O Homem Baile

Eterno

Black Sabbath desfila clássicos que varam gerações com modo próprio de tocar, em show de despedida para ser emoldurado e pendurado na parede. Fotos: Frederico Cruz.

Show possível: o vocalista do Black Sabbath, Ozzy Osbourne, apoiado no pedestal do microfone

Show possível: o vocalista do Black Sabbath, Ozzy Osbourne, apoiado no pedestal do microfone

Para uma turnê que promete ser a última – e dessa vez ela se cumprirá -, o desfecho mais que perfeito de um emblemático espetáculo como o show do Black Sabbath poderia ser no delicioso arremate de “Iron Man”. A música, por si só, é cravada nas sociedades pós-modernas como poucas, símbolo de uma banda revolucionária que mudou o mundo do rock – e da música – para sempre. Mas, dessa vez, enquanto o genial Tony Iommi debulha a guitarra no solo final, recebe efusivo aplauso de Ozzy Osbourne, no centro do palco, como em um agradecimento amplo, geral e irrestrito para tudo o que eles fizeram juntos. O gesto, simples, mecânico até, é comparável com o abraço fraterno de Ozzy no baixista Geezer Butler e no próprio Iommi, durante o show de 2013, que selava o reencontro da formação original do Sabbath (relembre); e deixemos de lado os queixumes monetários de Bill Ward.

Tudo isso acontece em uma sexta não 13, no Rio, em uma Praça da Apoteose cheinha de dar gosto, e, contudo, a sensação não é de despedida. Ou, por outra, é sim, mas a percepção de estar diante de um momento daqueles marcantes supera qualquer desvario de tristeza, embora se reconheça que a apresentação é apenas a possível, diante de um valente Ozzy a cada dia mais debilitado física e mentalmente, e de um Tony Iommi assumindo de vez a alcunha de Homem de Ferro, depois de atropelar um câncer linfático e se superar a cada solo, e, mais que isso, ao tocar seus riffs imbatíveis de um modo inigualável; ambos beiram os 70 anos. A cada vez que o telão gigante de alta definição exibe as mãos calosas de Butler, um ás das quatro cordas, e ainda os dedos decepados e mal corrigidos pela medicina da época de Tony Iommi, fato definitivo para a criação do heavy metal, lá antes dos anos 1970 chegarem, a sensação é de generoso pertencimento à História.

O guitarrista Tony Iommi, tocando do modo personalíssimo, marca registrada do Black Sabbath

O guitarrista Tony Iommi, tocando do modo personalíssimo, marca registrada do Black Sabbath

Heavy metal que, de fato, não é mais para iniciados, mas uma derivação do rock encravada no cidadão comum, mesmo em uma terra culturalmente tão diversa como este Brasil varonil. Se antes um solo mais estendido ou um longo trecho riffado e pesado incomodava, hoje é pretexto para a adoração de moças e rapazes, senhores e senhoras que, ainda no aprendizado da turba, por vezes se surpreendem com os braços erguidos em coreografia ensaiada que só um show de metal pode proporcionar. Acontece maravilhosamente em “Iron Man” – de novo, e a citação se repetirá -; em “War Pigs” e suas fantásticas paradinhas, realçadas pelo batera pau pra toda obra Tommy Clufetos; e até em “Children Of The Grave”, nem tão amada assim pela plateia, mas que encanta pelo riff – outra vez – genial de Tony Iommi, e tocada e uma maneira que só o Black Sabbath consegue fazer. Aceitemos de uma vez por todas a irrefutável verdade.

A novidade no repertório, em relação ao show de três anos atrás, é a inclusão de “After Forever”, que, se não faz parte do cancioneiro clássico da banda, e por isso mesmo não desperta grandes reações no meio do povaréu, é outra que cativa pelo andamento pesado e riffônico patrocinado por Iommi, mas com uma interferência substancial de Butler. O baixista faz uma excepcional ponte que une a duplinha “Behind The Wall Of Sleep” e “N.I.B.” (adorada pelo público) com tal habilidade que seguramente o incauto que passasse de carro com a janela aberta no Viaduto São Sebastião naquele exato momento, cravaria ser um show de jazz. Sensação idêntica em “Dirty Women”, pérola extraída do medonho álbum “Technical Ecstasy”, mas adorada nos shows ao longo dos anos. Como é uma despedida, não há músicas do “13” (resenha aqui), o disco que marcou a volta da formação original, o que, surpeendentemente, cria os órfãos que pedem por “God Is Dead” o tempo todo, fato que realça o impacto, também, do material recente do Sabbath.

O solo orgânico, sem floreios de temas pré-gravados e essencialmente tribal de Tommy Clufetos

O solo orgânico, sem floreios de temas pré-gravados e essencialmente tribal de Tommy Clufetos

Mesmo sem encabeçar listas de grandes sucessos do grupo, “Into the Void” volta a impressionar pelas incríveis mudanças de andamentos, pesadíssimas, arrastadas e que varam o fundo da alma sem a menor cerimônia. A destreza com que a música é tocada na guitarra surrada de Tony Iommi é belo retrato de como técnica e precisão podem estar a serviço do bom gosto e de outras intenções ocultas, particularmente, nesse caso, do Mal inaugurado no florescer da música pesada. A expressão de satisfação do guitarrista, ampliada no telão, chega a ser reconfortante, de tão bela. O show também é menor que o de 2016, com três músicas e 20 minutos a menos, e isso, somado ao fato de o som não estar em um volume tão generoso quanto antes, faz aquele parecer melhor que este. No fundo, no fundo, resguardados os respectivos momentos e considerando que três anos para quem milita no Sabbath sub 70 é tempo à beça, ambos são ótimos.

“Rat Salad” é o pretexto – e não é de hoje – para o solo de bateria que Clufetos executa de modo monstruoso, durante cerca de oito minutos. Absolutamente orgânico, sem floreios de temas pré-gravados e essencialmente tribal, é peça de técnica, precisão e velocidade. Só faltou usar o gongo decorativo pendurado por de trás. A lista de ausências (monte a sua) inclui, entre outras, “Symptom Of The Universe”, “Sweet Leaf”, “Electric Funeral” e a obra prima “Sabbath Bloody Sabbath”. O bis dá ponto final à noite com a indispensável “Paranoid”, mas simbólica e emblematicamente a paisagem a se guardar – repita-se - é a da banda no palco botando pra quebrar em “Iron Man”, incluindo o desfecho com Ozzy agradecendo Iommi com grande emoção. O retrato e a síntese de quem, de alguma forma, alterou os rumos do mundo como todos conhecemos hoje. Pra emoldurar e pendurar em todas as casas de agora em diante. Que assim seja.

A concentração quase mágica de Tony Iommi, que recentemente superou um câncer linfático

A concentração quase mágica de Tony Iommi, que recentemente superou um câncer linfático

Set list completo:

1- Black Sabbath
2- Fairies Wear Boots
3- After Forever
4- Into the Void
5- Snowblind
6- War Pigs
7- Behind the Wall of Sleep
8- N.I.B.
9- Rat Salad
10- Iron Man
11- Dirty Women
12- Children of the Grave
Bis
13- Paranoid

Clique aqui para ver como foi o show de abertura, do Rival Sons

Nota: lamentavelmente a produção do Black Sabbath não permitiu a atuação de fotógrafos da imprensa brasileira, tampouco forneceu imagens oficiais aos jornalistas credenciados para fazer a cobertura do show.

Tags desse texto:

Comentários enviados

Sem comentários nesse texto.

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado