Fazendo História

Protesto no lugar certo

Cobertura da edição de 2005 do Porão do Rock. Publicado no site da Revista Laboratório Pop, em 12 de julho de 2005. Foto: Telmo Ximenez/Divulgação Porão do Rock.

baraoporao05Trinta e cinco bandas, dois palcos, três dias, 75 mil pessoas, toneladas de alimentos arrecadados, seis graus de temperatura na madrugada mais fria do ano. Esse foi o saldo da oitava edição do Porão do Rock, que aconteceu no último final de semana, no estacionamento do Estádio Mané Garrincha, em Brasília. Tocaram bandas oitentistas como Barão Vermelho (foto) e Plebe Rude, grandes nomes recentes do rock nacional, como Pitty, Los Hermanos e Dead Fish, e muitas bandas novas. A edição do evento teve como destaque a goiana Valentina e virou uma plataforma de discurso contra a corrupção do governo federal.

Foi a primeira edição em que o Porão do Rock aconteceu em três dias (antes eram dois), o que possibilitou a programação de sexta voltada exclusivamente para a música pesada, a exemplo do que já faz há algum tempo o Abril Pro Rock aos sábados. “Nós conseguimos chegar a um formato final do festival, com palcos iguais para todas as bandas, as novas e as consagradas com a mesma condição técnica. Segmentamos o primeiro dia, é uma transformação que as pessoas só vão entender no ano que vem: quem gosta de metal vem só na sexta, quem gosta de tudo vem nos três dias”, avalia Gustavo Sá, diretor artístico do festival. Para ele, o rock pesado representa o mercado mais forte do rock brasileiro. “E as melhores bandas de Brasília são porrada, metal, hardcore e crossover”, completa.

O destaque desta noite acabou sendo a paródia de banda de heavy metal Massacration, que concentrou e empolgou a maior quantidade de público na sexta-feira. Músicas que “glorificam o verdadeiro heavy metal”, como “Metal bucetation” e “Metal law” foram entremeadas com esquetes humorísticos que incluíram um cantor de bossa nova e até o refrão de “Pira pirô”, da banda de axé Coração Melão, outra paródia dos humoristas. A brincadeira, entretanto, não impediu que o metal levado a sério do Shaaman fosse muito bem recebido. Andre Matos, que gravou para o festival um jingle de uma campanha contra a Aids, comandou a apresentação das novas músicas da banda, entre elas a baladinha “Innocence” e o cover para “More”, do Sisters of Mercy. O Dr. Sin, pinçado pelo festival para compor a noite do metal, perdeu a hora, mas acabou fazendo também um set impecável.

Entre os mais novos, o Drowned fez um show matador, mostrando todo o leque de referências típico da banda, e o Slug, lançando disco, provou mais uma vez ser um bom destaque da capital federal, assim como o Deceivers, quer ainda aposta no violentíssimo cruzamento entre hardcore e metal. Também de Brasília, duas novas bandas abriram o festival: o correto metal tradicional do Dynahead, e o Poena, interessante banda que conta com duas mulheres como vocalistas. O detalhe é que os vocais são gritados à Napalm Death, fazendo lembrar bandas como a inglesa Arch Enemy, que também usa desse expediente. O hardcore ficou para os veteranos do ARD e clássico maior do gênero no Brasil, o DFC. Comandada pelo vocalista Túlio, a banda fez um dos melhores shows do festival. Na alta madrugada, o Ratos de Porão pegou um público cansado (já passava das três da matina), e, com deficiências no som, não conseguiu empolgar.

CALCINHAS À MOSTRA

Quem demorou a sair de casa na tarde fria de sábado quase perdeu as duas grandes revelações do Porão do Rock deste ano: Valentina, a segunda, e Luxúria, a quarta banda a se apresentar. No goiano Valentina os olhares se voltam para o vocalista Rodrigo Feoli, que parece fruto do cruzamento híbrido de Michael Stipe (REM) e Brian Molko (Placebo), de quem a voz sai idêntica. Cantando (boas) letras em português, o rapaz tem excelente presença de palco. Mas não só isso. O instrumental é muito bom, um rock melódico bem feito e bem tocado, como se os bons tempos dos anos 80 fossem atualizados para os dias de hoje. Não é à toa que a banda foi selecionada para o festival Claro Que é Rock, e já grava o disco de estréia, no estúdio do plebeu Philippe Seabra. Já no Luxúria, de São Paulo, quem chama atenção é a vocalista Marjorie Stock (com a calcinha à mostra o tempo todo), que se movimenta desesperadamente de um lado a outro do palco. A banda faz um rockão também com um pé nos anos 80, mas igualmente reciclado e digerido para os dias de hoje. Antes o Game Over abriu a segunda noite fazendo um nu-metal pop bem fraquinho, assim como fraco também foi a apresentação do Ponto G, umas das bandas fundadoras do Porão do Rock (tocou seis vezes em oito edições).

A primeira grande atração da noite foi a Plebe Rude, que consolida a formação com o inocente Clemente no lugar de Jander Bilafra, e com o baterista Felipe Txotxa (ex-Maskavo Roots). Além de hits dos dois primeiros álbuns da banda, como a óbvia “Brasília” e “Sexo e karatê”, a banda passou a limpo parte do punk rock nacional safra anos 80, com clássicos como “Medo” (Cólera), “Pátria amada” e trechos de “Pânico em SP” (Inocentes) levados no meio de “Proteção”, e ainda “Luzes”, hit underground do brasiliense Escola de Escândalo. Do disco novo, guardado a sete chaves, só mesmo a boa “O que ser”. No final, um bis com “Até quando esperar”, que teve a participação de última hora de um atrapalhado Marcelo Yuka. Pitty também poderia ter aproveitado a oportunidade para mostrar as músicas novas, mas só levou uma. No mais, fez um show quase idêntico ao do Porão em 2003, já que o repertório ainda é o mesmo. O quase ficou por conta de, em quase todas as músicas, a banda fazer citações a outros grupos, como Led Zeppelin e Mars Volta, por exemplo, além de “Deus lhe pague”, de Chico Buarque. E também pela apresentação impecável, fruto de um considerável número de shows feitos nesse período. O final instrumental resultou numa jam session formidável.

Zamaster (outra banda da casa) e Sentupé fizeram shows apenas regulares, e coube ao paranaense Pelebrói Não Sei agradar geral, graças ao performático vocalista Dee Diedrich. A banda mistura um punk rock à Ramones com baladas de amor parecidas com as de Wander Wildner. O F.UR.T.O. trouxe uma parafernália eletrônica (contando com Yuka eram quatro DJs) e não chegou a empolgar, exceto quando o próprio Yuka começou a discursar em “homenagem” a políticos corruptos. O som mistura bases à Asian Dub Foundation com reggae (Bob Marley foi citado mais de uma vez).

Outra boa revelação foi o local Cadabra, que tocou para um público dizimado depois da apresentação da Pitty. A banda é da estirpe do rock pesado e arrastadão, que flerta com o stoner rock e o rock pauleira setentista, só que com vocais gritados. Indigesto, mas bom. Antes, o rock nervoso, articulado e bem produzido do Astronautas deu o recado, numa performance muito boa. O grupo de Recife só precisa diminuir os intervalos (ou vinhetas) entre as músicas, que, se soam bem no disco, ao vivo tiram o gás o show. Por fim, já às quaro da matina, o Dead Fish fez o show competente de sempre para os valorosos fãs que resistiram ao cansaço e ao frio intenso.

HOMENAGEM A TOM CAPONE

As bandas novas aproveitaram bem a presença de ícones no último dia do festival para abocanhar uma boa fatia do público deles. Foi o que aconteceu com o Violins, de Goiânia, que caiu nas graças dos fãs de Pato Fu e Los Hermanos. O grupo tem fundido indie rock com música brasileira muito bem, e ao vivo fez um som mais pesado do que no segundo disco. E o terceiro já está a caminho. Já Cascadura e Dillo DAraújo aproveitaram do interesse dos fãs o Barão Vermelho (foto ao lado). O primeiro, da Bahia, faz um rock básico, com bons riffs e até referências ao stoner rock. O segundo parecia uma verdadeira viagem no tempo, pela indumentária dos integrantes, e no som calcado no blues e classic rock.

Quem abriu o dia foi o Radical Sem Dó, que faz aquela insossa mistura de rock e rap, com letras engraçadinhas. A primeira banda a levantar o público foi o Reação Em Cadeia. O sucesso gigantesco deles no sul do País (o grupo é de Novo Hamburgo) ecoou forte no cerrado, já que muita gente canta várias músicas da banda, como “Segredo” e “Me odeie”. Mas o grande destaque foi o sensacional cover para “Dead and bloated”, do Stone Temple Pilots. Filho de Peixe… Espremido ente Pato Fu e Los Hermanos, o Som da Rua acabou com um público não tão grande, mas o suficiente para uma banda ainda nova.

O Pato Fu era uma das atrações mais esperadas, e teve excelente receptividade. Cinco músicas novas, do recém-lançado “Toda cura para todo mal”, foram misturadas a sucessos antigos como “Eu”, “Tempo” e “Ando meio desligado” (Mutantes). O grupo mineiro evoluiu muito desde que integrou uma bária acústica no seu set. A simpática Fernanda Takai enalteceu o circuito de festivais independentes, reivindicou mais espaço para as mulheres nos palcos, mas saudou a absolvição de Michael Jackson. Mais concorrido foi o show do Los Hermanos, que reuniu uma grande quantidade de público. Mas os cariocas decidiram não mostrar nenhuma das músicas que estarão no próximo álbum, diferentemente do show do Abril Pro Rock desse ano, onde duas foram tocadas. Pouco importou, porque todos se contentaram com hits do naipe de “O vencedor”, “Todo carnaval tem seu fim” e “A flor”, entre outros, num grande show. A maior aglomeração de público, no entanto, aconteceu com o Barão Vermelho, que despejou uma sucessão de grandes hits (incluindo “Por você”) e músicas do disco mais recente, que também já parecem hits. Foi a única banda que tocou por mais de uma hora, num dos melhores momentos do festival.

Na seqüência do show do Barão, subiram ao palco o produtor Wagner Vianna (que já cantara “Pro dia nascer feliz” com a banda), Constança Scofield, a mãe e a filha de Tom Capone, para homenagear o produtor, falecido no ano passado. Tom Capone é de Brasília, e havia comparecido no Porão do Rock no ano passado. Um dos palcos levou o seu nome, e o outro, o do cineasta cult e bombeiro Afonso Brazza, falecido em 2003. Músicos locais, incluindo Digão, do Raimundos, fizeram uma jam session. O Móveis Coloniais de Acaju, de Brasília, fechou a participação das novas bandas com 12 integrantes no palco, misturando de tudo um pouco. E Supla, enfim, conseguiu completar o show iniciado no Porão no ano passado, que foi interrompido depois que uma pedra arremessada da platéia atingiu o baterista da banda. Nesse ano, acompanha pelos músicos do Holly Tree, fez praticamente um show de punk rock.

PROTESTO

Os artistas que estiveram nesta edição do Porão do Rock mostraram estar ligados nas denúncias de corrupção no governo federal. Boa parte das bandas fez alguma citação ou tocou músicas que remetiam à crise no governo. E olha que isso não partiu só do engajado Marcelo Yuka, que pediu um minuto de silêncio e depois que o público gritasse o nome de corruptos - curiosamente sobrou para o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz. Na sexta, até Andre Matos deixou de lado os dogmas do metal para se mostrar contra o “mensalão”. Depois, o DFC mandou os corruptos “se fuder no inferno”, citou Roberto Jefferson em “Vote nulo” e Lula em “Ciclo dos Tiranos”. Na mesma linha, João Gordo considerou o presidente um “crucificado pelo sistema”, numa referência à música de mesmo título.

Philippe Seabra, da Plebe, além de dedicar “Proteção” ao governo, aproveitou pra lançar sua própria candidatura, sob o lema “eu também quero o meu”, repetido pelo público. O Pelebrói Não Sei citou a notícia dos dólares encontrados na cueca de um assessor petista, e até frases despretensiosas de músicas do Barão Vermelho como “a vida anda ruim na aldeia” e “deixa de passar a mão na cabeça de quem te sacaneia” ganharam novo significado. E depois ainda dizem que o rock aliena.

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