O Homem Baile

Ritmo de festa

Fora do New Order, Peter Hook embala iniciados com grandes sucessos e converte face oculta do Joy Division em alegria, numa noite só. Fotos: Nem Queiroz.

Com o gesto habitual, Peter Hook ergue o braço em cumprimento oas fãs que lotaram o Teatro Rival

Com o gesto habitual, Peter Hook ergue o braço em cumprimento oas fãs que lotaram o Teatro Rival

O carioca que atravessou a Dutra para ver o New Order em ação, nessa quinta (1/12), ao chegar lá, diante do palco do Espaço das Américas se deu conta de que o baixista não era o da formação original, mas um substituto de eficácia duvidosa. Porque Peter Hook, sócio fundador do grupo, está, mais ou menos no mesmo horário, em cima do palco do Teatro Rival, no Rio mesmo, comandando o The Light, a banda que ele carrega nas costas desde 2010 prestando tributo ao Joy Division e ao New Order. E, dessa vez, o show é do tipo pague um e leve dois, não com a íntegra de álbuns clássicos como de habito, mas com nada mais nada menos que o material de duas coletâneas de singles das duas bandas, batizadas homonimamente de “Substance”, e os iniciados sabem exatamente do que se trata, em inacreditáveis 31 músicas e 2h40 de show.

Porque o espetáculo é feito para, antes de tudo, quem conhece a história das duas bandas e sabe muito bem que a passagem de Ian Curtis, que marca simultaneamente o fim do Joy Division e o início do New Order, é divisor de águas no rock e (por que não?) na música pop como um todo, espécie de invasão de Constantinopla pelos turcos otomanos. Mas se há certa interseção entre as duas bandas, ela está no bem ali nos últimos dias de um e nos primeiros do outro; o álbum de estreia do New Order, “Movement” (1981), é praticamente um disco do Joy Division sem Curtis. Não em grandes hits do rock eletrônico assumido pelo grupo depois que Bernard Sumner, convertido em vocalista, foi passear na Nova Iorque pós era disco. Daí o desafio de Hook e seu The Light manter o viés sombrio de um e a intentona dançante de outro numa noite só.

Peter Hook, o baterista Paul Kehoe e o tecladista Andy Poole, responsável pelas programações

Peter Hook, o baterista Paul Kehoe e o tecladista Andy Poole, responsável pelas programações

O que acaba funcionando, principalmente porque, apesar do invólucro cover, já que só Peter Hook foi membro das duas bandas, não há um esforço dos integrantes em soar exatamente igual aos combos originais, e, no caso do material do New Order, na maior parte do tempo é só saber mandar aquelas fantásticas programações, e isso Andy Poole faz com o pé nas costas. Ele é um dos três integrantes remanescentes do Monaco, projeto paralelo de que Hook mantinha entre 1995 e 2000, o que favorece o bom entrosamento no palco. Os outros são o guitarrista David Potts e o baterista Paul Kehoe, e o insuspeito Jack Bates, filho de Peter Hook, toca em um segundo baixo, sem feder nem cheirar. Só a voz, então, pode comprometer, mas Hook se sai muito bem, ajudado por Potts na versão New Order e cantando para dentro na do Joy Division, como se arruinar o gogó fosse a saída. Como nada nesse mundo se igualará ao fenômeno Ian Curtis, tampouco Renato Russo em início de carreira, tá valendo.

E vale sobretudo na parte final, porque se o New Order está na ativa lançando discos e tocando sem parar, o Joy Division só é possível, minimamente remetente ao original, sob essas circunstâncias. E repete-se o efeito alegria que se viu no Circo Voador há mais de cinco anos (relembre), quando canções soturnas, tristes e sombrias são recebidas em ritmo de festa pela graça alcançada. Como no ápice da segunda metade, na dobradinha “Transmission”, que ordena para que todos dancem ao som do rádio, e a plateia obedece, e “She’s Lost Control”, genial composição que ganha peso extraordinariamente até o desfecho. Outros grandes momentos são “Digital”, com o instigante refrão as avessas; “Atmosphere”, dedicada “ao time de futebol brasileiro”, por Peter Hook, se referindo ao acidente aéreo que vitimou a delegação da Chapecoense; a pré-black metal “Shadowplay”, patinho feio entre patinhos feios; e o arremate mais que espetacular com a ambígua em singular tristeza “Love Will Tear Us Apart”, talvez o único hit não underground do Joy Division.

Um raio de luz corta Peter Hook ao meio, enquanto o filhão Jack Bates, também baixista aparece atrás

Um raio de luz corta Peter Hook ao meio, enquanto o filhão Jack Bates, também baixista aparece atrás

Diferentemente, o New Order tem um bom punhado de sucessos radiofônicos que até o seu vizinho identifica ao serem tocados. Tanto que em músicas como “Blue Monday” e “Bizarre Love Triangle”, dois mega hits transgeracionais, nem baterista é preciso para o público vibrar como se não houvesse um congresso reacionário em Brasília. Hook altera ligeiramente a ordem das músicas em relação à track list original do disco – é uma coletânea mesmo – de modo que o início passa batido e o show, em sua primeira parte, só começa de verdade com “Ceremony”, a primeira em que a plateia – Rival lotado, diga-se – se acaba. Se há um único ponto alto é na versão brilhante para “The Perfect Kiss”, alongada e riquíssima em detalhes difíceis de notar e de reproduzir ao vivo, mesmo na seara eletrônica, com tanta fidelidade. Mas não ficam atrás “True Faith”, de refrão macio e auto embalante; “Shellshock”, com Potts segurando a onda nos vocais e adesão apenas razoável do público; e “Temptation”, cujo cantarolar vindo de fábrica se instala com força no meio do povão, em total ritmo de festa; e o show - ainda tem mais essa - aconteceu junto com a festa Paradiso, dos DJs Tito e Edinho. Pode seguir vindo ao Rio, Peter.

Set list completo:

1- Lonesome Tonight
2- Procession
3- Cries and Whispers
4- Ceremony
5- Everything’s Gone Green
6- Temptation
7- Blue Monday
8- Confusion
9- Thieves Like Us
10- The Perfect Kiss
11- Subculture
12- Shellshock
13- State of the Nation
14- Bizarre Love Triangle
15- True Faith
16- 1963
Intervalo
17- No Love Lost
18- Disorder
19- Shadowplay
20- Komakino
21- These Days
22- Warsaw
23- Leaders of Men
24- Digital
25- Autosuggestion
26- Transmission
27- She’s Lost Control
28- Incubation
29- Dead Souls
30- Atmosphere
31- Love Will Tear Us Apart

O soberano Peter Hook, com um de seus instrumentos: vale por um New Order + Joy Division inteiros?

O soberano Peter Hook, com um de seus instrumentos: vale por um New Order + Joy Division inteiros?

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Porão em dezembro 3, 2016 às 7:31
    #1

    O primeiro disco do New Order chama-se “Movement”.

  2. Marcos Bragatto em dezembro 3, 2016 às 8:11
    #2

    Corrigido, obrigado.

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