No Mundo do Rock

Livro explica o sucesso do AC/DC

Motivado pelo descaso da crítica e diante de números eloquentes, jornalista lança livro “Why AC/DC Matters” (Por que o AC/DC Importa) que reivindica novo status para a banda. Íntegra da entrevista publicada na edição número 2 da Billboard Brasil, de novembro de 2009. Fotos: Reprodução/ internet.

acdc3Anthony Bozza é um respeitado jornalista musical americano, autor de biografias de Slash e Eminem, entre outros livros. Durante o tempo em que trabalhou na revista americana Rolling Stone, ele cortava um dobrado para aprovar pautas com uma de suas bandas preferidas. Logo Bozza percebeu que o AC/DC, apesar de todo o sucesso, não recebia o devido reconhecimento da crítica especializada. Com o lançamento do álbum “Black Ice”, no ano passado, ele se deparou com números incontestáveis que expressavam a grandeza do grupo australiano. Assim nasceu o livro “Why AC/DC Matters”, recém lançado nos Estados Unidos pela editora Harper Collins (e sem previsão para sair no Brasil).

Nessa entrevista feita por telefone, direto de seu escritório, em Nova York, o autor conta como foi a busca por explicações para o sucesso e a relevância de um grupo que faz um som simples, mas cativante. De quebra, Bozza explica como é o show da “Black Ice Tour”, que o Morumbi vê no final de novembro – e que ele, como bom fã, conferiu quatro vezes.

Do que você trata no livro “Why AC/DC Matters”?

É basicamente uma explicação sobre a importância da banda. O AC/DC tem milhares de fãs pelo mundo, vendeu milhões de discos, só foi superado pelos Beatles, e o único álbum que vendeu mais que o “Back In Black” foi “Thriller”, do Michael Jackson. Mesmo com esses fatos, eles ainda são uma dessas bandas que nunca tiveram o mesmo tipo de tratamento da crítica que outras têm. São sempre tratados como o tipo de banda que faz muito sucesso, mas não merece qualquer apreciação da crítica. São tratados como bandas barulhentas, atrasadas, como bandas de metal que só compõem as mesmas músicas o tempo todo, os mesmos acordes e letras estúpidas. Eu trabalhei na Rolling Stone americana durante sete anos e participei de várias reuniões onde discutíamos edições com listas das maiores bandas de rock de todos os tempos ou os melhores discos dos anos 70, e toda a vez que eu trazia o nome do AC/DC à tona, os outros olhavam para mim como se dissessem: “eu nem sei sobre o que você está falando”. Eu queria colocar isso à prova. Se você falar com qualquer músico, engenheiro de som ou produtores, qualquer um do mercado da música, todos falam que o AC/DC entende fundamentalmente o que é o rock’n’roll. Todos que atuam no mercado do rock compreendem, mas a crítica não.

Foi idéia sua ou a editora que te pediu?

Foi minha idéia. Eu e o meu editor estávamos conversando sobre como há muitos livros aqui nos Estados Unidos com o titulo “why something matters” (por que alguma coisa tem importância), esse tipo de coisa. E ele queria começar a lançar livros sobe bandas de rock e cultura pop, então havia a idéia do “Why The Beatles Matters”, mas é óbvia a razão pela qual eles têm importância e eu acho que não conseguiria escrever sobre uma banda que eu nunca vi ao vivo. A conversa começou por aí, eu sugeri AC/DC e eles abraçaram a idéia.

whyacdcmattersVocê é um fã de longa data?

Claro! Eu já os vi quarto vezes nessa turnê, eles são simplesmente tão bons quanto antes, são incríveis. Todos têm em torno de 60 anos e o Angus continua com o corpo de pessoas que têm 20. Eu vi o ensaio em New Jersey, que foi inacreditável, e inclui no final do livro. É incrível porque eu vi o show em um lugar pequeno, para 1200 pessoas, e depois numa Arena com 10 mil, e eles fazem exatamente a mesma coisa.

Como você compararia esse palco com o palco de outras turnês?

Eu diria que dessa vez eles colocaram tudo que havia nos outros palcos em um palco só. Não é algo tão grande quanto o palco do U2, com telões gigantes e tal, porque não funcionaria. Mas eles têm muita fumaça e fogo no trem, que é realmente gigante, tem a “Rose” inflável, a mesma de sempre, tem o sino de “Hells Bells”… é um show muito bom, podem comprar o ingresso sem erro.

O livro tem uma linguagem específica para fãs ou qualquer um pode ler?

Eu tentei fazer um livro para pessoas que não gostam do AC/DC, pessoas que até gostam de rock, mas não entendem o porquê dessa banda ser tão popular, com fãs realmente fanáticos. Quero atingir pessoas que não acham o grupo tão bom assim. Os fãs vão encontrar coisas sobre as quais eles não tinham se apercebido, e pessoas que não gostam do grupo terão a chance de aceitá-lo como um verdadeiro fenômeno.

Com quem você falou para chegar a essas conclusões?

Eu falei com o Slash, Tommy Lee, o produtor Rick Rubin… Eu queria explicar porque essa fórmula tão simples funciona tão bem. Para isso fui conversar com professores de guitarra e de canto da Universidade de Música de Berkeley, uma das melhores no ensino de música, e foi muito interessante. O professor de voz explicou o que acontece na garganta do homem quando ele canta e foi muito interessante entender o quanto bons são Brian Johnson e Bon Scott como vocalistas. O professor de guitarra explicou o que acontece no diálogo entre Angus e Malcolm, e porque eles usam três ou quatro acordes para criar riffs incríveis.

Você incluiu os integrantes da banda nessas entrevistas?

Não, porque eu venho tentando fazer um livro sobre o AC/DC já há sete anos. Sempre proponho isso e eles agradecem dizendo que se um dia pensarem sobre o assunto, me chamam. E eu também não queria escrever uma nova história da banda, mas explicar o porquê de eles continuarem tão bons, mostrar que eles nunca estiveram por baixo em todo esse tempo. Estamos falando de uma banda que quando a conversa é as maiores bandas de rock em todos os tempos, ela tem que ser incluída no assunto.

Como diz o livro, o AC/DC tem sido subestimado pela crítica desde os anos 70 e 80. O que você acha que é o principal que faz dessa banda uma verdadeira lenda do rock’n’roll?

Eu acho que a crítica os acha muito simples, básico. O que eles não percebem é que para fazer uma coisa simples e poderosa, é preciso ser perfeito. Eu acho que por isso eles nunca tiveram a atitude de se importar com o que a critica pensa, eles não estão nem aí. Voltando aos tempos do início da carreira, quando eles apareceram, receberam criticas ruins, mas nessa época, quando ainda não eram populares, todos os críticos falavam de discos com o “Dark Side of the Moon”, o “In Through The Out Door”, do Led Zeppelin, o Yes estava ficando popular, uma banda de rock progressivo. Por que então fazer esse hard rock barulhento? Outro problema é que o AC/DC foi classificado como heavy metal porque tocava alto, mas o que eles fazem nunca foi heavy metal, é coisa de Chuck Berry, dos tempos do surgimento do rock’n’roll.

anthonybozzaFale mais sobre essa semelhança entre Chuck Berry e AC/DC…

O Chuck Berry começou o rock’n’roll diretamente do blues, rockabilly e música country. Ele juntou tudo de um modo simples, três ou quatro acordes, com uma batida constante e ritmada. O ritmo do AC/DC é constante, uniforme e muito parecido com um trem, que vai num ritmo. Eles têm essa mesma cadência e foi por isso que aconteceu a revolução do rock naquela época, com todos os adolescentes dos Estados Unidos caindo na dança. Eu vejo a mesma coisa acontecer com o AC/DC, que tem o som calcado no blues, bem mais intenso, num ritmo que faz qualquer um querer dançar. É simples, direto, com riffs do rock’n’roll bem do início. É outra razão para eu dizer que AC/DC não é heavy metal. Num show de metal em geral só tem homens batendo cabeça, e num show do AC/DC há caras e garotas, todos dançando, ninguém fica impassível.

A maior crítica que recai sobre o AC/DC é a de o grupo fazer sempre a mesma música, mas eles nunca fizeram concessões ou mudaram essa fórmula matadora…

Eu acho que essa é outra razão de eles terem fãs tão dedicados. Eu falei com Kerry King, do Slayer, e ele disse que o Slayer sempre olha para o AC/DC como uma banda que nunca fez concessões, que fez tudo de um jeito próprio. E com o Slayer é a mesma coisa. Eu acho que isso é apenas o que eles são, decidiram fazer o rock’n’roll do jeito que eles fazem, não fazer nada que os digam para fazer e continuam fazendo isso. Eles poderiam seguir a moda, dar ouvidos a gente de gravadora para fazer coisas diferentes, mas talvez não desse em nada. A fórmula deles está totalmente correta.

Eles converteram o “defeito” de tocar sempre a mesma coisa em uma grande vantagem…

É, e esse foi outro motivo pelo qual eu decidi escrever o livro. Quando o “Black Ice” foi lançado, no ano passado, foi número um nas paradas em 29 países ao redor do mundo. E revistas como a Rolling Stone não colocaram eles na capa, o que só aconteceu uma vez em 30 anos. Mas todos têm que cobrir porque é o álbum mais bem sucedido do ano. Todos finalmente admitiram que essa banda não deve ser criticada por fazer a mesma coisa ao longo dos anos, mas, sim, elogiada por isso, porque para eles faz sentido. Enfim perceberam que fazer a mesma coisa o tempo todo, sem se importar como se chama isso, se é feito de um jeito próprio, é bom e é algo que pode fazer muita gente gostar.

Como você vê o impacto dos games guitar hero e rock band entre os fãs do AC/DC? Acha que ajudou a aumentar o número de fãs?

Nós falávamos em fazer concessões, e o AC/DC nunca cedeu. Eles não eram populares quando começaram e o que eles fizeram ao ser tornar populares foi sempre se manterem populares. Nos anos 90, mesmo quando o AC/DC não estava lançando disco e quando as pessoas viam as vendas de CD despencarem, o catálogo antigo deles continuava a vender e poderia ter vendido mais ainda, se eles tivessem aderido às vendas através de download. Eles estavam vendendo mais discos que nunca, o que é inacreditável. As pessoas devem achar que eles são malucos de não abrir o catálogo para venda de download, pelo i-tunes, mas eles não gostam que as façam download de uma única música, e decidiram que não querem que o AC/DC faça parte desse tipo de coisa. O que eles fizeram, com o Rock Band, foi participar colocando a íntegra do álbum “Live At Donington”, um show inteiro. Isso nada mais é do que fazer crescer a popularidade. Quando eu estive nos shows no ano passado, e também antes, nos anos 90, em todas as vezes eu vi o público repleto de fãs adolescentes, o que é muito bom. Se estes novos fãs usam o Rock Band, eles terão o melhor do AC/DC.

Falando dos problemas de saúde de Brian Johnson, você acha que ele teria condições de fazer uma nova turnê com a banda dentro de dois ou três anos?

Para ser honesto acho difícil. Independente de ele ter ficado doente, essa é provavelmente a última turnê deles. Brian está fazendo a parte mais difícil da performance do grupo, por causa da mecânica que acontece no corpo quando você canta. Angus pode tocar por anos a fio, assim como Malcolm, Cliff e Phil, mas Brian é o cara que tem uma inacreditável performance atlética a cada show. Eu tenho um sentimento de ele vai ser o primeiro a perceber a hora de parar, antes dos outros.

Você imagina o AC/DC com outro vocalista?

Não, acho que eles são muito do tipo “um por todos e todos por um”, sem Brian eles não saem mais em turnê. Eles não precisam fazer mais turnês, ao menos não por causa de grana.

Em poucas palavras, por que o AC/DC é importante?

Mas eu expliquei isso em 160 páginas! Vá lá: porque eles ainda fazem o que sempre se propuseram fazer.

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