Hipnose coletiva
Com repertório bem sacado, Dream Theater valoriza nova fase e pinça pérolas do passado que garantem a satisfação do renovado público. Fotos: Daniel Croce.
Jamais em um show do Dream Theater os músicos mandam mal, mas ocorre que agora os quatro estão na ponta dos cascos, tanto no ato de compor e si como ao executar, ao vivo, de forma vibrante e mesmo contagiante, o repertório escolhido. Há quem atribua o grande momento à saída do baterista Mike Portnoy, notório motivador de estresse, que teria aliviado a convivência em uma banda que beira (já?) os 30 anos de estrada. Embora para o público a perícia técnica seja imprescindível, a ponto de tal música ser adorada por “ser difícil de tocar em quase todas as partes”, a própria banda tem se preocupado (leia aqui entrevista com John Petrucci, e aqui com Jordan Rudess) em compor canções mais cativantes, com certo sotaque pop, sem perder a tal referência técnica e de arranjos quase sempre grandiloquentes. É duro, mas, quando consegue: bingo!
Assim, não é por acaso que a entrada de “The Looking Glass”, uma das cinco do novo álbum incluídas no set, já levanta o público e faz o refrão ser cantado com o gogó do povão afiado. A música, de forte inspiração no Rush (que descobriu mais cedo a interessante veia pop), ainda é pretexto para um showzinho particular do baterista Neil…, ops, Mike Mangini, completamente entrosado na fase pós Portnoy. Outra desse naipe é “Lie”, com refrãozaço e riff pesado ao mesmo tempo, emendada em “The Mirror”, o que, embora esperado por quem já saiba o que o quinteto vem tocando no giro, causa furor de chapante novidade. As duas são do álbum “Awake”, resgatadas exatos de 20 anos atrás, fato lembrado por James LaBrie. O vocalista preocupa toda vez que vai ao lado da bateria tomar um remediozinho para as cordas vocais, mas vai bem até o fim, em que pese as longas passagens instrumentas que lhe dão descanso.O ponto alto da apresentação, entre tantos momentos de verdadeira hipnose coletiva, só pode ser o bis, em que o grupo manda nada menos que quatro músicas do álbum “Metropolis Pt. 2: Scenes from a Memory”, um dos mais queridos da carreira, para alegria da plateia, sobretudo os mais jovens – é impressionante como se renovam os fãs de Dream Theater. O refrão de “Strange Déjà Vu” é cantado a plenos pulmões, e “The Dance Of Eternity” ganha um eloquente cantarolar que aponta para o desfecho em grade estilo, com “Finally Free”. A música, que nem é essa coca-cola toda, ganha um arranjo crescente no final (quem disse que tem que ser igualzinho ao disco?) que deságua em evoluções pesadas dignas de marcar o encerramento de um anoite memorável até para quem esteve em todas as turnês que o DT fez pelo Brasil, graças ao bem sacado repertório da tal “an evening”.
Mas para chegar até o bis é chão: são exatas três horas de show com 15 minutinhos de um intervalo repleto de piadas no telão. Antes, vale o registro de que “On The Backs Of Angels”, mantida da turnê do álbum anterior, segue convincente com John Petrucci e sua barba tipo burca enfileirando solos sobre solos; que “The Shattered Fortress”, uma das recentes (não “The Enemy Inside”), é que abre a noite pra valer, a custa de riffs colantes de Petrucci e com LaBrie envolto em uma bandeira do Brasil lançada pela plateia; e que a instrumental “Enigma Machine”, do álbum novo, sobretudo ao vivo, é uma peça de extremo bom gosto, a ponto de o solo enxuto de Mangini ter se transformado em reles detalhe. Exercício obrigatório, sobretudo para uma banda de prog metal, deveria ter excedido - e muito – os dois minutinhos e pouco. É muito tambor pra pouco solo.O show tem grande apelo visual, seja em historinhas contadas no telão, em animação ou com imagens preparadas para essa turnê, ou em artifícios de palco que incluem a bateria de quatro bumbos e mil tambores de Mangini; o teclado giratório inclinado de Jordan Rudess, cuja câmera exclusiva mostra o arsenal usado no show, e ele ainda toca um estilizado keytar em duas ou três músicas e usa um chapéu de mago; e os duelos quase físicos de Petrucci e John Myung, o homem de gelo. Pena que o palco baixo e o piso nivelado do Vivo Rio reduzam a aproveitamento completo da experiência. O que seguramente não conta no balanço geral do púbico que se esbaldou com uma banda que sabe como poucas valorizar a fase atual e aproveitar o raro repertório espalhado pelo caminho. Daí que ninguém pensou em clamar por “Metropolis” nem por “Pull Me Under”. Oportunidade não deverá faltar.
Set list completo:1- The Enemy Inside
2- The Shattered Fortress
3- On the Backs of Angels
4- The Looking Glass
5- Trial of Tears
6- Enigma Machine
7- Along for the Ride
8- Breaking All Illusions
Intervalo
9- The Mirror
10- Lie
11- Lifting Shadows Off a Dream
12- Scarred
12- Space-Dye Vest
14- Illumination Theory
Bis
15- Overture 1928
16- Strange Déjà Vu
17- The Dance of Eternity
18- Finally Free
Tags desse texto: Dream Theater
Caro Bragatto, e a resenha sobre o show espetacular do Exodus? O Dream Theater, que vi em todas as vezes que vieram ao Rio (até no Imperator em 97), não precisava de uma nova resenha. Agora o Exodus com Zetro Souza merecia. Uma pena! Se quiser posso fazê-la. Acompanho seu site e é merecedor de todos os elogios.