O Homem Baile

Sem gelo

Direto da Islândia, Vintage Caravan mostra repertório retrô e bem arredondado, em animado show no Rio. Fotos: Nem Queiroz.

O guitarrista e vocalista do Vintage Caravan, Oskar Logi Agustsson, em um dos solos da noite

O guitarrista e vocalista do Vintage Caravan, Oskar Logi Agustsson, em um dos solos da noite

É quase meia-noite de um domingo chuvoso na Lapa de música ruim e um islandês com pinta de hipster é erguido pela turma que se agiganta no meio do salão. Enquanto seus parceiros de banda ainda finalizam os trabalhos, ele desce do “palco” do La Esquina e sai caminhando no meio da pequena turba até ser erguido como se fosse técnico da equipe campeã. Coincidência ou não, a música que arremata essa bela noite é “Midnight Meditation” e Alexander Orn Numason é o pinto no lixo na mais pura acepção do termo. Nos últimos 70 minutinhos, ele liderou o trio Vintage Caravan em sua primeira vez no Rio, em uma apresentação turbinada pela participação acalorada da plateia.

Explica-se que na Islândia não tem só gelo, Björk e futebol, e que o grupo, identificado com o stoner rock e com os dois pés fincados nos anos 70 (chame como quiser), achou o lugar certo para tocar, do tamanho do público que o reconhece por aqui. E que as aspas no palco ali em cima servem parta deixar claro que ele basicamente não existe, é apenas um degrau que deixa banda e público literalmente cara a cara. Daí o flerte de mais de uma hora ter se convertido na festa do final do show. E Alexander merece, não só pela simpatia, mas porque o grupo, que conta ainda com o guitarrista/vocalista Oskar Logi Agustsson e o baterista Stefan Ari Stefansson, gira em torno dele.

Oskar Logi Agustsson e o animado baixista Alexander Orn Numason: pinto no lixo na acepção da palavra

Oskar Logi Agustsson e o animado baixista Alexander Orn Numason: pinto no lixo na acepção da palavra

É o que se percebe sem muito esforço já em “Craving”, que abre a apresentação com linha de baixo e groove excepcionais. A visão do palco não é das melhores, mas é possível sentir o passear dos dedos pelo braço do instrumento e imaginar as lições com mestres como John Entwistle e Geddy Lee. O público reage e, de uma vez só, tem pula-pula, cantarolagem, punhos erguidos e o escambau, num retrato da intensidade que marcaria quase toda a noite. Em “Babylon”, a seguinte, uma introdução instrumental daquelas, com bateria marcial e o embalo em um riff marcado mantém o pique até desaguar em andamento mais lento. “The King’s Voyage”, em versão abreviada (que pena!), realça a marcação cavalar de Alexander.

Mas o trio também se destaca por saber arranjar bem as músicas, dando aquele sotaque retrô que o tipo de som pede, mas, ao mesmo tempo, em sintonia com o peso da música dos nossos tempos. “M.A.R.S.W.A.T.T.”, por exemplo, tem pegada dançante não só na marcação de Stefan, mas no andamento de Oskar, que saca da manga um ótimo solo. Registre-se também que o trio, embora identificado com certa virtuose de outros tempos, não é dado a exageros desagradáveis. Daí as palmas marcadas pela plateia virem com um élan de espontaneidade típico de quem não resiste a uma melodia cativante e se vê, do nada, pulando de lado a outro da casa. A baladaça “Innerverse” (não confundir com música lenta) cresce muito ao vivo e cola na galera, sobretudo no solo arrasador de Stefan Ari Stefansson e na estratégica paradinha de bateria que aponta para um bater de cabeça bonito de ser ver.

O bom baterista Stefan Ari Stefansson, oculto pela luz, Oskar Logi Agustsson e Alexander Orn Numason

O bom baterista Stefan Ari Stefansson, oculto pela luz, Oskar Logi Agustsson e Alexander Orn Numason

Soltos no palco, os músicos iniciam “Carousel” sem querer, já que a música foi limada do repertório. Em “Last Day Of Light”, a afinação da guitarra dá tanto trabalho que uma improvisação baixo + bateria acaba com a introdução de “Ranning Blood”, do Slayer. Ou seja, a música, outra das boas, já começa com pressão e até uma inesperada roda de dança se abre. O que era para ser um bis – pra que sair e voltar se o palco é tão íntimo? – é apenas o desfecho corrido com a tal “Midnight Meditation”, que soa como um hit entre o animado público, como se isso fosse possível. Mas é, e, como numa última oportunidade de curtir o show, a interação é plena. Não é de se estranhar, portanto, que Alexander tenha se jogado nos braços do povo.

O evento um festival itinerante que serve para comemorar o aniversário de três anos da produtora Abraxas, especializada nesse tipo de banda e que está sendo realizado em sete cidades. No Rio, a abertura ficou por conta do Hellbenders e do Muñoz. Mais cascudo e com parte do público cantando as músicas, o goiano Hellbenders fez um show conciso e bem ajambrado. O stoner do grupo é pesado, contemporâneo e repleto de referências a segmentos mais atuais, diferentemente de bandas do gênero muito identificadas com o período setentista. Ainda com a casa vazia, o Muñoz, das Minas Gerais, não disfarçou o sotaque retrô de seu repertório, mas o duo (guitarra e bateria) sofre com a falta de uma baixista, elemento indispensável, ainda mais para esse tipo de som. Fica a sugestão.

Hellbenders, de Goiânia: stoner pesado, contemporâneo e repleto de referências a segmentos atuais

Hellbenders, de Goiânia: stoner pesado, contemporâneo e repleto de referências a segmentos atuais

Set list completo Vintage Caravan:

1- Craving
2- Babylon
3- Shaken Beliefs
4- Let Me Be
5- Innerverse
6- Crazy Horses
7- Cocaine Sally
8- The King’s Voyage
9- M.A.R.S.W.A.T.T
10- Last Day of Light
11- Expand Your Mind
12- Midnight Meditation

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