Som na Caixa

Motörhead
Aftershock

(Warner)

motorheadaftershockO ano de 2013 não nada fácil para Lemmy Kilmister, que sofreu com problemas de saúde, teve que sair dos palcos sem fôlego, chegou a ser dado como morto e teve um marca passo instalado no peito. Mesmo assim, ele levou o Motörhead a lançar o 21º e mais bem sucedido álbum, a julgar pelo inédito 22º lugar alcançado na parada americana. Considerando essa configuração, “Aftershock” é, por si só, uma vitória. Mas não é preciso nenhuma dose de benevolência ou olhar condescendente sobre este cansado ícone do rock de 68 anos para se chegar a conclusão que estamos diante de um grande disco, talvez o melhor da banda desde “Orgasmatron”, de 1986 – muito embora o Motörhead dificilmente faça um disco ruim, e ao menos outros três petardos mereçam honrosa menção no período: “Bastards” (1993), “Motörizer” (2008) e “The Wörld Is Yours” (2010).

Isso porque, com mais de 20 anos, essa formação de trio, completada por Phil Campbell (guitarra) e Mikkey Dee (bateria), desenvolveu uma extraordinária capacidade de compor grandes rocks, em que pese a sina do grupo de ser sempre associado ao rock pesado – associação inequívoca, diga-se. Por isso logo de cara se descobre a pérola “Silence When You Speak To Me”, uma das melhores músicas de 2013 e que facilmente estaria tocando em uma rádio perto de você caso as rádios ainda fossem relevantes. Com batida cadenciada, trata-se uma canção cativante de fazer inveja a qualquer artista pop, só que com o peso e a indelével voz de jato de areia de Lemmy, que, curiosamente, clama por silêncio para que se possa ouvir o barulho. Um belo solo de Campbell, do tipo econômico, mas eficaz, salienta ainda mais o riff condutor da música.

Engana-se o sujeito que tem para si o conceito de que o Motörhead é daquelas bandas que, como o Ramones, faz todas as músicas, todos os discos, como se fossem os mesmos. Se nem a turma de Johnny Ramone era assim, muito menos a de Lemmy. A base da música do Motörhead, como não se cansa de repetir o próprio Lemmy, é o blues de raiz, de onde ele sempre colhe grandes riffs, grooves e um suingue próprio de quem conhece absolutamente tudo nesse ramo. Afinal, não custa lembrar que o baixista é o rock antes do rock. Por isso aparecem músicas como “Lost Woman Blues”, entregue já no título, e a ótima “Crying Shame”, com slide guitar e um tecladinho a Little Richards – ídolo de Lemmy – malandramente escondido no decorrer do período. E ainda “Knife”, que, perdida na parte final do CD, tinha como sina não ser lembrada. Mas como resistir ao seu apelo “rock’n’roll de salão” para dançar?

Que não se assuste, entretanto, quem se acostumou com o Motörhead como ícone de um barulhento o crossover punk/heavy metal. Porque é impossível largar essa pecha com o emblemático baixo estalado/espancado de Lemmy, as guitarras pulsantes de Phil Campbell e o vigor (não só físico) de Mikkey Dee. Por isso o fator cativação por vezes cede espaço a porradas como a matadora “End Of Time”; a destruidora “Paralyzed”, verdadeiro convite à bateção de cabeça, que arremata o álbum de modo soberbo; a tensa “Death Machine” ou “Going to Mexico”, prima de “Going to Brazil” - é cara do Motörhead fazer isso -, entre outras. E sem que isso torne este “Aftershock” por si só menos atraente. Ao contrário, é o que faz desse disco o suprassumo do que representa o Motörhead no mundo do rock: relevante, ainda que não totalmente percebido.

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