O Homem Baile

Hipnose coletiva

Com repertório bem sacado, Dream Theater valoriza nova fase e pinça pérolas do passado que garantem a satisfação do renovado público. Fotos: Daniel Croce.

O vocalista James LaBrie cuidou bem da voz durante o show do Dream Theater e ela durou até o fim

O vocalista James LaBrie cuidou bem da voz durante o show do Dream Theater e ela durou até o fim

Um show do Dream Theater sem “Pull Me Under” ou “Metropolis”? Era a pergunta que um fã afastado das últimas estripulias do grupo faria ao entrar no Vivo Rio, ontem, durante o show da chamada “Along for the Ride Tour”. Desde janeiro a turnê vem rodando o mundo e passa por sete cidades brasileiras (saiba mais), no maior giro já feito pelo DT no Brasil. Mas para a grande maioria dos fãs é uma noite especial, pois trata-se de um show que o Dream Theater há tempos chama de “an evening” (algo como um entardecer com a banda), com repertório pinçado de várias fases, incluindo coisas bem antigas, não só como promoção do álbum mais recente, autointitulado, lançado no ano passado (resenha aqui). É “an evening” pra lá, “an evening” pra cá, tudo o que se escuta nas conversas entre os grupos que, somados, lotam a casa.

Jamais em um show do Dream Theater os músicos mandam mal, mas ocorre que agora os quatro estão na ponta dos cascos, tanto no ato de compor e si como ao executar, ao vivo, de forma vibrante e mesmo contagiante, o repertório escolhido. Há quem atribua o grande momento à saída do baterista Mike Portnoy, notório motivador de estresse, que teria aliviado a convivência em uma banda que beira (já?) os 30 anos de estrada. Embora para o público a perícia técnica seja imprescindível, a ponto de tal música ser adorada por “ser difícil de tocar em quase todas as partes”, a própria banda tem se preocupado (leia aqui entrevista com John Petrucci, e aqui com Jordan Rudess) em compor canções mais cativantes, com certo sotaque pop, sem perder a tal referência técnica e de arranjos quase sempre grandiloquentes. É duro, mas, quando consegue: bingo!

O baixista John Myung e o guitarrista John Petrucci duelam em frente ao baterista Mike Mangini

O baixista John Myung e o guitarrista John Petrucci duelam em frente ao baterista Mike Mangini

Assim, não é por acaso que a entrada de “The Looking Glass”, uma das cinco do novo álbum incluídas no set, já levanta o público e faz o refrão ser cantado com o gogó do povão afiado. A música, de forte inspiração no Rush (que descobriu mais cedo a interessante veia pop), ainda é pretexto para um showzinho particular do baterista Neil…, ops, Mike Mangini, completamente entrosado na fase pós Portnoy. Outra desse naipe é “Lie”, com refrãozaço e riff pesado ao mesmo tempo, emendada em “The Mirror”, o que, embora esperado por quem já saiba o que o quinteto vem tocando no giro, causa furor de chapante novidade. As duas são do álbum “Awake”, resgatadas exatos de 20 anos atrás, fato lembrado por James LaBrie. O vocalista preocupa toda vez que vai ao lado da bateria tomar um remediozinho para as cordas vocais, mas vai bem até o fim, em que pese as longas passagens instrumentas que lhe dão descanso.

O ponto alto da apresentação, entre tantos momentos de verdadeira hipnose coletiva, só pode ser o bis, em que o grupo manda nada menos que quatro músicas do álbum “Metropolis Pt. 2: Scenes from a Memory”, um dos mais queridos da carreira, para alegria da plateia, sobretudo os mais jovens – é impressionante como se renovam os fãs de Dream Theater. O refrão de “Strange Déjà Vu” é cantado a plenos pulmões, e “The Dance Of Eternity” ganha um eloquente cantarolar que aponta para o desfecho em grade estilo, com “Finally Free”. A música, que nem é essa coca-cola toda, ganha um arranjo crescente no final (quem disse que tem que ser igualzinho ao disco?) que deságua em evoluções pesadas dignas de marcar o encerramento de um anoite memorável até para quem esteve em todas as turnês que o DT fez pelo Brasil, graças ao bem sacado repertório da tal “an evening”.

Um pouco da parafernália do tecladista Jordan Rudess; o keytar estilizado está escondido atrás dele

Um pouco da parafernália do tecladista Jordan Rudess; o keytar estilizado está escondido atrás dele

Mas para chegar até o bis é chão: são exatas três horas de show com 15 minutinhos de um intervalo repleto de piadas no telão. Antes, vale o registro de que “On The Backs Of Angels”, mantida da turnê do álbum anterior, segue convincente com John Petrucci e sua barba tipo burca enfileirando solos sobre solos; que “The Shattered Fortress”, uma das recentes (não “The Enemy Inside”), é que abre a noite pra valer, a custa de riffs colantes de Petrucci e com LaBrie envolto em uma bandeira do Brasil lançada pela plateia; e que a instrumental “Enigma Machine”, do álbum novo, sobretudo ao vivo, é uma peça de extremo bom gosto, a ponto de o solo enxuto de Mangini ter se transformado em reles detalhe. Exercício obrigatório, sobretudo para uma banda de prog metal, deveria ter excedido - e muito – os dois minutinhos e pouco. É muito tambor pra pouco solo.

O show tem grande apelo visual, seja em historinhas contadas no telão, em animação ou com imagens preparadas para essa turnê, ou em artifícios de palco que incluem a bateria de quatro bumbos e mil tambores de Mangini; o teclado giratório inclinado de Jordan Rudess, cuja câmera exclusiva mostra o arsenal usado no show, e ele ainda toca um estilizado keytar em duas ou três músicas e usa um chapéu de mago; e os duelos quase físicos de Petrucci e John Myung, o homem de gelo. Pena que o palco baixo e o piso nivelado do Vivo Rio reduzam a aproveitamento completo da experiência. O que seguramente não conta no balanço geral do púbico que se esbaldou com uma banda que sabe como poucas valorizar a fase atual e aproveitar o raro repertório espalhado pelo caminho. Daí que ninguém pensou em clamar por “Metropolis” nem por “Pull Me Under”. Oportunidade não deverá faltar.

John Petrucci e a barba tipo burca: sem Mike Portnoy ele é o cara que dá as cartas no Dream Theater

John Petrucci e a barba tipo burca: sem Mike Portnoy ele é o cara que dá as cartas no Dream Theater

Set list completo:

1- The Enemy Inside
2- The Shattered Fortress
3- On the Backs of Angels
4- The Looking Glass
5- Trial of Tears
6- Enigma Machine
7- Along for the Ride
8- Breaking All Illusions
Intervalo
9- The Mirror
10- Lie
11- Lifting Shadows Off a Dream
12- Scarred
12- Space-Dye Vest
14- Illumination Theory
Bis
15- Overture 1928
16- Strange Déjà Vu
17- The Dance of Eternity
18- Finally Free

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Rafael Navarro em outubro 7, 2014 às 13:20
    #1

    Caro Bragatto, e a resenha sobre o show espetacular do Exodus? O Dream Theater, que vi em todas as vezes que vieram ao Rio (até no Imperator em 97), não precisava de uma nova resenha. Agora o Exodus com Zetro Souza merecia. Uma pena! Se quiser posso fazê-la. Acompanho seu site e é merecedor de todos os elogios.

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