O Homem Baile

Delírios da trupe

No lançamento do novo DVD, Pitty foge do óbvio, amplia repertório e se deixa levar pela empolgação do público do Circo Voador. Fotos: Luciano Oliveira.

Pitty voltou ao local onde o novo DVD foi gravado e viveu noite de nostalgia em relação à gravação

Pitty voltou ao local onde o novo DVD foi gravado e viveu noite de nostalgia em relação à gravação

A cena se repete, mas não é ensaiada. Ao menos não em cima do palco; na plateia, parece que é. Pitty se cala para ouvir o público cantar em uníssono o refrão de “Me Adora” e se emociona do mesmo jeito em que aparece na imagem final do DVD “A Trupe Delirante no Circo Voador”. É sem dúvida a marca da turnê que gerou o vídeo, e não poderia faltar no encerramento da noite de lançamento, ontem – só podia ser - no Circo Voador. Depois de hora e meia em que a pequerrucha se esgoela com as veias eretas e não para quieta um segundo sequer, o som daquelas vozes lhe caem como bálsamo na alma; um sentido de dever muito bem cumprido.

Martin: assombrado por fantasmas do Circo Voador?

Martin: assombrado por fantasmas do Circo Voador?

Inquietude que marca decisões como a de não cair na tentação de seguir o roteiro do DVD. Ok, são 17 músicas e as principais registradas no vídeo estão presentes, mas o repertório foi bem alterado, com a troca de cinco músicas e a mudança quase que generalizada na ordem delas. Barrado na noite da gravação, o álbum “Anacrônico” dessa vez cede duas músicas, e até “Pulsos” é inesperadamente incluída, numa noite fadada a comparações de parte a parte. “Estou tendo vários déjà vus daquela noite”, disse Pitty, em determinado momento do show. “Quantos de vocês estavam aqui?”, perguntou. Quase todo mundo, Pitty, quase todo mundo. “Foi acertada a decisão de gravar o DVD aqui, a gente nunca sabe quando decide, né?”. Mas ela sabe, sim, que os fantasmas do rock brasileiro de todos tempos vagam sob aquela lona sagrada: good vibe total.

Com menos músicas mais recentes, do álbum “Chiaroscuro”, o show pode ser sintetizado na dicotomia entre o peso de músicas do passado com certa leveza contemporânea das canções mais recentes. É a sabbathiana “O Lobo” (único momento em que Pitty para em frente ao pedestal e toca guitarra) de um lado e a abrasileirada “Todos Estão Mudos” de outro; é a gritaria elegante de “Emboscada” conta a dançante “Comum de Dois”; “Memórias” versus a portenha “Água Contida”, que ganhou uma discreta escaleta do empregado mais bem pago do mercado de trabalho; e por aí vai. Diferenças que passam despercebidas se as duas partes têm músicas realmente boas, ou por conta da típica histeria do tipo “tudo que Pitty faz é foda”, que marca os delírios da trupe.

Na única vez em que para, Pitty toca guitarra

Na única vez em que para, Pitty toca guitarra

O repertório do DVD é bom, mas a fuga do óbvio também se mostra outra acertada decisão na medida em que surpreende o público. Não existe nada mais sacal num show de rock do que saber qual é a música que vem depois, mesmo que, em algumas vezes, o público não se sinta tão à vontade em canções menos recentes – caso de “Medo”, por exemplo. Em “Máscara”, que nunca vai deixar de ser o grande hit, a banda vai “passear em outro planeta e volta”, o que inclui a abdução de Martin por um ente da guitarra (lembram dos tais fantasmas do Circo?), levadas de reggae e Pitty esparramada no palco, num raro momento de improvisação e diversão de verdade entre os músicos. Incrível eles acharem isso justamente na música que, hoje, deve ser a mais chata de ser tocada, dada a enorme exposição.

“Máscara” está inserida no bloco das renegadas da série não-entrou-no-DVD-só-pra-não-ficar-igual-ao-outro, que inclui ainda uma versão diferente (numa avaliação gentil), de “Anacrônico”. Mas o carimbo de improvável fica com a ótima “Pulsos”, que fechou a série com surpreendente resposta do público. A música é simbólica porque, apresentada no DVD “{Des}Concerto ao Vivo – 06-07-07”, há quatro anos, apontava para um caminho “mais do mesmo, mas diferente” deixado de lado em “Chiaroscuro”. Ao ser incluída nesse novo momento de transição (não se espera outra coisa nos próximos tempos que não seja um álbum de inéditas) percebe-se que a porta talhada pela música, se fechada, não foi trancada em definitivo. Difícil é não levar em conta no processo o estrondo causado por “Comum de Dois”, espécie de “‘Pulsos’ de hoje”. Preocupação que seguramente não habitava a cabeça daquela trupe que cantava o refrão de “Me Adora” no encerramento. Momento que, a partir de agora, tem encontro marcado com a eternidade.

Pitty enverga o corpo e solta a voz a plenos pulmões

Pitty enverga o corpo e solta a voz a plenos pulmões

Set list completo:

1- 8 Ou 80
2- Fracasso
3- Memórias
4- Água Contida
5- Desconstruindo Amélia
6- Comum de Dois
7- Só Agora
8- Medo
9- Todos Estão Mudos
10- Emboscada
11- O Lobo
12- Se Você Pensa
13- Anacrônico
14- Máscara
15- Admirável Chip Novo
16- Pulsos
17- Me Adora

Clique aqui para ver a galeria de fotos exclusiva de Luciano Oliveira para o Rock em Geral

Tags desse texto:

Comentários enviados

Sem comentários nesse texto.

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado