Teatral
Em sensacional espetáculo de câmara, Dream Theater volta no tempo na ópera rock retrô-futurista com a íntegra do álbum mais recente. Fotos: Luciano Oliveira.
A resposta é que, em uma guinada improvável na carreira, o Dream Theater optou por lançar uma ópera rock chamada “The Astonishing”, com mais de duas horas de duração, e – mais improvável ainda – decidiu sair em turnê tocando a íntegra desse material, sem incluir um hit sequer. Mais: a peça de rock progressivo retrô-futurista é executada em espécie de espetáculo de câmara, com o Vivo Rio convertido em teatro com cadeiras e com todo mundo sentadinho. Mais ainda: sem poder usar aqueles aparelhos emburrecedores que atrapalham os shows de rock de uns tempos para cá. Um show singular na história da banda e para esses tempos estranhos em que vivemos e que, por incrível que pareça, funciona muitíssimo bem. Quem perdeu, agora só n DVD.
A música em que Petrucci abre alas no centro do palco é “A New Beginning”, uma das mais colantes do novo material. Porque, sim, a despeito de uma ópera rock ter as idas e vindas do rock progressivo, incluindo mudanças de andamento e pequenos números que fazem parte de um contexto maior, “The Astonishing” conserva uma constante busca do grupo para exibir virtuose sem perder de vista a capacidade cativante de uma boa canção (detalhes nessa entrevista) e, acima de tudo, o bom gosto. Duas delas, já no início, dão a senha de que isso é perfeitamente possível. “Dystopian Overture”, de tom épico que parece até encerramento, e “The Gift Of Music”, belíssima canção, conhecida por ser lançada como single, e que, no palco, aparece turbinada por ótimas evoluções instrumentais de todos no quinteto.Como de hábito, a trama se desenrola em um futuro longínquo no qual grupos rebeldes lutam contra um império opressor dominado por máquinas. A história, influenciada por séries como “Game Of Thrones”, saiu da caixola de Petrucci – ainda tem essa – e, no palco, é contada com a exibição constante de vídeos em telões seccionados de altíssima definição e com uma iluminação que contribui para a dramaticidade do espetáculo, no fim das contas, grandioso. Por isso a sincronia entre som, luz e vídeo é imprescindível para a fluência do espetáculo, o que – de fato – acontece. Como em esquetes teatrais, os próprios músicos entram e saem do palco de acordo com o “papel” que representam em cada música. E não há espaço, como habitual em shows de bandas com músicos virtuoses, para o bem ou para o mal, para solos que não sejam os que estão nas músicas. Mesmo assim, muitas delas, pinçadas do contexto, crescem soberbamente ao serem tocadas ao vivo.
Caso, por exemplo, de “Moment of Betrayal”, pesada e de sotaque mais pop, e que recebe um belo duelo de John Petrucci com o tecladista Jordan Rudess. Ou de “Chosen”, que reúne o guitarrista com o baixista John Myung, que, sempre discreto, parece empolgado na beirada do palco. Ou ainda da empolgante “Brother, Can You Hear Me?”, re-citada aqui e acolá durante a noite. Já a bela “Begin Again” é dotada de uma suavidade que realça a performance de James LaBrie. O vocalista vem nessa turnê com o gogó em dia, bem melhor que em outras oportunidades, alternando vozes sussurradas com sustentações de longo alcance, e isso já nos finalmentes da peça, como faz em “The Walking Shadow”. Mesmo sem direito a um momento solo, o baterista Mike Mangini é uma verdadeira usina que alterna passagens calmas com outras nervosas, com direito a viradas com o selo Neil Peart de qualidade. A parafernália do kit de bateria, associada ao teclado “mesa de comando”, que gira em todas as direções, é outro elemento que contribui para o aspecto artístico-visual do show.Espetáculo que, contudo, é para poucos, iniciados no universo do Dream Theater e do rock progressivo de um modo geral. Primeiro que não é para qualquer banda manter o público atento, sentado, nos 80 minutos que dura a primeira parte. Tanto que, meio que desacostumados com o formato, por assim dizer, há o pedido para que todos se levantem na segunda parte, como se os próprios músicos guardem certa insegurança. Depois, não é comum um fã de rock médio se aboletar em cadeiras para contemplar mais do que reagir, e registre-se que a plateia se destaca mais pela omissão, ao não ficar pedindo “as antigas” nem usando os tais aparelhos emburrecedores, do que pela ação, com aplausos e afins. E, ainda, porque rock progressivo, a tônica do espetáculo, com suas idas e vindas, poucas vezes é alçado aos píncaros da música, muito menos nesses tempos em que nada prende a atenção por mais de um ou dois minutos. O que só reforça a ousadia da banda em apostar em um conjunto álbum/turnê conceitual desse porte, cuja singularidade jamais vai se repetir.

Os Johns Myung e Petrucci tocam na beira do palco enquanto o compenetrado Rudess garante a retaguarda
1- Descent of the NOMACS
2- Dystopian Overture
3- The Gift of Music
4- The Answer
5- A Better Life
6- Lord Nafaryus
7- A Savior in the Square
8- When Your Time Has Come
9- Act of Faythe
10- Three Days
11- The Hovering Sojourn
12- Brother, Can You Hear Me?
13- A Life Left Behind
14- Ravenskill
15- Chosen
16- A Tempting Offer
17- Digital Discord
18- The X Aspect
19- A New Beginning
20- The Road to Revolution
Intervalo
21- 2285 Entr’acte
22- Moment of Betrayal
23- Heaven’s Cove
24- Begin Again
25- The Path That Divides
26- Machine Chatter
27- The Walking Shadow
28- My Last Farewell
29- Losing Faythe
30- Whispers on the Wind
31- Hymn of a Thousand Voices
32- Our New World
Bis
33- Power Down
34- Astonishing
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