O Homem Baile

Farra dos ecléticos

Com aplauso vazio, público do Teatro Mágico ignora conteúdo na noite principal do Festival Fora do Eixo RJ; Maglore se destaca entre as novidades. Fotos: Luciano Oliveira.

Fernando Anitelli: 'a poesia prevalece' num espetáculo circence de gosto pra lá de duvidoso

Fernando Anitelli:

Não é qualquer banda que tem a moral de voltar para um segundo bis, na alta madrugada, sem que o público arrede o pé do local do show. O Teatro Mágico tem e pôs à prova toda a fidelidade da platéia na noite principal do Festival Fora do Eixo, sexta, no Circo Voador. O show – como se sabe – tem de tudo: perna de pau, monstros, capetas, bailarinos, pirata, malabares… Se até os integrantes sobem no palco fantasiados, e o líder do grupo – Fernando Anitelli – usa um figurino de palhaço/pierrô/bate bola, imaginem o resto. Até no meio do público se vê incautos com rosto maquiado e/ou usando roupas inspiradas na banda.

O Tereza desperdiçou uma boa oportunidade

O Tereza desperdiçou uma boa oportunidade

Isso, no entanto, é o de menos. O problema é que a banda (as músicas, o show) é ao mesmo tempo baseada numa ode declarada à poesia, salientando um conteúdo pseudo- intelectual cafona que transforma Anitelli num sério candidato ao prêmio de sujeito mais chato que já subiu num palco em todos os tempos. É o tipo de pessoa que responde a um “bom dia” explicando o porquê disso ou daquilo. Não é possível saber se é mais chato suas falas e brincadeiras ensaiadas para parecerem espontâneas (imita Michael Jackson, simula defeito em um PC, recebe um Ronaldinho vascaíno no palco) ou as músicas propriamente ditas.

O trabalho do Teatro Mágico não é só uma mistura bizarra de Los Hermanos/Cordel do Fogo Encantado/Gogol Bordello/Manu Chao. As músicas tocadas pelo grupo remetem sempre a outras já conhecidas do público, em geral de gosto questionável. É axé, é Luan Santana, é dancinha ensaiada com braços coreografados à Padre Marcelo, é Chico Science e DJ Dolores (citados de verdade), é reggae, é música regional, é coisa do capeta – que, aliás, aparece gigante numa das músicas. Só que o público não está nem aí. Descerebrado, representa a crescente massa dos que se dizem ecléticos e gostam de tudo, mas não se interessam por nada – porque sequer sabem do que se trata. É nessa farra dos ecléticos que o Teatro Mágico, com pretensiosa verve em decalque, encontra poderosa audiência.

A vocalista/guitarrista do Gloom, Niela

A vocalista/guitarrista do Gloom, Niela

O show é espécie de encerramento da turnê do segundo álbum, “Segundo Ato”, de 2008, e mostra algumas músicas novas, uma vez que o terceiro trabalho já está em fase de produção. No terceiro bis, vários convidados sobem ao palco. Harmônica, acordeom e saxofone são só alguns dos instrumentos genéricos que sustentam o que Anitelli chama de “tudo junto numa coisa só”. No final ele ainda desce no meio da plateia, num número de despedida. É uma forma de agradecimento a um público magnetizado pelo artista em todos os sentidos. A massa sem rumo, no fim das contas, é o que realça aos olhos na noite principal dessa edição do Fora Do Eixo RJ.

Entre as novidades, impossível não observar o som agradável do Maglore, a única banda da noite a apresentar boas músicas, algumas com refrões colantes que conquistaram parte o público; terceira a tocar, já encontrou muita gente. O pop rock dos caras é de pegar na primeira ouvida, sobretudo em músicas como “Todos os Amores São Iguais”, chiclete dos bons, e “Demodê”. É verdade que o quarteto sofre forte influência de Los Hermanos, sobretudo no jeito de Teago Oliveira cantar, mas a banda é nova e não deve padecer desse mal por muito tempo. A batida surf e suave de “Às Vezes Um Clichê” também colocou o público para cantar e dançar de imediato, e a meia hora reservada aos baianos pareceu pouquíssimo tempo.

Mr. Jungle: boas referências e mais nada

Mr. Jungle: boas referências e mais nada

Quem desperdiçou a chance de açambarcar o público da atração principal, foi o Tereza. Embora não tenha bom repertório, o grupo – banda de baile que é – costuma fazer bons shows, e tocou antes do Teatro Mágico. Mas, à exceção de seguidores concentrados num canto da plateia, que cantavam numa ou outra música, o show do grupo não conseguiu empolgar. No final, dada a impaciência do público, até algumas vaias se esboçaram, mas vale ressaltar que o grupo parece encontrar um rumo: se antes atirava para tudo que é lado, hoje parece fiel ao rock dos anos 00 à Strokes. Com certo atraso, mas tudo bem. Resta saber o porquê de a banda ser escalada em todos os eventos do Fora do Eixo no Rio.

O Gloom, de Goiânia, é uma espécie de antibanda que não sabe bem o que quer. Tem formação esquisita, de fanfarra, uma vocalista sem jeito e instrumentos secundários (trompete e saxofone) aparecendo mais que o necessário. Ou seja, não há boa música que resista a arranjos deveras estapafúrdios. O show teve a participação luxuosa de Gabriel Bubu, do Do Amor, em duas músicas, o que não ajudou a salvar a parada. Investindo num hard rock de raiz, o Mr, Jungle, de Roraima, poderia ter oferecido muito mais, caso o grupo tivesse boas composições. Boa parte dos riffs é ótima, a batida pesada contagia, mas o quarteto peca por falta de conteúdo. Tanto que muitas músicas remetem a clássicos do rock, como “Jumping Jack Flash”, dos Stones, e “Highway Star”, do Deep Purple, por exemplo. E o grupo enxertou a cover de “Back In Black”, do AC/DC para engrossar o repertório. Há muito o que fazer, mas a largada não chega a ser ruim.

Revelação: com boas composições e refrões colantes, o Maglore se destaca na noite principal do festival

Revelação: com boas composições e refrões colantes, o Maglore se destaca na noite principal do festival

Clique aqui pra ver como foi a primeira noite do Festival Fora do Eixo RJ

O Festival Fora do Eixo RJ continua no próximo final de semana, com shows no Rio, Niterói e Nova Friburgo. Clique aqui para ver a programação completa.

Tags desse texto:

Comentários enviados

Existem 15 comentários nesse texto.
  1. Luciano Oliveira em junho 20, 2011 às 14:15
    #1

    Sintético, objetivo e com opiniões que vao ao encontro das deste leitor. Ótimo texto! Abracos.

  2. Rafael em junho 20, 2011 às 15:33
    #2

    “Descerebrado, representa a crescente massa dos que se dizem ecléticos e gostam de tudo, mas não se interessam por nada – porque sequer sabem do que se trata.” Hahahahahahahahahaha! Matou a pau, perfeito!!!

  3. @metheoro em junho 20, 2011 às 22:40
    #3

    Há sete anos eu conheço o Teatro Mágico, na verdade há oito, e vejo os mesmos textos… com as mesmas críticas.

    Sinceramente, até a crítica (que não gosta) deveria se re-inventar, gente. Sério.

  4. Milene em junho 21, 2011 às 6:24
    #4

    Putz, mas esses shows Fora do Eixo aí… que saco. Sempre as mesmas bandas, todas no pseudo-cult style. Tem tanta banda boa independente aí pelo Brasil, se dizem “globais” mas é sempre a mesma coisa. E cadê o roquenrrôu de verdade?

  5. manoel vilas boas em junho 21, 2011 às 16:07
    #5

    Olá, Marcos. Só corrigindo, tocamos “Highway to Hell” e não “Back in Black”.
    Agradeço de verdade as críticas e tomamos como lição. Começamos segundo disco já com as composições seguindo a linha do começo do show. O primeiro álbum tem 75% da linha mais básica do rock (que eu gosto) mas que não condiz com a cara atual da banda.
    Leve em consideração que tocar para um público pequeno e abrir para shows de bandas indie/pop com o som que nós temos é, digamos, meio complicado. Mas tiro como positiva sua crítica.

    Milene, se você curte rock de verdade, procure o som do Mr Jungle na net.

  6. Bruno Matos em junho 21, 2011 às 21:18
    #6

    Se toda a crítica é unânime, talvez o problema não seja ela.

  7. Bruno Matos em junho 21, 2011 às 21:28
    #7

    Quanto a mesmice dos shows Fora do Eixo, Maglore, a única considerada positiva nessa resenha, é uma novidade… E bem longe de ser pseudo-cult style.

  8. Milene em junho 22, 2011 às 14:06
    #8

    Essa Maglore até curti o som, apesar de não ser o estilo que costumo ouvir… mas todo mês? Poderiam variar pelo menos o local dos shows.

  9. Bruno Matos em junho 22, 2011 às 18:46
    #9

    No outro mês foi evento da Melody Box, sem qualquer ligação com o Fora do Eixo.

  10. Bruno Matos em junho 22, 2011 às 19:14
    #10

    Uma coisa eu concordo. Tem que variar a banda da casa, parece que só tem a Tereza.

  11. Antonio Bolognani em junho 29, 2011 às 11:37
    #11

    Marcos Bragatto,
    Parabens pelas observações que fez a respeito deste festival. Toquei saxofone na noite de sexta no Circo Voador e tenho suas observações como elegios construtivos dentro de nosso trabalho.
    Grato.

  12. Antonio Bolognani em junho 29, 2011 às 17:57
    #12

    Lembrando, eu toquei com a Banda Gloom.

  13. Zélio Marulo Jr em julho 26, 2011 às 12:25
    #13

    O Teatro Mágico é uma inovação, uma crescente promessa na nossa música, que anda cada dia menos criativa. O Teatro tem letra, melodia e o próprio teatro. O fato de ter influência de outras bandas é notável mas daí a isso ser um problema, não concordo.

    “Descerebrado, representa a crescente massa dos que se dizem ecléticos e gostam de tudo, mas não se interessam por nada – porque sequer sabem do que se trata.”

    Como não saber do que se trata? O Teatro encanta, tanto com suas letras, como em suas apresentações, sem modismos, sem presunções. O público é público e é fiel. Vi muitas críticas a respeito de Los Hermanos na época, e hoje em dia? Foi considerada uma das grandes bandas nacionais.

    No final das contas, gosto é gosto. E quem não gosta, certamente não conhece.

  14. Janis em novembro 30, 2011 às 13:34
    #14

    Tudo que o Teatro Mágico tenta fazer o Genesis já fazia a 40 anos… a proposta é interessante sim, mas falta competência para criar uma identidade própria em cima de tantas influências.

  15. Bruno Nigro em novembro 30, 2011 às 13:34
    #15

    ‘No final das contas, gosto é gosto. E quem não gosta, certamente não conhece.’

    Ah, claro. Se conhece, é obrigado a gostar. Confere?!

trackbacks

There is 1 blog linking to this post
  1. Rock em Geral | Marcos Bragatto » Blog Archive » Final discreto

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado