O Homem Baile

Ouvidos atentos

Marillion não mostra material inédito, mas atende pedido do público e varia repertório em show repleto de nuances e bom gosto no Rio. Fotos: Amanda Respicio.

O vocalista Steve Hogarth, há quase 30 anos no comando da formação mais duradoura do Marillion

O vocalista Steve Hogarth, há quase 30 anos no comando da formação mais duradoura do Marillion

O show se desenrola mais ou menos na metade, com o roteiro programado sendo cumprido à risca. O grande sucesso da banda, na estrada há quase 40 anos, acaba de ser tocado e a sensação é de êxtase por parte da plateia. O guitarrista já troca de instrumento para seguir com o número seguinte, quando, súbito, percebe que os gritos vindos do povão querem outra música. São também cartazes impressos de última hora que sensibilizam o vocalista a olhar para os seus pares e combinar que a vontade dos fãs precisa ser atendida. E é assim que “Lavender” ingressa no show do Marillion, ontem, no Vivo Rio, cumprindo a vocação umbilical com o hit máster “Kayleigh”. Há coisas que só o rock’n’roll pode fazer para você. Do you remember?

E não é só o que se salienta na apresentação. Antes do término da primeira parte, durante a música “King”, dedicada a Prince e tocada pela primeira vez na cidade, o telão exibe imagens de ídolos do rock, da música pop e do cinema mundiais que já se foram, causando forte impacto sobre o público. Parece clichê, mas funciona com a dramaticidade da canção, que questiona o ego inflado desses mesmos artistas (“mimados até a morte”, diz o verso final), que incluem nomes pouco badalados como Phil Lynott, do Thin Lizzy, e Ian Curtis, do Joy Division. O repertório do show, ligeiramente diferente do adotado na noite anterior, na estreia dessa turnê, em São Paulo, serve para a banda mostrar músicas nunca tocadas por aqui, visto que nada do material do novo álbum, já batizado de “F.E.A.R. (Fuck Everyone and Run)”, a ser lançado em setembro, foi tocado.

O ótimo guitarrista Steve Rothery, que segue produzindo sonoridade com assinatura, sobretudo ao vivo

O ótimo guitarrista Steve Rothery, que segue produzindo sonoridade com assinatura, sobretudo ao vivo

No começo, não parece que a noite seria daquelas de se anotar no caderninho. Sobretudo por conta de músicas como “Power”, mesmo com a boa evolução final, e “You’re Gone”. Até “The King Of Sunset Town”, mais conhecida e com mais pegada, que abre a noite, sofre com nuances que subtraem do início de um show a força que ele deve ter, em que pese a demora até que o som da casa fosse ajustado corretamente. Por isso, quando “Hooks In You” surge do nada, o show propriamente dito começa de verdade, muito embora “Cover My Eyes”, uma daquelas seduções pops inenarráveis do Marillion, já tenha convertido o público em um coral desengonçado, mas com as letrinhas na ponta da língua. No fundo, é nesse limiar do pop com o prog que a banda maior do neoprogressivo oitentista se converteu, com ênfase em um delicado bom gosto para compor e arranjar canções. Nada mal.

“Que se dane! Vou tocar guitarra!”, parece dizer o vocalista Steve Hogarth antes que “Sounds That Can’t Be Made”, de título sugestivo para o ocorrido, seja interrompida por conta do “desastre” identificado em seu teclado particular. Operação que coloca em xeque a necessidade de o ótimo vocalista tocar esse ou aquele instrumento, e ainda considerando a boa performance do tecladista Mark Kelly, que tem o nome gritado mais de uma vez e é peça chave em “Garden Party”, no excepcional encerramento. Mesmo que a técnica do baterista Ian Mosley, oculto pelos tambores, seja de encher os ouvidos, é o irrepreensível Steve Rothery que vai para o trono, como de hábito, em um show do Marillion. Seus solos em “Easter”, a extraordinária peça que marcou a estreia de Hogarth na banda – e ele cita os shows do Hollywood Rock; as nuances de timbre em “The Invisible Man”, no primeiro bis; e até a embalagem enxuta que fornece a músicas pop como “Beautiful”, abusando pouco de um modelo de dois braços, têm a assinatura personalizada e reconhecida em cartório.

O discreto e eficiente baixista Pete Trewavas, com o ovacionado tecladista Mark Kelly ao fundo

O discreto e eficiente baixista Pete Trewavas, com o ovacionado tecladista Mark Kelly ao fundo

Steve Hogarth entra no palco turbinado por uns goles a mais, mas não deixa a peteca cair. Segue firme com seu jeito interpretativo de cantar, como se fosse ator mais que cantor, e lá se vão 27 anos dele na banda e dessa formação que incrivelmente dá certo, mesmo com todas as reviravoltas do mercado fonográfico a empurrar o Marillion para espécie de ícone do rock progressivo independente. O que não pode, contudo, fazer com que a banda se furte de incluir clássicos lá do iniciozinho, como - finalmente, depois de quatro anos e três turnês por aqui – a já citada “Garden Party”. Quem voltem com as músicas do novo álbum no ano que vem, mas em esquecer preciosidades como “Forgotten Sons”, “Assassing” e “Punch & Judy”, que cairia muito bem com o sotaque mais pop dos últimos tempos. Quem não chora não mama.

Clique para ver como foram os shows do Marillion em 2014 e em 2012.

Set list completo:

1- The King of Sunset Town
2- Power
3- You’re Gone
4- Cover My Eyes (Pain and Heaven)
5- Hooks On You
6- Sugar Mice
7- Afraid of Sunrise
8- Man of a Thousand Faces
9- Easter
10- Kayleigh
11- Lavender
12- Sounds That Can’t Be Made
13- Afraid of Sunlight
14- King
Bis
15- The Invisible Man
Bis
16- Beautiful
17- Garden Party

Toda a fúria interpretativa de Steve Hogarth, muitas vezes atuando mais como ator do que como cantor

Toda a fúria interpretativa de Steve Hogarth, muitas vezes atuando mais como ator do que como cantor

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Miguel Figueiredo em maio 2, 2016 às 18:13
    #1

    O Marillion mostrou nesse último sábado um show vibrante, onde as lembranças continuam sendo transformadas em arte.

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