O Homem Baile

Saturado

Em noitada de rock no Circo Voador, Cachorro Grande mostra guinada sonora cheia de efeitos, sem deixar de lado os hits; Far From Alaska cativa público e The Outs segue em viés de alta. Fotos: Nem Queiroz.

O vocalista Beto Bruno empunhando o pedestal do microfone: muito carisma e  nenhuma bajulação

O vocalista Beto Bruno empunhando o pedestal do microfone: muito carisma e nenhuma bajulação

Um ano depois de lançar o disco mais recente, “Costa do Marfim”, e depois de uma pá de tempo sem dar as caras no Rio, o Cachorro Grande, já de figurino remodelado, encabeçou uma noite de rock daquelas nesta sexta (4/9), no Circo Voador, incluindo bons shows do Far From Alaska e do The Outs. Explica-se que o tal álbum do Cachorro é uma guinada para um lado mais eletrônico do rock britânico, eterna fonte em que bebe o quinteto em generosas quantias. Em princípio, antes de a turnê começar, a ideia era tocar a íntegra do disco novo (saiba mais), mas não se pode reclamar de falta de ousadia quando seis das 11 desse repertório entram no set. E todas enfileiradas em um bloco único, depois de um início com três hits que levantam o público sem muita cerimônia.

No afã de marcar a nova fase, contudo, o grupo tem um som de palco saturado cuja sonoridade se torna padrão em quase todas as músicas. O volume é altíssimo, formando uma muralha sonora que interfere pesadamente em todos os arranjos, de modo que os efeitos escondidos aqui e acolá sufocam os instrumentos no desempenho individual de cada um. Quem mais sofre é o guitarrista Marcelo Gross, que só consegue ser ouvido em alguns solos, uma vez, que, no desenrolar das músicas, os detalhes das versões originais se perdem em meio a essa maçaroca sonora criada lá em cima, na mesa de som. Não fosse Gabriel Azambuja um mão de marreta inveterado, a bateria também teria desaparecido completamente. Como o procedimento não é exclusividade das músicas novas, todo o repertório é afetado.

Dupla infernal: o guitarrista Marcelo Gross, que sofreu como os efeitos no palco, e o viajante Beto Bruno

Dupla infernal: o guitarrista Marcelo Gross, que sofreu como os efeitos no palco, e o viajante Beto Bruno

Dito isso, deixa o rock rolar. E o bloco inicial é mesmo de atropelar. A sequência “Você Não Sabe o Que Perdeu”/“Hey Amigo”/“Que Loucura”, esta última numa versão mais enxuta, realça o poder de fogo de uma formação que toca junto já há uns 10 anos. Segurando uma garrafa de vinho que nunca chega ao fim, Beto Bruno segue firme à frente do quarteto, mostrando com naturalidade a diferença entre carisma e bajulação. E o público – não só a fila do gargarejo, que vibra a noite toda – se envolve instantaneamente. A parte final reserva momentos de puro rock na veia: “Lunático”, com show de Azambuja e um duck walk gaiato de Gross; “Sinceramente”, quando o público rouba a cena ao cantar longo trecho à capela, no início; “Roda Gigante”, que recupera o improviso perdido de “Que Loucura”; e o final inusitado com uma fusão de “Sexperienced” com “Holidays In The Sun”, dos Sex Pistols (foi isso mesmo?), numa verdadeira farra do rock.

Entre as novas, “Como Era Bom”, hit nato por conta de uma sequência de teclados preciosa, é disparado a melhor da noite, mesmo para aqueles que ainda não se familiarizaram com o disco novo - e já tem um ano minha gente! Mas “Eu Não Vou Mudar” também funciona muito bem - aí sim! -, com os efeitos eletrônicos embalando a música com uma identidade das mais interessantes. Beto Bruno não se intimida e Marcelo Gross entra no clima com a destreza que lhe é peculiar. A repetição do verso “Eu não vou mudar” acompanhada do crescente instrumental saturado se sai muito bem, muito embora o recado principal seja “apesar de você aqui sempre vai ser um bom lugar pra se viver”. Ou seja, com um ajustezinho lá na mesa de som dá para as várias fases dessa banda já rodada se relacionarem muito bem.

Far From Alaska e o som peculiar: o baixista Edu Filgueira e a vocalista e tecladista Cris Botarelli

Far From Alaska e o som peculiar: o baixista Edu Filgueira e a vocalista e tecladista Cris Botarelli

De eletrônica no meio do rock o Far From Alaska entende, e bastante. É em cima dessa alquimia que a banda natalense, sensação do rock brasileiro contemporâneo, aposta todas as suas fichas. Daí a convivência espontânea de riffs pesadões à Black Sabbath com efeitos e tecladeiras malvadões em uma mesma música. E tudo sem muita firula: são onze pauladas na moleira em menos de uma hora de show. Não custa lembrar que para sacar o FFA é preciso entender Jack White e adjacências. O guitarrista, de seu lado, pega quase tudo emprestado do Led Zeppelin e a cobra morde o próprio rabo ao chegar no Sabbath. O repertório é idêntico ao tocado há pouco mais de um mês em uma apresentação irretocável no Imperator (veja como foi), mas, no Circo Voador, o buraco é mais embaixo e o a banda sente o baque.

Nada que estrague a noite, muito porque o entrosamento das vocalistas Emmily Barreto e Cris Botarelli (também tecladista) só cresce, e porque a banda, honra seja feita, se garante em cima de um placo. As músicas mais legais são “Mama”, uma das mais colantes, em que Emmily solta um insuspeito falsete; “Rolling Dice”, com uma marcação de guitarra das boas; “Monochrome”, espécie de protótipo refinado da fusão rock e eletrônica do grupo; e “Communication”, outra pérola pop antes de ser deliciosamente pesada.

Mais cedo, o local The Outs mostra que segue crescendo em cima de um palco: o show dos caras só melhora. E olha que dessa vez uma pane em um cabo de guitarra quase estraga o início. O indisfarçável sotaque britânico Oasis/Beatles/Who realça a boa “Once Before”, e “Ainda me Lembro” se sobressai por grande força vocal (os três cantam) e pelo élan psicodélico. Pra ficar legal mesmo o grupo poderia cessar o rodízio de instrumentos e optar por um idioma só. Podem botar fé.

The Outs: a turma toda reunida pra tocar rock com sotaque britânico de várias épocas e muita psicodelia

The Outs: a turma toda reunida pra tocar rock com sotaque britânico de várias épocas e muita psicodelia

Set list completo Cachorro Grande:

1- Você Não Sabe o Que Perdeu
2- Hey Amigo
3- Que Loucura
4- Deixa Fuder
5- Nuvens de Fumaça
6- Eu Não Vou Mudar
7- Como Era Bom
8- Crispian Mills
9- Use o Assento Para Flutuar
10- O Que Vai Ser
11- Lunático
12- Bom Brasileiro
13- Roda Gigante
14- Dia Perfeito
15- Sinceramente
16- Sexperienced/Holidays In The Sun
Bis
17- Helter Skelter

Set list completo Far From Alaska:

1- Thievery
2- Another Round
3- Deadmen
4- Politiks
5- Rolling Dice
6- Communication
7- Rainbows
8- Mama
9- About Knives
10- Dino Vs Dino
11- Monochrome

Tags desse texto: , ,

Comentários enviados

Sem comentários nesse texto.

trackbacks

There is 1 blog linking to this post
  1. Rock em Geral | Marcos Bragatto » Blog Archive » Estabilizado

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado