O Homem Baile

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Guitarrista e fundador, Steve Rothery desencrava clássicos da ‘era Fish’ do Marillion para plateia de iniciados no Teatro Rival. Fotos: Daniel Croce.

Dupla das boas: o ótimo vocalista Gabriel Augudo e o guitarrista e fundador do Marillion, Steve Rothery

Dupla das boas: o ótimo vocalista Gabriel Augudo e o guitarrista e fundador do Marillion, Steve Rothery

Na proposta não tem segredo. O guitarrista e fundador do Marillion vem ao palco do Teatro Rival, no Rio, com sua própria formação, para tocar músicas da fase inicial da banda, da época do vocalista Fish, que saiu em 1988 para dar lugar a Steve Hogarth, inaugurando uma fase, digamos, mais pop que dura até hoje. De quebra, mostra também um pouco do seu trabalho instrumental com a tal banda. No que a apresentação, nesta quinta (7/12) pode ser tranquilamente dividia em três (não duas) partes, considerando a participação do público, pequeno, sim, mas do tipo “das antigas”. Ou, por outra, nem tanto assim, já que, curiosamente, é com o grande hit da banda que todos vibram mais durante a noite, contrariando a máxima de que o momento seria só para os iniciados e o respectivo apego por incríveis e injustiçados lados B.

Sim, é “Kayleigh”, no início do bis, quando os goles a mais começam a fazer efeito, a mais assediada e aplaudida música da noite. Mas - ressalte-se – como início da trilogia mais que perfeita que inclui, emendadas, assim como no clássico álbum “Misplaced Childhood” (1985), “Lavender” e “Heart of Lothian”. As duas primeiras já haviam sido testadas juntas, por assim dizer, na base do improviso, na turnê do Marillion no ano passado (relembre), e o resultado é extraordinário, ao menos, por três razões: a) “Kayleigh” é hit de armamento pesado que qualquer cidadão comum reconhece e toca diariamente no rádio até hoje; b) O solo de Rothery nessa música é um dos melhores, mais sensíveis e grudentos de todos os tempos; e c) A sequência formando a trinca final, de tanto ouvida, em disco, se torna instintiva/intuitiva, de modo que e o encerramento de uma exige o início da outra até o refrão/desabafo final de “Heart of Lothian”.

É por isso que o que era para ser o prato principal fica em segundo plano. E que segundo plano! Com participação vital do vocalista Gabriel Agudo, Rothery empreende expedições arqueológicas que redescobrem incríveis músicas e partes de músicas que moldaram as civilizações neoprogressivas do início até o final da década de 1980, e quem vem de longe tem lágrima para derramar em farta quantidade. Tem a bateria marcada e a entrada do solo dramático de “Chelsea Monday”; a ambiguidade gaga do verso “Do you realise?”, a boa variação vocal e as idas e vinda de “Fugazi”; os falsetes e arranjos intrincados de “Incubus”; a guitarra debulhante e sempre inesperada de “Cinderella Search”; a exuberante entrada do solo de “White Russian”, e assim por diante. Agudo é peça chave não só por buscar o timbre de voz de Fish, mas porque canta com grande desenvoltura os trechos mais difíceis de músicas, vamos e venhamos, de métrica nada convencional, incluindo impostação física e tudo que um cantor de verdade precisa.

A banda na parte inicial da noite, tocando números instrumentais do álbum solo de Steve Rothery

A banda na parte inicial da noite, tocando números instrumentais do álbum solo de Steve Rothery

O show, contudo, revela certa melancolia saudosista, já na paisagem do palco. Como em um teste oftalmológico, ao tapar o olho esquerdo, o que se vê é o genial Steve Rothery tocando os clássicos que definiram sua banda, uma das mais relevantes de um grande movimento – o tal neoprogressivo - dentro do rock e da música pop de um modo geral, tirando um som de guitarra que só ele sabe tirar. Com a vista direita tapada, no entanto, aparece Gabriel Agudo, um ótimo cantor de banda cover que, não fosse o Marillion pré-”Kayleigh” revestido por uma inseparável aura underground, toda cidade teria ao menos uma em cada bar de rock por semana. O que aponta para a idealização de uma época que jamais voltará a e existir, ao menos enquanto a fantasia do DeLorean não virar realidade. Com metade – vá lá – dos ingredientes, o público faz a feijoada com a fome de um leão; não há alternativa mesmo.

O último dos três blocos é justamente o primeiro, quando a banda de Rothery, sem Agudo, manda quatro músicas. Todas são do álbum solo dele, “The Ghosts of Pripyat”, lançado em 2014; a turnê, que termina no Rival, se chama “Ghost & Garden Parties”, embora “Garden Party” – uma pena! - não tenha sido tocada. E todas invocam o modo único – repita-se - com que Steve Rothery toca, com destaque para “Summer’s End”, uma bossa surf temperada pela guitarra prog, e “Kendris”, uma base que serve de pretexto para belos solos de guitarra; o público, contemplativo nesse momento, aplaude vigorosamente ao final de cada música. Rothery ainda usa o show para prestar tributo a David Gilmour, sua mais notória referência, com a inclusão de “Wish You Were Here” – você sabe de quem – e a noite se encerra como um bailão cover daqueles. Mas que aquela parte do meio, valeu, isso valeu.

Set list completo:

1- Morpheus
2- Kendris
3- Old Man of the Sea
4- Summer’s End
Intervalo
5- Slàinte Mhath
6- Cinderella Search
7- Fugazi
8- Incubus
9- Chelsea Monday
10- Afraid of Sunlight
11- White Russian
Bis
12- Kayleigh
13- Lavender
14- Heart of Lothian
15- Sugar Mice
16- Wish You Were Here

Gabriel Agudo no feeling da música e Steve Rothery tirando o som de guitarra que só ele sabe tirar

Gabriel Agudo no feeling da música e Steve Rothery tirando o som de guitarra que só ele sabe tirar

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