O Rock Como Ele é

Um para o outro

Quando ele apareceu com um velho vinil de “Pump” debaixo do braço, e ela com o mp3 da nova do Friendly Fires, não teve mais jeito.

Gostava de entender o que estava sendo dito nas letras daquelas músicas. Mesmo com as dificuldades financeiras da família, desde cedo foi matriculada em cursinhos de inglês que lhe garantiam conhecimento do conteúdo que era escrito por aqueles cabeludos desvairados. Era fã de hard rock. Desde que conheceu o Guns N’Roses se sentiu impulsionada às raízes do estilo, que incluíam bandas como o Deep Purple e por vezes se confundiam com o que se convencionou chamar de classic rock. Com o advento da internet, caçava músicas e baixava para ouvir em seguida, mas sempre com uma janela aberta numa dessas páginas só de letras de músicas.

Se interessava pelas bandas mais recentes e obscuras desde cedo. Primeiro, era lendo as críticas assinadas pelos jornalistas que se preocupavam tanto em mostrar as novas tendências, que não formavam um apanhado de bandas para chamar de suas preferidas. Depois, caçando no mundo virtual aquilo que estaria fazendo a cabeça do primeiro mundo, antes que a novidade aportasse por aqui. A lógica era que, para mostrar uma nova sensação, vinda lá dos cafundós de Londres, era preciso descartar outra. Vivia tão intensamente essa máxima que, por vezes, surpreendia os familiares ao mudar sua indumentária como se fosse a última, a definitiva. Parecia um astro pop às avessas.

Não entendia bem o que aquelas pessoas chamavam de indie, mas, certamente, não gostava nada daquilo. Eram músicas muito sérias, tristes até, que, em vez de celebrar a festa proposta pelo rock’n’roll, falavam de desapego e de uma vida difícil. Era como se estar numa banda de rock fosse o equivalente a um emprego burocrático. Para ela, acostuma à celebração do rock proposta pelo festivo hard rock, aquilo não só não fazia o menor sentido como era de um elam absolutamente incompreensível. Nessa fase da vida, em que uma injeção de hormônios começa a mudar tudo, era preciso eleger rivais, e ela já tinha os dela.

Às vezes, negava o rock. Nessa maratona de buscar sempre a nova banda da última semana, por vezes se pegava distanciado do gênero que, por tradição, atrai a juventude em todas as épocas e lugares. Até bossa nova e outros ritmos brasileiros vinham frequentando mais seus fones de ouvido do que o rock propriamente dito. Para ele, existia, no mínimo, dois tipos de rock. Aquele que ele buscava incessantemente, dia após dia, para depois substituir, e o outro, atrasado, cheio de cabeludos bobões e groupies desagradáveis que ele supunha não ter cérebro. Na sua vocação obsessiva pelo novo, passou a detestar o hard rock.

Nos intervalos das aulas, sem saber o porquê, puxava assunto com o rapaz que usava uma surrada camiseta do Belle And Sebastian. Não conseguia entender como dava ouvidos àquela moça que, lindíssima, usava uma camiseta do Skid Row, nova, mas recortada para dar a impressão de que fosse velha. Ouvia pacientemente os desejos dele em buscar a novidade. Aturava a moça perfumada cantando os refrões do hard rock que aprendera nas páginas só de letras de músicas. Trocavam palavras duras, como forma de sutil provocação de adolescente, mas logo tudo mudou. Quando ele apareceu com um velho vinil de “Pump” debaixo do braço, e ela com o mp3 da nova do Friendly Fires, não teve mais jeito. Era a máxima de “Eduardo e Mônica” acontecendo de novo.

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