Rock é Rock Mesmo

Nem tudo que reluz é emo

Não foram os grupos de emocore que inventaram o drama, a roupa preta, o cabelo liso, o all star, as tatuagens…

Meus amigos, há muita coisa equivocada nesse mundo. Vejam a classe média. Vejam os emergentes. Reclamam do governo Lula aos borbotões. E eis que a taxa de juros, pela primeira vez na história, chega a um dígito. O mal fadado FMI está pegando grana com a gente. A crise rola solta lá fora e aqui tudo está sob controle. Reclamam do governo Lula a torto e a direito. Mas o Ibope e o Data Folha são unânimes: a população crava uma aprovação superior a 80%. De que reclamam, afinal, esses infelizes?

Falava de equívocos mas não era desse que queria falar. Já repararam como tudo na música pop hoje, é emo? Qualquer música que fale de amor é emo. O cabelo liso é emo. O cinto de couro cravejado de balas é emo. Até o Titãs, com 27 anos de estrada, é acusado implacavelmente de “ter virado” emo, só porque assinou um contrato com uma gravadora que, nos últimos tempos, lançou uma pá de bandas de emocore. Mesmo um jogador de futebol, o argentino Riquelme, o craque que não sorri, já foi chamado de emo. Pode isso? Há muito tempo vi uma comunidade no orkut cujo título era mais ou menos assim: “emos, devolvam o que vocês roubaram do rock”. Esse é o ponto.

Não, os emos não roubaram nada do rock. Os emos são rock. Se é bom ou não, aí já é outra história – e como sempre digo, é melhor o rock ruim do que o “não rock” bom. O problema é que, com a proliferação do fenômeno emo no pop/rock nacional, parece que tudo que era associado ao rock agora é simplesmente emo. Que, antes deles, não existia nada senão uma terra devastada. Outro dia uma conhecida mais nova, ao ouvir uma música do Nirvana, perguntou, desaforadamente, se era aquela uma banda emo. Pode isso? É como se falar de relacionamentos em uma música fosse algo inventado por essa turma. Ora, se fosse assim, o Los Hermanos, no primeiro disco, ao falar de desencontros amorosos inspirados no samba de raiz, seria emo. Até os sambas de raiz seriam emo. Ou mesmo Vicente Celestino, autor de “Coração Materno”, o grande pioneiro emo.

Não, meus amigos, tá tudo errado. Os emos não inventaram o drama. Ele está aí, vagando entre as relações dos seres humanos, há milênios. Até a pequena Dóris, em seus deslumbrados seis anos, já percebeu que letra de música, em geral, fala mais de relacionamentos do que qualquer outra coisa. Letras de amor no mundo pop é a coisa mais óbvia, mais antiga de que se tem notícia. Antes da música em si, já estava lá o conflito entre homem e mulher. Não, os emos não inventaram isso. Ademais, no rock, não se define gêneros e subgêneros a partir da letra, mas do som. Rock, já disse, não é poesia. Pode até tê-la, mas rock não é letra. Rock é rock mesmo.

Imaginem, então a indumentária. Conheço gente que deixou de usar roupa preta para não ser confundida com emos. Até abandonou o velho all star porque “isso é tênis de emo”. Jogou fora o cinto de couro preto ornamentado com metais. Ora, meus amigos, preto desde sempre é a cor do rock e o all star já superou a si próprio e é o símbolo da juventude em todos os tempos e lugares. Perto de ícones juvenis como esses, o emo é poeira no deserto. Tatuagens, então, é coisa mais antiga do que andar pra frente.

Falei do Titãs ali em cima, e não há uma entrevista em que um dos integrantes não tenha que responder se eles agora “são emo”. Tudo porque um contrato entre a banda e a gravadora de Rick Bonadio foi assinado. Explica-se. Bonadio tem lançado uma série de bandas ligadas ao emocore, como CPM 22, Fresno e NX Zero, daí a associação. Só que, esquecem os jornalistas, o produtor já lançou toda a sorte de artistas de tudo quanto é estilo musical: rap, hip hop, rock. Até o queridinho Los Hermanos, que hoje renega a interferência dele no álbum de estreia. Ora, meus amigos, Bonadio não é emo. É sim, um notório fabricador de artistas que adora faturar alto e viu uma boa oportunidade no Titãs, que, a bem da verdade, estava à deriva, precisando do tal contrato oferecido.

Para produzir os Titãs, Rick Bonadio olhou para a própria carreira do grupo e apontou tudo para os anos em que a banda – que, diga-se, ainda vende muito bem – teve seus melhores dias, lá nos anos 80. Ou seja, não foram os Titãs que entraram na onda de Bonadio, mas o produtor é que entrou na deles, que é como as coisas devem ser, ao menos no rock. Quando o trabalho do produtor realça mais que o da banda, é porque há algo de podre no reino do rock. O leitor mais atento pode até se lembrar de nomes como Quincy Jones, por exemplo, mas, acreditem, quem faz a música é o músico. Envergonha-me aqui proclamar o óbvio, mas a verdade é que o produtor só produz.

Disse que Bonadio foi atrás do passado do Titãs par fazer o disco novo, “Sacos Plásticos”, mas não fez isso sozinho. Os cinco Titãs, obviamente, participaram do processo e aprovaram cada faixa do CD, não cabendo outro mérito (ou demérito, como queiram) a Bonadio. Nenhum artista, em sã consciência, deixa um disco ir pra fábrica se não estiver de acordo com o conteúdo gravado nele. Ocorre que, muitas vezes, filho feio não tem dono, e dependendo do resultado das vendas do CD (assim como no futebol) pode-se mudar as declarações. Quanto aos emos, deixem que eles se apropriem do rock. Melhor para o rock que seja assim. O tempo logo se encarregará de mostrar o que é o que.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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