O Rock Como Ele é

Flash back

Nessas horas em que ficava apoiado num balcão interagindo com o movimento frenético daquele point rock, sempre lhe vinha a cabeça a imagem de Ian McCulloch, com um microfone à frente, toda esfumaçada e, invariavelmente, com um copo de vodca nas mãos.

Aquela dose de vodca não havia lhe caído bem. Não que não fosse íntimo da bebida preferida na Sibéria. Na década de 80, era cool beber o drink quente das terras geladas no lugar do chope gelado das terras quentes, mas foi moda que passou e logo retornou è cevada. Só que, com o passar dos anos, para manter a forma minimamente regular, optara por voltar aos drinks que, em tese, contribuiriam para manter sua barriga num porte aceitável pelas moças que, eventualmente, ainda estariam interessadas naquele sujeito de meia idade. Mas que aquela golada não havia descido bem, ah, não havia mesmo.

Nessas horas em que ficava apoiado num balcão interagindo com o movimento frenético daquele point rock, sempre lhe vinha a cabeça a imagem de Ian McCulloch, com um microfone à frente, toda esfumaçada e, invariavelmente, com um copo de vodca nas mãos, provavelmente parecida com aquela que bebia ali mesmo. Lembrara, inclusive, que um amigo fotógrafo lhe tinha dito que, no palco de um show do Echo And The Bunnyman, os roadies determinavam, através de fitas reflexivas coladas no piso, o local do microfone do vocalista, e também do inseparável copo com o líquido translúcido.

Havia, na cidade, poucos bares com balcões altos replicando o estilo americano ou europeu que tanto o atraía, muito mais por aproximá-lo do rock do que pela questão geográfica propriamente dita. Adorava, já que lhe faltava companhia na maioria das vezes, se recostar ali e observar o fluxo rock que ia e vinha durante a madrugada, até não aguentar mais e ir para casa. Nessas horas, se sentia o próprio Tom Waits, entre um gole e outro, mesmo que, na programação musical do estabelecimento, em geral forjada por sugestões dos frequentadores, mais antenados que os proprietários, o velho rouco e beberrão jamais tivesse espaço.

Lembrava, também, de incautas que, traídas pelo desejo, caíram em suas mãos ao longo dos anos. Achava graça que, quanto mais bebia, mas identificava nas pequenas que circulavam pelo baixo, a imagem daquelas com as quais tinha vivido bons momentos. Era uma espécie de reencontro com o passado, ainda mais quando uma ou outra música, que servira de trilha sonora na ocasião, ecoava dos alto falantes colocados estrategicamente junto ao teto daquela espelunca. A combinação vodca + trilha sonora do passado + rabo de saia transitando mexia com a cabeça de qualquer um, pensava. Era mais um daqueles momentos should I stay or should I go. Decidiu ir.

Abriu os olhos, mas não conseguiu descolar os lábios. Por mais que a produção de saliva fosse abundante, a ressaca causada pela bebedeira da noite anterior era colossal. Mesmo assim, percebeu que o chuveiro estava ligado, e, de imediato, decidiu fechar o registro para poupar água. Ainda cambaleante, percebeu, por trás do blindex recém instalado, a silhueta de uma bela mulher a se refrescar naquela manhã quase tarde de domingo. Só então entendeu as roupas jogadas pelo chão e o perfume que pairava no ar, do qual se lembrava, mas não sabia de onde. Doía-lhe a cabeça, aquela altura, pensar demais. Achava que, positivamente, aquela dose de vodca não havia lhe caído bem.

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