O Homem Baile

Paulada sombria

Em show marcado por entrega e intensidade, HIM estreia no Brasil e encontra plateia histérica e absolutamente nas mãos. Fotos: Taiz Dering/Divulgação HSBC Brasil.

O sorridente vocalista Ville Valo transbordou carisma no palco e mostrou que está com o gogó em dia

O sorridente vocalista Ville Valo transbordou carisma no palco e mostrou que está com o gogó em dia

A imagem do baterista Mika Karppine e seus quilinhos a mais enrolado em uma bandeira brasileira customizada com o símbolo do HIM no círculo central, fazendo o gesto oriental de adoração para a plateia antes de ir embora do palco bem que pode sintetizar o que foi a estreia do grupo no Brasil. A cena, somada aos sorrisos nada econômicos do vocalista Ville Valo, figura central do grupo, deram o tom de satisfação coadjuvada por cerca de quatro mil pagantes que abarrotaram o HSBC Brasil, ontem, em São Paulo. Uma interação mediata e eloquente que só poderia acontecer entre uma banda definitivamente especial e um público do tipo “duro na queda”. Poucas vezes se vê um encontro tão bem moldado, sobretudo em se tratando de uma banda obscura e que trata de temas tão pouco felizes como o HIM.

Mas quase que a coisa não acontece desse jeito. Durante a tarde, longas filas tiveram que durar mais que o necessário quando veio a informação de que a casa, que deveria abrir às 18h, ficaria com as portas cerradas por mais duas horas. O motivo era um atraso na passagem de som do show (dava pra ouvir do lado de fora), cujo horário já havia sido postergado das 20h para a 21h30 de um domingo, assim que o anúncio foi feito, em dezembro. O motivo seria a logística do transporte dos equipamentos da banda do México para o Brasil. Não havia, contudo, com o que se preocupar: na bilheteria ainda havia ingressos para Pista e Camarote. E, a bem da verdade, como prometido a pontualidade dos finlandeses foi britânica.

Mikko Lindström usou a guitarra para mostrar que, no HIM, não é só Ville Valo quem dá as cartas

Mikko Lindström usou a guitarra para mostrar que, no HIM, não é só Ville Valo quem dá as cartas

A primeira coisa perceptível é que, antes melancólico, soturno e de feições deprê durante os shows, Ville Valo surge no placo com um largo sorriso que não iria mais sair de seu rosto de traços mal acabados. Mas o que impressiona é que o HIM veio ao Brasil para mostrar que é uma banda de verdade – não apenas músicos que projetam um vocalista carismático – e com a intenção de botar pra quebrar. Logo em “The Kiss Of Dawn”, a quarta da noite, Valo dá brecha para que o guitarrista Mikko Lindström desande a solar como se o show entrasse em um estado de transe definitivo e sem hora para acabar. Ele é acompanhado de perto pelo baixista Mikko Paananen – que deu fim na cabeleira – e os dois, com a potência do som de rachar a moleira, tratam de repetir a perfomance várias vezes durante a noite, como em “When Love And Death Embrace”, que encerra o segundo bis. Imagine que até o tecladista Janne Puurtinen, cujo ofício é criar climas nas músicas, tem lá sua oportunidade de solar.

Acontece que não há tempo a perder e o quinteto emenda uma música na outra sem dó. De repente lá se vão quase uma hora de show quando a macia “Wicked Game”, talvez o grande hit do grupo, embora cover de Chris Isaak, entre em cena. Antes, com – repita-se – o som to talo, foi pau puro. Mesmo em músicas menos agitadas como a bela “Join Me to Death” o couro come pra valer. Na canção, o grupo usa globos espelhados que refletem a luz na parte de cima do palco, evidenciando o tom brega/romântico que lhe é peculiar. Em “Poison Girl”, os feixes de luz rosa que apontam para Ville Valo remetem à capa do álbum “Razor Blade Romance”, um dos poucos lançados e bem circulados no Brasil, e do qual são aproveitadas três músicas no show. Fora isso, a luz do palco é quase sempre uma soturna penumbra esfumaçada, como bem manda o tipo de som praticado pelo HIM.

Escuridão: o baixista Mikko Paananen, Ville Valo e, no fundo, o baterista mão pesada Mika Karppine

Escuridão: o baixista Mikko Paananen, Ville Valo e, no fundo, o baterista mão pesada Mika Karppine

Valo sobe ao palco de boné e com um terninho de sedutor barato de cabaré de fazer inveja a Brian Ferry, mas que funciona muito bem. Na parte final do show, usa o cigarro como alegoria retrô de um canalha do baixo meretrício da Lapa dos anos 20. E o povo gosta. As moças em especial vibram tanto que jogam um sutiã no palco, na sugestiva “Soul On Fire”, e elas próprias se lançam ao palco, nem sempre contidas por assistentes; uma chega a dar um abraçaço em Ville Valo. Mas, sim, ele sabe cantar e, ao vivo, reproduz a peculiaridade de lançar mão dos tons mais graves do rock mundial desde Andrew Eldritch, e em questão de segundos passar para uma voz suave de grande alcance. É quase inacreditável que isso aconteça, ao vivo, igualzinho à gravação, nos discos

Embora seja essa a turnê do disco mais recente do grupo, “Tears On Tape”, lançado no ano passado e que comparece com três boas músicas, o repertório soa, de certa forma, mal ajambrado. Se traz quatro músicas de “Greatest Love Songs Vol. 666”, o primeiro disco, incluindo a cavernosa “It’s All Tears (Drown in This Love)”, com microfone enfiado na garganta e tudo, omite bons momentos da carreira do HIM, como o álbum “Dark Light”, solitariamente representado por “Rip Out the Wings of a Butterfly”, que, ao vivo, vira um petardo daqueles. Embora não seja elegante que se cobre que um grupo mude o planejamento de uma turnê só porque está vindo ao Brasil pela primeira vez, a lista de ausências irremediáveis, pela ordem, é grande: “Pretending”, “Razorblade Kiss”, “Heartache Every Moment”, “Heartkiler”, “Killing Loneliness” “The Sacrament” e por aí vai.

Vista geral do palco do HIM: obscuro, esfumaçado, sombrio, mas com o 'pentagrama do amor' ao fundo

Vista geral do palco do HIM: obscuro, esfumaçado, sombrio, mas com o 'pentagrama do amor' ao fundo

E ainda há que se observar que a sequência das músicas é montada no sentido contrário do que se espera em um show. Os caras do HIM deixam para o final de cada bloco não as mais empolgantes, mas as mais torturantes, arrastadas e sombrias composições. O que é “When Love And Death Embrace” senão uma peça tristonha pinçada do pós punk inglês oitentisa? E “Funeral Of Hearts”, que cria literalmente um clima de profunda despedida só identificada com verdadeiros velórios da alma? O artifício realça ainda mais a conexão reta do HIM com o gotic rock da década de 80 – leia-se The Sisters Of Mercy e adjacências -, só que turbinado pelo peso do metal e pela contemporaneidade dos nossos tempos, numa bela atualização que liga épocas tão esteticamente distantes. Além da emoção perene de um público na mão, a imagem que fica é de uma banda certinha que, tocando com essa formação há tanto tempo, possui um entrosamento fantástico e um repertório considerável e de contornos bem próprios. Não tinha como dar errado mesmo.

Set list completo:

1- Buried Alive By Love
2- Rip Out the Wings of a Butterfly
3- Right Here in My Arms
4- The Kiss of Dawn
5- All Lips Go Blue
6- Join Me in Death
7- Your Sweet Six Six Six
8- Passion’s Killing Floor
9- Soul on Fire
10- Wicked Game
11- Tears on Tape
12- Poison Girl
13- For You
14- The Funeral of Hearts
Bis
15- Into the Night
16- It’s All Tears (Drown in This Love)
17- When Love and Death Embrace
Bis
18- Sleepwalking Past Hope

HIM: outra visão panorâmica com a banda toda perfilada no palco do HSBC Brasil, em São Paulo

HIM: outra visão panorâmica com a banda toda perfilada no palco do HSBC Brasil, em São Paulo

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Thamires em abril 1, 2014 às 9:30
    #1

    Primeiro texto decente falando do show! Amei!

  2. Talita em abril 1, 2014 às 20:54
    #2

    Eu Fui! Épico!

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