O Rock Como Ele é

Jornada

Da estante entupida de CDs retirou um. Colocou na vitrola, primeira faixa. Achava que receber o dia como uma mensagem que vem dentro de uma garrafa seria algo renovador. Tinha o hábito de ouvir “Message in a Bottle” nessas ocasiões

Quando viu estava atravessando a rua em direção ao ponto de ônibus. Nem percebeu que a noite apontava para um epílogo de cenário conhecido. Juventude indo de um lado a outro, táxis mais oferecidos que as meninas da Av. Atlântica, vans convocando bebuns para um lugar sentado. Decidiu fugir da ladainha indo a mais um isopor, que, mesmo com a súbita iniciativa em por ordem na cidade do novo mandatário, ainda proliferavam. Ele tinha um preferido que inadvertidamente cobrava um preço menor que os demais. A diferença é que, em vez da latinha, a cerveja vinha dentro de uma simpática garrafinha de vidro conhecida por one way.

Não havia sido uma noite ruim, computava, enquanto esperava. Duas bandas novas, uma boa outra mais ou menos, uma terceira mais conhecida e um Circo Voador bem cheio, o que era mais importante. Bom público era sinal de que os produtores teriam lucro e poderiam continuar investindo em bandas de rock, que era o que realmente lhe importava. Não estava ali pela noite em si. Procurava diversão no rock e achava importante que mais e mais novas bandas surgissem, como nos tempos dos anos 80. Naquela época, mais que hoje, o Circo era o celeiro de novas bandas que iriam conquistar o Brasil.

Era boa a sensação de ter vivido o período mais fértil do rock nacional, que a maioria à sua volta conhecia de ler em livros de história. Por isso, às vezes, era apresentado aos mais jovens como dinossauro, o que não chegava a incomodar. Naquele momento, o que lhe aborrecia era o fato de já estar no fim da segunda garrafinha e nada do 497 passar. Ou teria passado enquanto ele foi se aliviar numa esquina mais escura? Isso não fazia a menor importância naquela madrugada. Não para ele, acostumado às agruras da volta pra casa de orçamento exíguo. Se juntasse o dinheiro gasto com aquelas cervejinhas talvez até pudesse bancar um táxi, mas, àquela altura, não poderia abrir mão de uma coisa pela outra.

Foi acordado pelo cobrador no ponto final. Não gostava quando isso acontecia, embora sua casa ficasse há apenas três paradas da última. De outro lado, já com o dia claro, poderia passar em sua padaria preferida e arrematar um café da manhã dos mais caprichados. Achava graça dos classemedianos que, do meio para o fim da madrugada, paravam em lojas de conveniência dos postos de gasolina para consumir hambúrgueres de procedência industrializada. Mas fazia o mesmo com o pão francês quentinho, sempre que tinha oportunidades como essa. Com os poucos trocados que sobraram ainda deu pra comprar o presunto que o Juvenal não conseguiu vender para aquela senhorinha do comercial da TV.

Não acreditou que o dia amanheceu nos minutos em que apagara dentro do coletivo vazio. Na rua adjacente à sua, as barracas da feira estavam sendo erguidas, algumas já funcionavam. Surfistas mirins iam em direção ao mar, e ele ali, notadamente com aspecto de ontem, chegando em casa. Antes de cair matando naquele pão quentinho, tomou uma providência. Da estante entupida de CDs retirou um. Colocou na vitrola, lado A (gostava de falar assim), primeira faixa. Achava que receber o dia com uma positiva mensagem que vem dentro de uma garrafa seria algo renovador. Tinha o hábito de ouvir “Message in a Bottle” nessas ocasiões.

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