O Rock Como Ele é

Mudança

Era fã de Led Zeppelin e se aproximara dele pedindo que traduzisse a letra de uma música publicada numa seção de uma revista especializada. Hábil, usou “The Rain Song” para se apresentar ao rapaz.

Andava meio cansado do jeito que vinha vivendo. Não planejara que sua vida fosse assim, quando de repente chegou à conclusão que não, não queria nada daquilo. Explica-se que tinha acabado de romper um relacionamento que, como tantos outros, parecia definitivo e ruiu rápido demais. Era só mais um entre tantos que acabara como se, na verdade, sequer tivesse existido. Precisava de uma mudança que lhe fosse ampla, não apenas ir atrás de outro rabo de saia. Havia gasto muito tempo com mulheres indelicadas, fumado todas as pontas e bebido todo o vinho passado de sua geladeira de lataria carcomida.

Lembrava que, na adolescência, numa escola que lhe parecia deslumbrante, conhecera uma pequena. Com ela, descobriu o rock’n’roll. Era fã de Led Zeppelin e se aproximara dele pedindo que traduzisse a letra de uma música publicada numa seção de uma revista especializada. Hábil, usou “The Rain Song” para se apresentar ao rapaz. Esperto, percebeu que as meninas que gostavam de rock, naqueles tempos, preferiam as lentinhas, as baladas e as que falavam de amor. Mesmo que fosse o caso de uma banda que, sabia-se, havia ajudado a inventar o mais pesado dos subgêneros do rock: o heavy metal. A partir dali percebeu que as aulas de inglês do cursinho lhe seriam bem úteis.

Para uma mudança ser total, era preciso mudar de ambiente, de casa, do prédio. Do bairro, da cidade, do país. Ir, quem sabe, para a Califórnia. Não para viver a vida sobre as ondas como sugeria o cancioneiro popular brasileiro. Mas para encontrar por lá uma garota com amor nos olhos e flores no cabelo. Sabia que o verão do amor era coisa do século passado, mas sempre assentava com a cabeça quando ouvia os especialistas afirmarem que o rock é eterno, e, portanto, atemporal. Por isso, a Califórnia que habitava o seu imaginário, enquanto enchia a velha mochila de CDs, poderia ser mesmo Guarapari. Ou um lugar de céu cinza e mar vermelho. Tanto faz. Só precisava mudar.

Era tão jovem no segundo grau que, certa vez, virou motivo de chacota. Ao responder de supetão qual banda gostaria de ver tocando ao vivo, bem ali na sua frente, veio, em uníssono, a gargalhada. O Led Zeppelin já havia acabado naquele início de anos 80 e ele ainda não sabia. Só a garota da canção da chuva o apoiara. Era a primavera do amor deles e ele mal sabia como se portar. Mas já aprendera, desde cedo, que as estações eram feitas de emoção e que um pouco der chuva ele haveria, sim, de tomar nas costas. Só não esperava que vinte e poucos anos mais tarde ainda lembraria passagens como essa para comprovar a eternidade do rock, depois de tantas relações frustradas e de sequer saber onde a tal moça teria ido parar.

Chegou à Califórnia como se fosse seu Éden particular, cavalgando em grande estilo numa égua branca. Lá, não havia infelizes, nem as mulheres más que deixaram sérias sequelas em sua vida. Estava muito próximo de encontrar uma mulher que nunca nasceu, com amor nos olhos e flores no cabelo. Coincidência ou não, era guiado por sequencias de músicas do Led Zeppelin igualzinhas a que gravara no seu tocador de mp3 de qualidade questionável. O dedilhar de Jimmy Page e os falsetes vocais de Robert Plant aumentavam a ansiedade pelo alvo de sua busca de vinte e tantos anos. Súbito, foi avisado pelo cobrador que estava no ponto final. Iria chegar, mais uma vez, atrasado na firma.

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