O Homem Baile

Coragem pra evoluir

Ektomorf debuta no Brasil tocando material recente com muito mais que referências ao Sepultura/Soulfly, em bom show no Rio. Fotos: Nem Queiroz.

O vocalista, guitarrista e dono do pedaço Zoltán Farkas: como sair ganhando em um jogo perdido

O vocalista, guitarrista e dono do pedaço Zoltán Farkas: como sair ganhando em um jogo perdido

A expressão de satisfação é indisfarçável para o vocalista que, quando não está se esgoelando na frente do palco, quer por que quer que o público todo se acabe de agitar durante o show. Já passa da metade do repertório quando uma das músicas tem o verso/refrão cantado à capela antes mesmo de começar. Por ele, ficava ali a noite toda recebendo de volta a energia que sua composição constrói, mas o público precisa se divertir no meio do salão e jogo que segue. É o Ektomorf iniciando pelo Rio de Janeiro a primeira turnê pelo Brasil, no Teatro Odisséia, na noite pós tragédia de chuva de verão nesta quinta (7/2). A música é “Black Flag” e é negra a bandeira agitada, para satisfação de Zoltán Farkas, o Zoli, dono dessa zorra toda, que também toca guitarra.

É uma noite daquelas em que é preciso escrever que o pequeno comparecimento é compensado pela animação e interação do público com a banda. Contudo, é muito mais que isso, porque impressiona a participação em praticamente todas as músicas, e pelo fato de a concatenação do repertório não ter contribuído tanto assim. Em atitude corajosa, o grupo deixa os clássicos para o final e abre a noite tocando nada mais nada menos que nove das 10 músicas – só “Skin Them Alive” ficou de fora - do álbum mais recente, “Fury”, lançado no ano passado. E o que faz o público ante à novidade realçada por batidas tribais mezzo eletrônicas? Se acaba com se tudo consagrado fosse no embalo do groove aplicado sem dó pelo quarteto.

Por que, vamos e venhamos, é um reducionismo sem saída apontar que o som da banda é, por assim, dizer, uns 40% Sepultura, 40% Soulfly e 20% o próprio Ektomorf. Não que seja incorreto, mas é melhor reconhecer, sobretudo para nós brasileiros, que o legado dos nossos maiores artistas no heavy metal mundial aparece naquilo que os acadêmicos americanos chamam de groove metal, açambarcando ainda bandas como a francesa Gojira, entre tantas outras. Mesmo porque não é possível que não venham dos cafundós da Hungria a pegada tribal de “Bullet In Your Head”, o groove pungente de “AK 47” e o riff grudento de “Blood For Blood”, todas do disco novo, mas que - repita-se – pelo poder grudento, parecem faixas de um “best of” de longa data.

Szebasztián Simon (guitarra), Zoli e o baixista Csaba Zahorán: da Hungria para o Brasil 25 anos depois

Szebasztián Simon (guitarra), Zoli e o baixista Csaba Zahorán: da Hungria para o Brasil 25 anos depois

Se faltou uma música para completar o disco novo, coube as duas de um single virtual lançado em outubro, ou seja, ainda mais novo que o novo. São elas “Eternal Mayhem”, uma pedrada thrash hardcore, e “Hardwired”, cover do Metallica mais recente – até nisso o quarteto foge do óbvio - que passou batido sem ser reconhecida pelo público, já no bis. Também, a essa altura, com a inclusão de músicas das mais manjadas, ninguém queria saber de mais nada no meio do salão que não fosse pular e/ou se estapear em rodas de dança. E – ainda tem mais essa - curiosamente estabeleceu-se no local o único mosh/stage diving exclusivamente de mulheres de que se tem notícia; não é lindo isso?

É nessa metade do show que o quarteto, todo renovado com Szebasztián Simon (guitarra), Csaba Zahorán (baixo) e Dániel Szabó (bateria), os três estreantes na gravação de “Fury”, descola os maiores hits. Como a clássica “I Know Them”, puro ponto de fulgor na aceleração das rodas; “Outcast”, faixa-título do bom álbum de 2006, e que começa como se fosse um ponto de Umbanda; “Ambush In The Night”, outra do bis, com direito a “bateria de lata”; e “Black Flag”, a tal que enche Zoli de satisfação, a ponto de ele citar que jamais pensaria em estar ali, em um palco de casa de show na Lapa, quando montou o Ektomorf no interior da Hungria, uns 25 aninhos antes. Quem diria, hein, Zoli?

Antes, o Tamuya Thrash Tribe, com o volume de som mais alto da noite, descarregou um thrash pesado e moderno (sem ser moderninho) que realça o bom entrosamento entre os músicos. O grupo, militante da causa indígena, destacou o momento difícil da questão no Brasil em músicas como “The Last Of Guaranis” e “The Voice Of Nhanderu”, com ótimos riffs pesadões. Ainda houve tempo para homenagens a Marcelo Yuka, morto no mês passado, com “Lado B Lado A”, d’O Rappa, no início de “Senzala/Favela”, e para um releitura peso-metálica de “Embolada do Tempo” (mais coco que embolada, diga-se), de Alceu Valença. “A Praieira”, de Chico Science e Nação Zumbi também teve trecho incluído em um show com muitas releituras/referências para um tempo tão curto.

O vocalista e guitarrista do Tamuya Thrash Tribe, Luciano Vassam: Alceu valença versão pesada

O vocalista e guitarrista do Tamuya Thrash Tribe, Luciano Vassam: Alceu valença versão pesada

Referências é o que tem pra mostrar o Maieuttica, que tocou mais cedo, sem a mesma sorte. O som, talvez pelos excessos da banda em si, era embolado e em poucas músicas saiu das caixas com o mínimo de qualidade que a música pesada exige, ainda mais quando post hardcore e nu metal se misturam. Com dois vocalistas dissonantes, que não se completam de modo algum, as músicas soam como esboços que mostram mais problemas do que soluções. As mais legais foram “Desumanidade” e “O Paciente: Cárcere”. Bem cedo, no excesso de bandas de abertura, em noite de cidade vazia com medo de temporal, tocou o Controle, com um hardcore pesadão, para quem ainda chegava no Odisséia.

Set list completo Ektomorf:

1- The Prophet of Doom
2- AK 47
3- Fury
4- Bullet in Your Head
5- Faith and Strength
6- Infernal Warfare
7- Tears of Christ
8- Blood for Blood
9- If You’re Willing to Die
10- Eternal Mayhem
11- Holocaust
12- I Know Them
13- Evil by Nature
14- Black Flag
15- Show Your Fist
16- I Choke
17- Outcast
Bis
18- Ambush In The Night
19- Hardwired
20- Aggressor

Os dissonantes vocalistas do Maieuttica, com o guitarrista dedilhando o coque do esmerado penteado

Os dissonantes vocalistas do Maieuttica, com o guitarrista dedilhando o coque do esmerado penteado

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