O Homem Baile

Na alma

Show do Moonspell no Rio tem adesão plena do público, com ode ao disco novo, atmosfera sombria, iluminação planejada e até hit do Paralamas do Sucesso. Fotos: Nem Queiroz.

O líder do Moonspell, Fernando Ribeiro, caracterizado no início do show, com uma lanterna medieval

O líder do Moonspell, Fernando Ribeiro, caracterizado no início do show, com uma lanterna medieval

Não parece, mas a introdução sombria, lenta e arrastada que se coloca no palco é de uma música bastante conhecida por essas plagas, embora a banda que esteja a iniciá-la tenha atravessado o Atlântico para chegar até aqui. O público, segmentando e que há mais de uma hora vibra com um show literalmente iluminado, também não economiza e canta a cada verso. Não é a primeira vez que a banda toca essa canção, mas nunca se viu, na história da música, uma turba de headbangers tão empolgada com uma música do Paralamas do Sucesso. É o Moonspell, no palco do Teatro Odisséia, no Rio, nesta quarta (25/4), no desfecho do show que marca a estreia da banda na cidade, e a música é “Lanterna dos Afogados”, popularizada, entre outros artistas, pela saudosa Cássia Eller.

Explica-se que a música foi gravada para o álbum mais recente do grupo português, o 11º deles, o bem bolado “1755”, lançado no final do ano passado, e que – ainda tem mais essa – caiu no gosto dos fãs brasileiros, a julgar pela intensa participação do público nas outras seis faixas incluídas nessa noite, numa saborosa inversão. Por vezes, parecem as músicas desse disco os clássicos e as antigas as menos conhecidas. Ajuda o fato de este ser o primeiro trabalho do Moonspell todo gravado com letras em português, em mais de 25 anos de estrada, o que, se inusitado, redunda em atrativo a mais para o bom público que passou pelo computador de acesso ao Odisséia. Não é difícil apontar músicas como “Ruínas”, cujo arranjo em cadência pesada resulta em punhos cerrados erguidos, e “Todos os Santos”, de refrão escorado por um groove contagiante que converte qualquer incauto distraído, como bons destaques de uma bela noite de heavy metal.

A cruz com dois feixes de raio laser lançados sobre o público, durante a música 'Todos os Santos'

A cruz com dois feixes de raio laser lançados sobre o público, durante a música 'Todos os Santos'

Bela não apenas por questões da execução das músicas em si, mas pelo ambiente criado sobre o palco. Não se trata obviamente de uma pomposa produção, mas o Moonspell teve o cuidado de turbinar a raquítica iluminação do Odisséia e trouxe, além do indispensável técnico de som, outro especialista para cuidar somente da luz. O resultado, para quem frequenta a briosa casa desde a inauguração – e lá se vão quase 15 anos -, chama atenção e valoriza a performance de palco do grupo, que inclui focos de luz sobre o vocalista Fernando Ribeiro (podemos deixar de lado os codinomes), lanternas medievais à vela, e, justamente em “Todos os Santos”, uma enorme cruz que, ao ser erguida, aponta dois feixes de raio laser sobre a plateia. Um crucifixo menor, de ponta cabeça, permanece grudado no pedestal do microfone e o vocalista ainda varia figurinos de acordo com trechos do show. Parece que não, mas, definitivamente, a noite não seria a mesma sem esse entorno.

Daí a admissão de Fernando, perto do final, de como é difícil fazer um show como esse no Rio (imaginem o quanto ele deve ter insistido para manter a configuração original), tido como primeiro na cidade porque aquele do Rock In Rio de 2015, no formato Palco Sunset com convidado forçado (relembre), de tarde, à céu aberto, e com público recreativo, não passou de reles aperitivo. Porque para se compreender um show do Moonspell em tua totalidade é indispensável uma espécie de mergulho nas trevas que a banda sugere há anos, convertido em um doom/gothic metal pesado e que tangencia a alma involuntariamente, de supetão. Impossível, então, permanecer incólume em números como “Awake”, reconhecida de primeira, e que bate fundo nas vísceras; “Alma Mater”, e seu delicioso cantarolar, com Fernando Ribeiro cantando na grade - havia uma! - que separa o público do palco; e “Opium”, da fase mais claramente influenciada pelo pós punk de Sisters of Mercy e afins – tem isso também - e por isso mesmo dançante.

Canhões de luz se concentram sobre o vocalista Fernando Ribeiro, em outro efeito visual do show

Canhões de luz se concentram sobre o vocalista Fernando Ribeiro, em outro efeito visual do show

E talvez venha justamente desse contexto “mergulho nas trevas” - repita-se - o interesse de Fernando mais pela letra sombria de “Lanterna dos Afogados” (dá uma conferida), composta por Herbert Vianna há cerca de 30 anos, do que pelo caldeirão sonoro paralâmico, de modo que um iniciado seguramente apontaria a versão como de autoria do Moonspell mesmo. A companhia do vocalista tem músicos discretos, mas eficientes na criação da atmosfera peculiar que contorna a banda, sobretudo o técnico baterista Miguel Gaspar, o preciso tecladista Pedro Paixão, que interfere sem interferir demais, e o guitarrista Ricardo Amorim. Eles traduzem com precisão todo o conceito da banda, que opta por um bis insólito, arrastado, pesado, torturante até, calcado em fases ancestrais que tem como peça maior a alma-cortante “FullMoon Madness”. Música que, sozinha, bem que pode ser espécie de síntese não só da banda, mas de uma noite, acima de qualquer outro superlativo recorrente, simplesmente especial.

Set list completo:

1- Em nome do medo
2- 1755
3- In Tremor Dei
4- Desastre
5- Night Eternal
6- Opium
7- Awake!
8- Ruínas
9- Breathe (Until We Are No More)
10- Extinct
11- Evento
12- Todos Os Santos
13- Vampiria
14- Alma Mater
15- Lanterna dos Afogados
Bis
16- Everything Invaded
17- Mephisto
18- FullMoon Madness

Público participa do show na beirada do palco, diante da boa performance do vocalista do Moonspell

Público participa do show na beirada do palco, diante da boa performance do vocalista do Moonspell

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