O Homem Baile

Maduro

Rodado, Arcade Fire mostra boa evolução musical no palco em show temático, ainda que para um público completamente na mão. Fotos: Daniel Croce.

O vocalista e multi-instrumentista do Arcade Fire, Win Butler, que dá um passeio no meio do público

O vocalista e multi-instrumentista do Arcade Fire, Win Butler, que dá um passeio no meio do público

Se, diferentemente da vida, no show de rock a última impressão é a que fica, o do Arcade Fire seguramente deveria ter sido encerrado antes do bis. Não que o efusivo público, completamente na mão da banda, não merecesse receber mais duas ou três músicas como manda o roteiro, mas é que, justamente no encerramento, o populoso grupo mostra um notório amadurecimento musical, a custa de extensas turnês, ao executar, coladinhas, “Creature Comfort” e “Neighborhood #3 (Power Out)”. O número, com uns 10 minutos de duração, tem um crescente instrumental com qualidade técnica inimaginável para uma turba que começou como se fosse banda marcial batendo tarol em coreto de quermesse, o que o aproxima, também, de excelência técnica e de palco. O show, transferido de local após superestimada expectativa por venda de ingressos, como já ocorrera 2014 (relembre), aconteceu nesta sexta (8/12), na Fundição Progresso, no Rio.

É a turnê do álbum mais recente, “Everything Now”, lançado em julho, e que, além, de sete faixas, fornece ao show um “que” de temático, incluindo figurino para os músicos com logotipos bordados, e, assim como o álbum em si, um sentido de início meio e fim; tudo muito bem bolado. Na entrada, cordas de um ringue são instaladas na beirada do palco, e os músicos são anunciados por uma locução, em português, e com imagens em dois telões de led, bem no alto, inclinados em “V”. Como se fossem lutadores, eles aparecem pelo meio da plateia, indo até o palco em si. O grandalhão Win Butler, vocalista na maior parte do tempo, ainda dá um giro pelo meio do público, em “Afterlife”, na parte final da noite, sem parar de cantar. Atitude que, em alguma medida, humaniza o ídolo, ao fazer o fã ter a percepção de que, sim, eles são gente boa.

A performática Régine Chassagne, que canta com microfone grudado à boca e toca vários instrumentos

A performática Régine Chassagne, que canta com microfone grudado à boca e toca vários instrumentos

Das músicas novas, “Peter Pan” tem ares de inédita, por ter sido tocada pela primeira vez em toda a turnê, e possui incrível semelhança, mais ainda do que a versão do disco, com o minimalismo eletrônico-retrô do Devo. Obviamente, é pouco comemorada pela plateia. Desse ponto de vista, a já citada “Creature Comfort”, pelo exuberante final; “Electric Blues”, que recebe uma enxurrada de bolas de gás azuis por parte dos fãs; e “Put Your Money on Me” – belo título –, com um sotaque ligeiramente mais eletrônico, como o próprio disco, são as que tem melhor acolhida, em que pese – repita-se – a incrível disposição para a adoração de uma turma mais empolgada do que a empolgação propriamente dita. Se não fosse assim, a apresentação não agradaria tanto por tanto tempo, mesmo incluindo uma saída de palco em fanfarra no melhor estilo batucada pra turista feita por turista, num desengonço só.

Outros momentos constrangedores acontecem em “Here Comes the Night Time”, hit do álbum “Reflektor”, que, ao ser acrescida de uma batucada inclemente, se converte em espécie de indie olodum de doer os ouvidos. Ou quando o guitarrista e etc. Richard Reed Parry desanda a bater desesperadamente um tambor em cima de uma plataforma (pra que isso?), em “Rebelion (Lies)”, logo no início, ou ainda no bis, em “Wake Up”, ao encarar um bumbo gigante, do tamanho da vergonha que passa sem perceber. É quando a inefável micareta indie se faz presente com mais força, e, mesmo verificada em outras oportunidades, segue em alarmante incongruência em um show – vá lá- de rock. De um modo geral, contudo, a flerte do AF com o afro beat verificado em 14 parece já ter passado – e isso é bom -, mas a citação de “O Morro Não Tem Vez”, de Tom Jobim, permanece na voz da polivalente Régine Chassagne, na boa “Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)”.

A banda no início do show, com as cordas que convertem o palco em um ringue de lutas

A banda no início do show, com as cordas que convertem o palco em um ringue de lutas

Mas do que em outras oportunidades, Chassagne é interessante destaque, e não só por tocar tudo o que é instrumento, incluindo bateria e um xilofone com garrafas, no bis. Ao cantar se deslocando pelo palco, com um microfone de apresentador de TV colado à boca, a pequerrucha faz ótimo contraponto ao grandalhão Win Butler, e ainda acresce certo teor interpretativo ao show, quando, por exemplo, contracena com um personagem vestido de Esqueleto, no canto do palco, em “Reflektor”. Ou ao usar aquelas fitas de cheerleader, em “Sprawl”. No momento sério da noite, Butler comunica ao público que um dólar de cada ingresso será usado para fins humanitários, antes de “Haiti”, e as duas horas e cacetada de show até que passam correndo, para uma plateia que segue convencida de que - desculpa preferida para a descerebração coletiva - sabe se divertir. Mas que, crescido, o Arcade Fire amadureceu um bocado musicalmente falando, isso não se discute.

Set list completo:

1- Everything Now
2- Rebellion (Lies)
3- Here Comes the Night Time
4- Haïti
5- Peter Pan
6- No Cars Go
7- Electric Blue
8- Put Your Money on Me
9- Neon Bible
10- My Body Is a Cage
11- Neighborhood #1 (Tunnels)
12- The Suburbs
13- The Suburbs (Continued)
14- Ready to Start
15- Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)
16- It’s Never Over (Oh Orpheus)
17- Reflektor
18- Afterlife
19- We Exist
20- Creature Comfort/Neighborhood #3 (Power Out)
Bis
21- We Don’t Deserve Love
22- Everything Now (Continued)
23- Wake Up

Paisagem do palco visto da plateia, com o populoso Arcade Fire em ação; conte quantos integrantes tem

Paisagem do palco visto da plateia, com o populoso Arcade Fire em ação; conte quantos integrantes tem

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