O Homem Baile

Teatral

Em sensacional espetáculo de câmara, Dream Theater volta no tempo na ópera rock retrô-futurista com a íntegra do álbum mais recente. Fotos: Luciano Oliveira.

O vocalista do Dream Theater, James LaBrie, mostra ótima forma ao lado do baixista John Myung

O vocalista do Dream Theater, James LaBrie, mostra ótima forma ao lado do baixista John Myung

O guitarrista se dirige ao centro do palco e desanda a esmerilhar seu instrumento sem dó nem piedade. Envolvido pela peça virtuosa e de certeiro bom gosto, o público voluntariamente se põe de pé e começa a aplaudir. O nome dele é John Petrucci, há muitos anos está no comando da máquina sonora chamada Dream Theater, e, se a plateia se levanta para aplaudi-lo, a pergunta que fica é: por que diabos estavam todos sentados em um show de rock? Já no final da noite o vocalista pede para que todos se levantem para cantar o hino de mil vozes, e é atendido de imediato. O nome dele é James LaBrie, com semelhante folha corrida de serviços prestados à banda. Mas, se a plateia se levanta para aplaudi-lo, a pergunta que insiste é: por que diabos estavam todos sentados em um show de rock?

A resposta é que, em uma guinada improvável na carreira, o Dream Theater optou por lançar uma ópera rock chamada “The Astonishing”, com mais de duas horas de duração, e – mais improvável ainda – decidiu sair em turnê tocando a íntegra desse material, sem incluir um hit sequer. Mais: a peça de rock progressivo retrô-futurista é executada em espécie de espetáculo de câmara, com o Vivo Rio convertido em teatro com cadeiras e com todo mundo sentadinho. Mais ainda: sem poder usar aqueles aparelhos emburrecedores que atrapalham os shows de rock de uns tempos para cá. Um show singular na história da banda e para esses tempos estranhos em que vivemos e que, por incrível que pareça, funciona muitíssimo bem. Quem perdeu, agora só n DVD.

Myung e o guitarrista John Petrucci evoluem no centro do palco; teclado e bateria compõem o cenário

Myung e o guitarrista John Petrucci evoluem no centro do palco; teclado e bateria compõem o cenário

A música em que Petrucci abre alas no centro do palco é “A New Beginning”, uma das mais colantes do novo material. Porque, sim, a despeito de uma ópera rock ter as idas e vindas do rock progressivo, incluindo mudanças de andamento e pequenos números que fazem parte de um contexto maior, “The Astonishing” conserva uma constante busca do grupo para exibir virtuose sem perder de vista a capacidade cativante de uma boa canção (detalhes nessa entrevista) e, acima de tudo, o bom gosto. Duas delas, já no início, dão a senha de que isso é perfeitamente possível. “Dystopian Overture”, de tom épico que parece até encerramento, e “The Gift Of Music”, belíssima canção, conhecida por ser lançada como single, e que, no palco, aparece turbinada por ótimas evoluções instrumentais de todos no quinteto.

Como de hábito, a trama se desenrola em um futuro longínquo no qual grupos rebeldes lutam contra um império opressor dominado por máquinas. A história, influenciada por séries como “Game Of Thrones”, saiu da caixola de Petrucci – ainda tem essa – e, no palco, é contada com a exibição constante de vídeos em telões seccionados de altíssima definição e com uma iluminação que contribui para a dramaticidade do espetáculo, no fim das contas, grandioso. Por isso a sincronia entre som, luz e vídeo é imprescindível para a fluência do espetáculo, o que – de fato – acontece. Como em esquetes teatrais, os próprios músicos entram e saem do palco de acordo com o “papel” que representam em cada música. E não há espaço, como habitual em shows de bandas com músicos virtuoses, para o bem ou para o mal, para solos que não sejam os que estão nas músicas. Mesmo assim, muitas delas, pinçadas do contexto, crescem soberbamente ao serem tocadas ao vivo.

O tecladista Jordan Rudess com sua mesa de teclados que gira em todas as direções, ao lado de Myung

O tecladista Jordan Rudess com sua mesa de teclados que gira em todas as direções, ao lado de Myung

Caso, por exemplo, de “Moment of Betrayal”, pesada e de sotaque mais pop, e que recebe um belo duelo de John Petrucci com o tecladista Jordan Rudess. Ou de “Chosen”, que reúne o guitarrista com o baixista John Myung, que, sempre discreto, parece empolgado na beirada do palco. Ou ainda da empolgante “Brother, Can You Hear Me?”, re-citada aqui e acolá durante a noite. Já a bela “Begin Again” é dotada de uma suavidade que realça a performance de James LaBrie. O vocalista vem nessa turnê com o gogó em dia, bem melhor que em outras oportunidades, alternando vozes sussurradas com sustentações de longo alcance, e isso já nos finalmentes da peça, como faz em “The Walking Shadow”. Mesmo sem direito a um momento solo, o baterista Mike Mangini é uma verdadeira usina que alterna passagens calmas com outras nervosas, com direito a viradas com o selo Neil Peart de qualidade. A parafernália do kit de bateria, associada ao teclado “mesa de comando”, que gira em todas as direções, é outro elemento que contribui para o aspecto artístico-visual do show.

Espetáculo que, contudo, é para poucos, iniciados no universo do Dream Theater e do rock progressivo de um modo geral. Primeiro que não é para qualquer banda manter o público atento, sentado, nos 80 minutos que dura a primeira parte. Tanto que, meio que desacostumados com o formato, por assim dizer, há o pedido para que todos se levantem na segunda parte, como se os próprios músicos guardem certa insegurança. Depois, não é comum um fã de rock médio se aboletar em cadeiras para contemplar mais do que reagir, e registre-se que a plateia se destaca mais pela omissão, ao não ficar pedindo “as antigas” nem usando os tais aparelhos emburrecedores, do que pela ação, com aplausos e afins. E, ainda, porque rock progressivo, a tônica do espetáculo, com suas idas e vindas, poucas vezes é alçado aos píncaros da música, muito menos nesses tempos em que nada prende a atenção por mais de um ou dois minutos. O que só reforça a ousadia da banda em apostar em um conjunto álbum/turnê conceitual desse porte, cuja singularidade jamais vai se repetir.

Os Johns Myung e Petrucci tocam na beira do palco enquanto o compenetrado Rudess garante a retaguarda

Os Johns Myung e Petrucci tocam na beira do palco enquanto o compenetrado Rudess garante a retaguarda

Set list completo:

1- Descent of the NOMACS
2- Dystopian Overture
3- The Gift of Music
4- The Answer
5- A Better Life
6- Lord Nafaryus
7- A Savior in the Square
8- When Your Time Has Come
9- Act of Faythe
10- Three Days
11- The Hovering Sojourn
12- Brother, Can You Hear Me?
13- A Life Left Behind
14- Ravenskill
15- Chosen
16- A Tempting Offer
17- Digital Discord
18- The X Aspect
19- A New Beginning
20- The Road to Revolution
Intervalo
21- 2285 Entr’acte
22- Moment of Betrayal
23- Heaven’s Cove
24- Begin Again
25- The Path That Divides
26- Machine Chatter
27- The Walking Shadow
28- My Last Farewell
29- Losing Faythe
30- Whispers on the Wind
31- Hymn of a Thousand Voices
32- Our New World
Bis
33- Power Down
34- Astonishing

Cenário grandioso da ópera rock: plano geral do palco com os telões de led seccionados ao fundo

Cenário grandioso da ópera rock: plano geral do palco com os telões de led seccionados ao fundo

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