O Homem Baile

Tenebroso

Em performance devastadora, Mayhem revive controverso momento do black metal mundial e passa a limpo a história do gênero. Fotos: Nem Queiroz.

O sacerdote do Mal e vocalista do Mayhem, Attila Csihar, em toda a sua performance e indumentária

O sacerdote do Mal e vocalista do Mayhem, Attila Csihar, em toda a sua performance e indumentária

A paisagem do palco é opaca, tensa, aterrorizante. Dois encapuzados, um de cada lado, tocam guitarras que, juntas, produzem um som sombrio, denso, dilacerante. No meio, um cadáver gigante vocifera mensagens conhecidas do cancioneiro do Mal, que se relaciona com um crânio e carrega um turíbulo pelas correntes, com lamparinas sob a túnica negra que o envolve. Do fundo, escuta-se o som ultra veloz de uma bateria com tantas peças quanto o apressado músico consegue alcançar. Tudo sob uma névoa absurda e com luzes penetrantes jamais vistas em um acanhado Teatro Odisséia. É o Mayhem fazendo a estreia em soturna matinê no Rio, em um tipo de espetáculo nada ordinário. Acreditem: jamais a expressão “Welcome to hell” faz tanto sentido.

A ocasião é também marcante pela execução, na íntegra, do álbum “De Mysteriis Dom Sathanas”, um dos trabalhos mais influentes do black metal em todas as épocas, e que, de certo modo, resume toda a fase inicial do grupo norueguês. Isso porque, lançado em 1994, traz músicas que começaram a ser compostas desde ao menos 1987, e atravessa todo o período mais controverso do gênero, incluindo suicídios, assassinatos, queima de igrejas e outras manifestações do Mal. Época em que as performances ao vivo do Mayhem chamavam a atenção de todo o mundo e o colocava na ponta de lança do black metal. O show é também especial por esta formação, entre tantas, ter o vocalista Attila Csihar, o tal cadáver citado ali em cima, e o baterista Hellhammer, que gravaram o disco.

A paisagem do palco durante a execução da íntegra do álbum emblemático para o black metal mundial

A paisagem do palco durante a execução da íntegra do álbum emblemático para o black metal mundial

Informações que parecem fazer do show uma noite apenas para iniciados - e o Odisséia está cheinho de dar gosto – não fosse a atração de todos pelo tipo de música tocada ali no palco e o entorno da banda propriamente dito. Por isso a introdução de “Funeral Fog” já causa aflição e quando a música entra, em um andamento de velocidade estarrecedora, o frisson é total. A entrada de Csihar no palco, com toda a indumentária e trejeitos que lhe são característicos, é também marcante, sobretudo pelos vocais de serra elétrica de bancada partindo tábuas em duas partes. Reforça-se que a produção do show, com técnicos de som e luz próprios e equipamentos adicionais, fornece um substancial up grade na casa e deixa tudo mais próximo de toda a estética do Mayhem e do black metal como um todo.

Impressiona o modo de Hellhammer tocar, em estratosférica velocidade, mesmo que impulsionado por triggers em boa parte do tempo. Por vezes, o resultado é muito próximo de uma bateria eletrônica, caso de “Pagan Fears”, por exemplo, que racha a cabeça de Attila Csihar no final. Os dois guitarristas encapuzados são Teloch e Charles Hedger, que apostam corrida entre si, mas a função aqui é de criar acordes e timbres sombrios com improvável crueza, como realçam músicas como “Life Eternal”, até com ótimos solos de lado a lado, e “Freezin Moon”. No centro, o baixista de cara e cabeça limpas Necrobutcher, membro fundador do Mayhem, é espécie de mediador/embaixador que se comunica com o público, inclusive no final, como forma de agradecimento.

Os trejeitos de Attila Csihar, que se relaciona com um crânio e carrega um turíbulo pelas correntes

Os trejeitos de Attila Csihar, que se relaciona com um crânio e carrega um turíbulo pelas correntes

Mesmo porque o show passa sem Csihar, que já participou de tudo que é banda no cenário black metal, puxar muita conversa. E o som é na maior parte do tempo cru, retilíneo, básico e no limiar do tosco, de tão trabalhado na manifestação do Mal, como pouco se viu ao longo do tempo. O desfecho, com “De Mysteriis Dom Sathanas”, a música, dá a sensação de passagem para espécie de outra dimensão, um encontro com a eternidade. Um inesperado bis (geralmente tocam o disco inteiro e o show acaba) tem “Deathcrush”, que dá título ao EP de 1987 e traz a reboque outras duas músicas do mesmo período. Vale do ponto de vista do som, mas, com as luzes acesas e indumentárias subtraídas, quebra o encanto de uma apresentação concisa, encerrada em si própria e, sobretudo, devastadora.

Set list completo:

1- Funeral Fog
2- Freezing Moon
3- Cursed in Eternity
4- Pagan Fears
5- Life Eternal
6- From the Dark Past
7- Buried by Time and Dust
8- De Mysteriis Dom Sathanas
Bis
9- Deathcrush
10- Chainsaw Gutsfuck
11- Pure Fucking Armageddon

A quebra do encanto no show do Mayhem em um inesperado bis, com os músicos às claras no palco

A quebra do encanto no show do Mayhem em um inesperado bis, com os músicos às claras no palco

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