Imagem é Tudo

Legado para o futuro

Documentário “Circo Voador – A Nave” mostra a trajetória do espaço de shows que há mais de 30 anos é a casa da cultura e da juventude brasileiras. Fotos: Reprodução.

circovoadranaveEra para ser um documentário, mas bem que tem roteiro de drama. Para ser levada às telas, a história da casa de shows que foi o embrião do rock brasileiro dos anos 1980 (e que recebeu todas as cenas dali pra frente) tem tantas idas e vindas, fins e recomeços, paixões e emoções que fica difícil de ser contada somente sob a ótica remissiva. Mesmo porque, no fundo, no fundo, o Circo Voador não é exatamente uma casa de shows - embora seja -, mas, como costuma se referir a ele a boss Maria Juçá, trata-se de um conceito, um projeto, agora convertido em uma saga cinematográfica intitulada “Circo Voador – A Nave”. O filme estréia em circuito na próxima semana, mas foi exibido para a imprensa na manhã desta terça (13/10), em uma sala no Catete, zona sul do Rio.

O doc cobre toda a história do Circo, desde a versão meteórica que tomou de assalto a Arpoador, durante o verão de 1982 e sua posterior “desautorização”, passando pelo pouso na Lapa e pela interrupção de oito anos, por conta de desmandos de políticos, até a estrutura definitiva que se tem nos dias de hoje. A diretora Tainá Menezes se valeu de um extenso trabalho de pesquisa, o que realça no filme a quantidade de imagens de shows da cada época abordada, e, diferentemente do usual em documentários dos novos tempos, não economiza com cortes abruptos, a pretexto de dar “dinâmica jovem” ou algo que o valha à narrativa.

Assim, é possível se deliciar com trechos longos como o da Blitz tocando no Circo do Arpoador ainda com um imberbe Lobão como baterista; uma performance de Luiz Melodia como dançarino, no meio de “Estácio, Holly Estácio”; Tim Maia usando a verve genial para reclamar dos “bicões” que invadiam seu camarim, verdadeira instituição da lona voadora; Barão Vermelho cantando “Eclipse Oculto” com Caetano Veloso, com direito a beijo em Cazuza no final; e o emocionante discurso de despedida de Rita Lee, entre outros. Depoimentos muito loucos como os de Tom Zé, que ainda aparece na inefável “noite das calcinhas”, em que colheu várias peças da plateia, tentam explicar o que, no fim das contas, é o Circo Voador. Tarefa realmente impossível, e que não é a intenção da produção.

Marcelo D2, malandro da Lapa nato e ex-vendedor de camisetas ali pelo Centro, conta como fazia pala pular a grade do Circo para participar do movimento, já que os tempos ainda eram de dureza. Marcelo Yuka, muito antes de ter banda, se virava no mesmo quesito, e por pouco não deu o primeiro mosh de cadeirante em show do Bad Brains. Ambos hoje têm o olhar diferenciado sobre a lona, o mesmo que o filme tenta mostrar, mais com a bem sacada edição de imagens, que de certa forma se completam por si só, do que com discursos por vezes obtusos. Acertadamente, não há narração no filme, só os depoimentos e a sucessão de registros de artistas sob a lona.

circovoadorantigo2

Pólo aglutinador da revolução do rock acional nos anos 80, junto com a Fluminense FM, o Circo Voador, contudo, tem seu trecho mais prolífico abreviado no filme. Não são muitos os atores desse processo inseridos na história, sobretudo de outros estados. Para estes, destaque para as falas de Marcelo Nova, do Camisa de Vênus, e de Clemente, do Inocentes, que, porém, abordam mais o ecletismo da programação, provavelmente estimulados pelo roteiro, do que da importância da Circo Voador para o alavancar de suas carreiras. Temas como as famosas desavenças entre produtores e a criação da vizinha Fundição Progresso também ficaram de fora, mesmo porque a produção, toda independente, foi bancada pelo próprio Circo Voador - ressalte-se.

João Gordo aparece em destaque por ter sido escolhido para Cristo no episódio do fechamento ilegal do Circo, na noite em que os punks entusiastas de Ratos de Porão e Garotos Podres, aos gritos, expulsaram espetacularmente um grupo de políticos do Circo Voador. O então prefeito César Maia exorbitou do poder que tinha, atendeu a um capricho de seu sucessor eleito, Luiz Paulo Conde, falecido este ano, e mandou fechar o Circo. O próprio Maia aparece no filme se gabando do contrário, de ter reaberto o Circo Voador oito anos mais tarde, o que de fato aconteceu, mas só depois de muita luta da produtora Maria Juçá, que ganhou uma ação contra a prefeitura na justiça e só conseguiu a construção do Circo como é hoje depois de meticulosa costura política. Toda a questão é bem esclarecida em “A Nave”.

Regulado por questões de orçamento e disponibilidade de verbas, o documentário levou cerca de cinco anos para ser concluído, e - repita-se – não contou com o apoio de leis de incentivo á cultura, como é comum em produções cinematográficas no Brasil. Mais que a história sendo contada e registrada para todo o sempre, o filme é precisa oportunidade para as novas gerações perceberem como as coisas podem ser feitas do nada, desde que sejam simplesmente iniciadas. Assim como foi o rock brasileiro dos anos 80. E assim como foi e continua sendo com o Circo Voador. A pré-estreia acontece no Cine Odeon, no Rio, na quinta, dia 22/10, e depois uma festa no Circo – é claro – segue comemorado; saiba mais. Para ver o trailer do filme, clique aqui.

circovoadornovo

Tags desse texto: ,

Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Maria Juçá em outubro 15, 2015 às 0:13
    #1

    Bragatto, li seu texto me deliciando. Ele saiu muito fresco e como um cristal/diamante revelou o que eu tentava organizar na minha cabeça cansada dessa surra que o filme me deu. Mas pensando bem depois dessa crítica acho que tudo valeu muito a pena. Vamos voar?

  2. Marcos Bragatto em outubro 15, 2015 às 9:12
    #2

    Obrigado, Juçá. Tô voando na tua carona faz tempo.

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado