O Homem Baile

Exuberante

Dissonante no Rock In Rio, King Crimson faz show de rara precisão técnica, sem amarras e com muito bom gosto. Fotos: Vinicius Pereira.

Mentor do King Crimson, Robert Fripp toca guitarra com fones de ouvido, diante de equipamentos

Mentor do King Crimson, Robert Fripp toca guitarra com fones de ouvido, diante de equipamentos

Não teve “E aí Rock In Rio?”. Não teve “Vamô pulá” tampouco “Faz barulho aê”. Não teve sequer corriqueiro boa noite de sete respeitosos senhores bem trajados que foram encarregados de fechar os trabalhos do Palco Sunset do Rock In Rio, no domingo passado (6/10). Também não teve luz piscando, fumaça pelos ares ou fogos de artifício espocando. Mas teve música de inestimável qualidade, inventiva, criativa, livre e muito, muito bem tocada em uma rara oportunidade que beira o inacreditável: ver de perto um gigante do rock progressivo dos anos 1960/70 tocando músicas ouvidas por gerações inteiras. É o King Crimson, no mestre Robert Fripp, em sua primeira vez no Brasil, com toda pompa e circunstância, ainda que tocando em um festival de proporções bíblico-popularescas.

A paisagem do palco já é de atraente exuberância. Três baterias alinhadas bem na frente, com configurações distintas entre si. Atrás, no alto, uma linha de quatro músicos, sendo o guitarrista Jakko Jakszyk, encarregado dos vocais, deslocado para à direita, ao lado do monstruoso Robert Fripp, o mentor disso tudo, encostado em um banco alto com um fone nos ouvidos, diante de sintetizadores e com guitarra em punho. Do outro, o saxofonista Mell Collins, cercado por placas acústicas de acrílico, e Tony Levin, que toca um chapman stick, instrumento híbrido entre guitarra de 12 cordas e baixo. É ele que, sem piscar, segura a onda para que os bateristas - da esquerda para a direita: Pat Mastelotto, Jeremy Stacey e Gavin Harrison - comecem o show com “Drumzilla”, um preciso diálogo com kits de afinação diferentes e com própria sonoridade, como num prenúncio do que aconteceria dali pra frente.

Tony Levin com o chapman stick, instrumento híbrido entre guitarra de 12 cordas e baixo

Tony Levin com o chapman stick, instrumento híbrido entre guitarra de 12 cordas e baixo

O show faz parte da turnê de celebração da banda que aparece no Rock In Rio em uma versão pocket, reduzida de mais de duas horas para uma hora só. Nesse cenário, é o álbum de estreia, “In the Court of the Crimson King”, conhecido como “o disco da boca”, que por sinal completa 50 anos de lançado na próxima quinta, dia 10, a principal referência. O disco é uma marco do rock progressivo em todas as épocas, e quando “The Court Of Crimson King” é iniciada, o público, bastante satisfatório dadas as circunstâncias, reconhece logo de início. Na música brilha Mell Collins (que tem no currículo trabalhos com Eric Clapton, Rolling Stones e Dire Straits), no sax e nas intervenções de flauta, arrancando aplausos da plateia. “Coda: Marine 475”, uma das gravações mais recentes da banda, do álbum “THRAK”, de 1995, aparece misturada na peça, em um desfecho que arranca aplausos do público.

O show é marcado pela elegância e sofisticação, não só do arranjo dos músicos no palco, mas pela música em si, que supera limites do rock e do rock progressivo propriamente dito, indo do fusion até ao jazz free style. O que seguramente requer muito ensaio, sobretudo na precisão com que as baterias são tocadas, sem deixar nenhum nota vazar fora do acertado, ainda que pareça haver um “quê” de improvisação. E de um modo geral as músicas têm as mudanças de andamento que marcam o prog rock e que os fãs adoram. Como acontece nos cerca de 12 minutos de “21st Century Schizoid Man”, cujos solos de bateria somados ao bojo instrumental da banda, como se positivamente cada instrumento tivesse vida própria, mas sem deixar fugir da canção original, é de empolgar até o menos animado no meio do público, que reage com punhos erguidos, cantarolando trechos da música. É a música pela música, livre, sem amarras e encantadoramente agradável.

Jakko Jakszyk canta  e toca a guitarra com a imagem da capa do 'disco da boca' estampada

Jakko Jakszyk canta e toca a guitarra com a imagem da capa do 'disco da boca' estampada

Nesse número, Gavin Harrison é que tem direito a um solo antes de ser vigorosamente seguido por seus parceiros de bateria, e o desfecho é em completa dissonância entre os sete integrantes, mas de grande vigor musical como um todo. Antes, em “Epitaph”, de modo mais sutil, eles já tinham mostrado sinais de parceria entre sofisticação musical e abordagem cativante, talvez até pelo tom dramático com que Jakko Jakszyk encara os vocais, ou ainda pelo tom soturno da música. Um olhar nos outros shows da turnê, contudo, possibilita a enumeração de várias músicas ausentes, mas, dadas as circunstâncias, o show acaba arrematado e fechado em si próprio. E, no fim das contas, se fica aquela sensação de que melhor seria se fosse o show do King Crimson inteiro, todos saem dali com a certeza de que, no fundo, no fundo, pior seria se não tivesse show algum.

Set list completo:

1- Drumzilla
2- Neurotica
3- Red
4- The Court of the Crimson King/Coda: Marine 475
5- Indiscipline
6- Epitaph
7- 21st Century Schizoid Man

Inesquecível: a paisagem do palco do show do King Crimson no Palco Sunset do Rock In Rio

Inesquecível: a paisagem do palco do show do King Crimson no Palco Sunset do Rock In Rio

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Antonio Nahm em outubro 18, 2019 às 14:48
    #1

    King Crimson resumiu virtuosismo de 50 anos em apenas 1 hora, num show magnífico e sem precedentes com um som Progressivo/Jazzistico , jamais visto no Rio. Diferente de tudo que já ¨rolou¨ no Rock in Rio!!, KC é 100% Música de altíssima qualidade !!!!!

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