De todos os dias, era o que mais gostava durante o maior período de tempo. Pensava nisso enquanto retirava um dos enlatados preferidos da gôndola para verificar, no fundo da embalagem, qual seria a data de validade daquele produto. Desde criança vibrava quando os pais chegavam do mercado carregando as sacolas lotadas de compras, com coisas dentro que poderiam mudar o seu dia. Com o passar do tempo, a data fora substituída – é verdade – pelo dia em que, com o pagamento depositado no banco, desandava a distribuir cheques em lojas de disco. Tinha o hábito de comprar vários LPs - de rock, claro - no bom e velho vinil, só pra ter uma quantia a pagar que justificasse o preenchimento do cheque, hábito comum naqueles tempos. Não podia ser uma merreca qualquer.

Mas o dia das compras era o único em que a geladeira estaria com a maior quantidade possível de coisas para comer. Mesmo que a compra fosse limitada por um eventual revés no orçamento, aquele era, de longe, o melhor dia de todos. E durante muito mais tempo – só passou a gastar com o rock depois que teve sua própria fonte de renda. É verdade que as compras que os pais faziam e a que ele agora faz eram completamente diferentes. Gastava mais e consumia coisas menos saudáveis. Era o preço a pagar por uma vida tão independente que dependia de si próprio para organizar as refeições. Como não era dado a refinamentos nutricionais, nem o trabalho lhe permitia isso, apelava para a alimentação rápida, eficiente e cheia de conservantes dos tempos modernos.

Satisfazia-se mesmo assim. Gostava de saber que tinha como comprar cervejas para beber quando fosse navegar nas redes sociais, junto com toda a sorte de tira-gostos. Era assim que baixava discos inteiros de bandas pouco conhecidas como Big Country, All About Eve e The Alarm, das quais se tornara solitário fã na juventude. Não estabelecera uma data certa para o mercado. Só se dava conta que escolhera um período ruim ao perceber uma cruel densidade demográfica no estabelecimento. Era o que pensava ao escolher por uma das longas filas em direção à caixa, formadas por carrinhos abarrotados. A moça que mostrasse alguma simpatia seria a contemplada, como se isso fizesse diferença para aquela assalariada calejada pelo esforço repetitivo a que se submetia.

Via, no mercado, uma espécie de rede social que saíra de dentro do computador para a vida real. Por vezes se esquecia que tudo que havia na internet é que tinha vindo do mundo físico. O que era um HD senão um depósito de informações como o cérebro? Fazia, então, entre os corredores definidos por gôndolas de produtos afins, uma espécie de Facebook ao vivo e a cores, como o título da uma música esquecida do UPI que tocava na Fluminense FM nos anos 80. Sem horário fixo para trabalhar, gostava de fazer as compras no meio do dia. Nesse horário, ajudava as senhoras com dificuldade para enxergar o preço mais em conta e sempre cedia a vez para as moças, aflitas com outros afazeres do dia-a-dia, na hora de escolher as frutas e os legumes para posterior pesagem.

Circulava por aquele ambiente, no entanto, com um surrado tocador de mp3 de qualidade suspeita no modo aleatório. Acreditava na tal sincronicidade do rock que aprendera depois de conhecer Carl Jung através de um velho disco do Police, de modo que a música escolhida seria a certa para qualquer ambiente. Quando entrava pelos fones “Amor de Supermercado” suas crenças se reforçavam. A música de letra juvenil só poderia mesmo ser do Carbona, uma das poucas bandas que sabia cantar para a juventude como um dia fazia o Rei. No fundo, no fundo, esperava, tal qual dizia a letra, entrar na loja com uma deusa ao seu lado. Mas, no raso, no raso, tinha que contar com a simpatia ordinária e cotidiana de uma reles funcionária. Crédito ou débito? Sua senha, por favor.

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