock que é tocar. Não é só ele, vamos e venhamos, nem é assim só com o Coldplay, mas hoje a banda se sustenta em uma posição de adoração de todas as tribos e camadas sociais, guardando a música na dispensa e oferecendo ilusões de outras procedências. Lembram das fanfarronices do Green Day na sexta? Pois aqui a coisa piora porque o investimento em “não música” vem em escala industrial cavalar. Estranhos mesmo os tempos em que vivemos.
O show faz parte da turnê do álbum mais recente da banda, o pretensiosamente temático “Music of the Spheres”, lançado no ano passado, e nesse sentido tem roteiro acertado. Começa com ótimo single “Higher Power” e inclui cinco das 12 faixas entre as 18 tocadas. Por se tratar de um festival, ou mesmo por causa das adversas condições climáticas, a duração é encurtada em relação a outros shows da turnê. Outra das novas que cai bem é “People of the Pride” que tem “um quê” de Muse nas guitarras pesadas sintetizadas, e de certo modo flerta com um clima de rave presente nos últimos tempos nos shows do Coldplay (relembre o de 2016), graças aos deuses pouco notado aqui. A recepção do público, fervorosa nos efeitos especiais, contudo, é apenas complacente com o material novo.
Mesmo com a chuva, a banda mantém o elogiável artifício de usar um segundo palco - as vezes são três - no meio do público. É ali que rolam “The Scientist”, uma das antigas que a indianada adora, com a introdução da hoje enfadonha “Mais Que Nada”; a bizarra “Magia”, conversão canhestra de “Magic” para o português, cantada por Martin em clima de “eu adoro vocês”, seguida de um “parabéns pra você” com bolo e tudo por conta das 45 primaveras do guitarrista Jonny Buckland; e a fraca “Midnight”, com o tal indesejável clima de rave. Da fase intermediária, depois de a banda deixar o gueto indie e antes de virar esse monstro do entretenimento pueril, salientam-se a belíssima “Viva la Vida”, tocada duas vezes, uma depois da outra, sem explicação plausível, e “Fix You” ambas muito bem acolhidas e com adesão vocal da plateia.
A produção do palco, incluindo precisa iluminação, vídeos, escafandros e marionetes, é calcada no conceito de “Music of the Spheres”, que resumidamente apresenta um universo fictício e paralelo, em que as músicas do Coldplay, de olho em um mercado ainda mais amplo, interagem com artistas de outras áreas, como a cantora Selena Gomez e a boy band BTS. Viagem visual interessante – a do palco – que de certo modo remete aos dogmas do rock progressivo (conceitual, ficção, etc) em mais uma faceta do Coldplay rumo a uma grandiosidade mercadológica difícil de mensurar de antemão. A esperança é que, como sempre acontece no mudo da música pop (U2 feelings), o quarteto volte para a simplicidade das priscas eras, com a música em primeiro lugar. Cedo ou tarde vai acontecer. Que não demore.
Set list completo
1- Higher Power
2- Adventure of a Lifetime
3- Paradise
4- Viva la Vida
5- Viva la Vida
6- The Scientist
7- Yellow
8- People of the Pride
9- Clocks
10- Infinity Sign
11- Something Just Like This
12- Midnight
13- My Universe
14- A Sky Full of Stars
15- Magic
16- Humankind
17- Fix You
18- Biutyful
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