O Homem Baile

Primazia

Em show calcado na excelência musical e com ótima performance, Rolling Stones encanta plateia em Maracanã lotado. Fotos Divulgação: Marcos de Paula/Staff Images.

O inacreditavelmente aeróbico Mick Jagger comanda o impecável show do Rolling Stones no Maracanã

O inacreditavelmente aeróbico Mick Jagger comanda o impecável show do Rolling Stones no Maracanã

A noite está perto de terminar, mas um flerte musical de corpo e alma chama a atenção de 66 mil pessoas encharcadas por um temporal típico do verão carioca. No centro das atenções, uma belíssima mulher solta o vozeirão e desafia aquele que é de verdade o dono da festa e que poderia – façam as contas – tê-la como neta. Literalmente no meio do povão, a custa de uma passarela que os conduz do palco, Sasha Allen encara o desafio em igualdade de condições com Mick Jagger no trecho mais dramático de “Gimme Shelter”, uma das melhores canções já escritas em todas as épocas. Ou, por outra, dá um coro em Jagger que só não perde a parada por que… bem, ele é o Mick Jagger. O momento é um dos pontos altos do incrível show dos Rolling Stones que mobilizou a Cidade Maravilhosa neste sábado, pela quarta e – sad news – última vez.

Entretanto, a usina sonora que permite que um inacreditavelmente atlético Jagger brilhe aos 72 aninhos vem de dois contemporâneos e suas guitarras que se completam em perfeito encaixe. Keith Richards, a ruína do trinômio sexo, drogas e rock’n’roll em carne, osso e simpatia, e o atrevido Ron Wood têm ao menos um momento icônico nas mais de duas horas de um espetáculo de tirar o fôlego da garotada. Ambos são levados pelo/levam o riff de “Jumping Jack Flash” às últimas consequências, numa prova cabal de como a simplicidade, no rock, deságua em momentos de grande êxtase coletivo. São texturas, evoluções, solos sobre solos, tudo embaralhado em um jogo de acordes de parte a parte que sintetiza como eles sustentam uma base para que a bandaça repleta de músicos nota 10 interpretem de forma única músicas que em sua maioria fazem parte do inconsciente coletivo global. À exceção de “Doom and Gloom”, lançada da coletânea “GRRR”, de 2012, e de “Out Of Control”, do álbum “Bridges to Babylon” (1997), todas têm mais de 35 anos de lançadas.

A dupla de guitarristas Ron Wood e Keith Richards, usina que move os Stones, com o batera Charlie Watts

A dupla de guitarristas Ron Wood e Keith Richards, usina que move os Stones, com o batera Charlie Watts

O pé d’água superou aquele de 1995, em um Maracanã old school, quando a banda debutou no Brasil, mas, dessa vez, o palco com a cobra cuspindo fogo foi substituído por outro mais simples, mas igualmente extenso com plataforma laterais, além das centrais, para Mick Jagger exibir sua performance aeróbica. O que não deixou de fora três telões gigantes de impressionante resolução, sendo que um das laterais deu pau a noite toda e foi apontado como o responsável pelo atraso de 20 minutos, junto com o toró. Apresentado por Jagger como “sambista da Mangueira”, em português lido com dificuldade, o baterista Charlie Watts também impressiona pela pegada, groove e sorriso caro, com as suas – não custa registrar – 74 primaveras. As apresentações se dão depois de “Honky Tonk Women”, quando o caçula Wood é convertido por Mick Jagger em o “mascote das Olimpíadas” e Richards é, de longe, o mais ovacionado. Sim, ele está vivo e botando pra quebrar.

E com uma inesperada boa voz, sem os pigarros habituais, em que pese a emblemática imagem do cigarro aceso enquanto toca e canta em dois números. São eles “You Got the Silver”, pinçada do ótimo álbum “Let It Bleed”, que – coisa linda! - cede quatro faixas ao show, numa ode ao blues rock de raiz, com Ron Wood fazendo efeito slide guitar, e “Before They Make Me Run”, nem sempre incluída nessa turnê, a tal “América Latina Olé Tour” . É o tempo – segundo consta – para Jagger receber uma farta dose de oxigênio que deve ter sido batizada nos bastidores, a julgar pela forma como o vocalista retorna em “Midnight Rambler”, completamente possesso. A música é uma das alongadas pelas, digamos, improvisações instrumentais, e ganha um peso extra à custa da guitarra de Richards. É também uma das que Jagger – e ainda tem mais essa – saca do bolso uma gaita para acompanhar, para delírio do veterano Zé da Gaita, lenda viva do rock nacional que o acompanha da beirada do palco. O vocalista só sossega quando também empunha uma guitarra – e ainda tem mais essa outra – aqui e acolá.

Jagger e Richards, criadores de grandes clássicos do rock em todas as época, juntos no palco; Watts ri

Jagger e Richards, criadores de grandes clássicos do rock em todas as época, juntos no palco; Watts ri

A possessão from hell que antecipava o metal extremo na idade da pedra do rock é reforçada em “Sympathy for the Devil”, já na parte final, na qual Jagger aparece revestido de plumas pretas e vermelhas e, no telão, emoldurado com um grafismo pertinente, parece um correspondente de Satanás falando ao vivo das profundezas do inferno para o Jornal Nacional. Dessa vez o duelo com Sasha, que arrisca uma sambadinha quadrada de leve, é mais picante. “Like a Rolling Stone”, escolhida pelo público na web, realça o belíssimo arranjo capitaneado pelo tecladista Karl Denson, depois de uma sutil citação a “Garota de Ipanema”, e o baixista Darryl Jones, que acompanha os Stones há mais de 20 anos, faz das suas na sensual “Miss You”. Entre muitas citações ao Rio, tanto Jagger quanto Richards relembram o show de 2006 em suas falas – como esquecer uma apresentação para mais de um milhão de pessoas em plena Praia de Copacabana? -, e até nisso se diferem de outros artistas que nem sabem em que cidade estão em suas turnês (veja como foi o show de Copacabana).

O bis, idêntico ao da turnê pela América Latina, tem o afinado Coral da PUC, que dá um tom mais vivo para a “You Can’t Always Get What You Want”, com ainda mais contornos da música negra de raiz dos Estados Unidos, fonte inesgotável para a carreira cinquentenária dos Rolling Stones. Cinquenta anos por si só tem “(I Can’t Get No) Satisfaction”, deixada para o encerramento mais certo que o nascer do sol. Mais do que uma música, trata-se de um ícone planetário da vida das pessoas, do mundo embalado não só pelo onipresente rock’n’roll, mas por tudo o que envolve o cotidiano de todos nós nesse último meio século. É oque coroa uma apresentação impecável calcada na excelência de um espetáculo em que cada detalhe é o mais importante para o contexto geral. E muito difícil de ser batido, nem pelos próprios Stones. Quem vê não esquece jamais.

Mick Jagger passa batido entre Keith Richards e Charlie Watts durante a apresentação do Maracanã

Mick Jagger passa batido entre Keith Richards e Charlie Watts durante a apresentação do Maracanã

Set list completo:

1- Start Me Up
2- It’s Only Rock ‘n’ Roll (But I Like It)
3- Tumbling Dice
4- Out of Control
5- Like a Rolling Stone
6- Doom and Gloom
7- Angie
8- Paint It Black
9- Honky Tonk Women
10- You Got the Silver
11- Before They Make Me Run
12- Midnight Rambler
13- Miss You
14- Gimme Shelter
15- Brown Sugar
16- Sympathy for the Devil
17- Jumpin’ Jack Flash
Bis
18- You Can’t Always Get What You Want
19- (I Can’t Get No) Satisfaction

O incansável Jagger canta e aponta para o público; com chuva forte, 66 mil pessoas lotaram o Maracanã

O incansável Jagger canta e aponta para o público; com chuva forte, 66 mil pessoas lotaram o Maracanã

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. fabio em fevereiro 22, 2016 às 17:13
    #1

    O show foi mesmo excelente! Impecável.
    Achei a organização muito ruim, pelo menos no meu caso que fui de pista comum.
    Só havia 1 entrada, que dava num gargalo ridiculo, devido à grade da pista VIP.
    As pessoas q chegavam na pista comum passavam por um aperto de fazer passar mal os mais idosos, ou claustrofobicos.
    Os banheiros da pista tambem estavam lamentavelmente imundos.
    Escutei tambem que a cerveja acabou em varios pontos de venda,e a comida estava escassa.
    Nessas horas a gente precisa reconhecer a otima organização do Rock in Rio, que dá de mil nesses shows do Maraca (exceto pela localização e facilidade de acesso).

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