Som na Caixa

U2

Boy/October/War
(Universal)

No final de 2008 chegaram ao Brasil as versões remasterizadas dos três primeiros álbuns do U2: “Boy” (1980), “October” (1981) e “War” (1983). Mais do que isso, cada CD original traz um outro CD, bônus, totalizando nada menos que 43 faixas raras, incluindo músicas inéditas, versões nunca editadas e outras antes só publicadas em single. Mais ainda: tudo com um acabamento em booklet que raramente é lançado no Brasil, decorado com arte derivativa da original (incluindo os singles) de modo a tornar cada CD indispensável para os fãs ou para quem tem interesse em entender melhor o que se passou no mundo (não só do) rock naquele início dos anos 80. Um texto assinado por alguém “do ramo” em cada caixinha, e as explicações do guitarrista The Edge, que cuidou ele próprio de todo o processo, faixa por faixa, garantem um acabamento exuberante.

Sem tempo para brilhar

u2octoberA história do caderno de letras que Bono Vox deixou no banco de trás de um táxi é famosa, e foi por causa disso que, ao se reunir precocemente para fazer o segundo álbum, “October”, o U2 empacou. Somando a isso prazos apertados e compromissos de lançamento quase urgentes, para um grupo que havia obviamente apostado tudo em “Boy”, o disco de estréia, o resultado quase foi um desastre. “October” não chega a tanto, mas é percebível como o disco é – até hoje – deslocado nesse início de carreira fulminante do U2. Por isso que o produtor Steve Lillywhite, que nunca trabalhava com uma banda em mais de um disco, foi convencido a não largar o quarteto naquele momento.

O uso de teclados por The Edge (que se cristalizaria em “New Year Day”) tornou-se ferramenta indispensável e muitas músicas foram concluídas às pressas, na hora de gravar. As letras, que logo se tornariam fator decisivo para o sucesso do grupo, foram finalizadas – literalmente – nas coxas. Daí os extras desse box se resumirem basicamente ao repertório de “October”/“Boy” gravado ao vivo, em shows ou em versões especial para a BBC, porque simplesmente não existiam sobras, o álbum foi a conta do chá. Exemplo disso é “Thrash, Trampoline and the Party Girl”, que The Edge conta que foi gravada em 40 minutos, para entrar direto no primeiro single – ficou tão ruim que a música só foi ganhar vida nos shows, como “Party Girl”. Ou da horrível “J. Swallo”, feita com a bateria de outra música, com a velocidade de gravação reduzida à metade(!).

E os singles da época traziam como lado B músicas de “Boy” (“I Will Follow”) ou novas composições, caso de “Celebration” (lado A de “Party Girl”), flertando com a new wave americana, e que já dava pistas da força do material que seria gravado em “War”. Resta saber o porquê de “11 O’Clock Tick Tock”, que tem uma força ao vivo extraordinária, não ter entrado em nenhum dos dois álbuns. Aqui ela aparece gravada em 1981, em Boston. A faixa que destoa – por uma questão de época – é “Tomorrow”, gravada já em 1996, com Bono, Adam Clayton e músicos convidados para uma coletânea de música tradicional da Irlanda.

O carisma precoce de Bono Vox

u2boyEm CDs de raridades como essa tríade, nem sempre é a qualidade/importância das músicas o que vale a inclusão de uma faixa. “Cartoon World”, por exemplo, está no de “Boy” mais por conta de uma boa história do que por outro predicado. Essa versão foi gravada num show em Dublin, em 26 de fevereiro de 1980, minutos antes de os quatro integrantes serem surpreendidos no camarim por um representante da Island Records, a gravadora que lhes ofereceria ali mesmo a assinatura do primeiro contrato. Antes disso, a CBS bancou dois EPs gravados pelo U2, cujas cinco faixas aparecem também nesse bônus. Segundo a gravadora, que deve se arrepender até hoje, o grupo não passou no teste. Eram gravações não tão animadoras (ingênuas até) se comparadas às do disco cheio – o falsete de Bono em “Twlight” é de arrancar risos. Já a de “I Will Follow”, primeiro grande hit, aparece versão gravada com uma bateria colocada no hall de entrada do estúdio depois de a recepcionista ter batido o ponto.

Outras faixas têm lá suas peculiaridades. A inédita “Saturday Night”, que sobrou de “Boy”, mais tarde se transformaria na ótima “Fire”, de “October”; “Touch” aparece como um retrato no iniciozinho do pós punk, ainda se confundindo com uma coisa e outra; e “Thing That Make And Do”, já com as guitarrinha de The Edge – a cara de U2 -, é curiosamente uma instrumental (assim como “Speed Of Life”), tocada nos shows quando o jovem Bono perdia o fôlego e precisava descansar.

Só que “Boy” é mesmo um bom disco de estreia, que capta com precisão o frescor do U2, uma banda de boa performance de palco (89 shows em quatro anos), ainda em buscava de uma identidade – não encontrada nesse disco, mas era um começo promissor. Mesmo com a aura do momento, exposta em arranjos hoje até revividos pelo novo rock britânico, vê-se a guitarra minimalista típica do U2, bem dosada com um baixo pungente e uma bateria ímpar (que em “War” se revelaria marcial) e um vocalista que parece querer saltar do CD para pular na frente ao ouvinte, dada a entrega nas gravações. É o que se veria, mais tarde na turnê de “War”, que tem duas apresentações registradas em DVD, uma nos Estados Unidos e outra na Alemanha.

Em sintonia com sua época

u2warA frase chave para se entender “War”, o terceiro álbum, que catapultou o U2 para o sucesso, é “Queríamos um disco que nos diferenciasse de nossos contemporâneos”, dita por Bono Vox e relembrada no texto de apresentação desse CD especial. Mas “para onde vamos daqui?”, único verso de “Endless Deep”, cantado por Adam Clayton, tem lá seu significado. A faixa abre um CD bônus sem muitas novidades ou coisas interessantes. Primeiro, porque “War” já é um disco fechado, bem arrematado e que se encerra em si próprio. Depois, o sucesso trouxe suas agruras, como as versões remix – um must nos anos 80, ainda sem os DJs – para “New Year’s Day” e “Two Heats Beat As One”, que povoam nada menos que sete faixas.

Steve Lillywhite - que não queria produzir dois discos - chegou nesse terceiro afiadíssimo, e Bono muito mais; era como se eles percebessem que quase acabaram em “October”, e tinham o famoso rifle com uma única bala para atingir o alvo. Poucos discos na história do rock têm, em sequência, músicas tão fortes que se tornariam épicas como “Sunday Bloody Sunday”, “Seconds” e “New Year’s Day”. E, ao mesmo tempo com tanto conteúdo verborrágico, que amadureceu o olhar global interado com o mundo numa época, hoje marca registrada do candidato à Nobel da Paz Bono Vox. Ainda há “Two Hearts…”, tentativa do grupo de – também – fazer dançar, e o final exuberante com “Surrender” e “40”, que ganharam fama nos shows a partir dali.

Curiosamente, há faixas do repertório anterior, gravadas ao vivo, que eram lados B de singles, caso de “I Threw a Brick Through a Window” e a ótima “Fire”. E, também, “Treaure”, música resgatada dos shows de antes de “Boy” ser gravado, feita para um conhecido que queria uma música escrita sobre ele(!). Mais do que nos outros dois álbuns, aqui o encarte com a adição de fotos da sessão do famoso clipe de “New Year’s Day”, na neve, incluindo as do helicóptero, e a reprodução das capas do single de “Sunday Bloody Sunday” reforçam o espírito da época, tão bem captado pelas músicas e pela importância que o álbum adquiriu no cenário da música pop como um todo.

Se no mundo de hoje, marcado por downloads irrefreáveis, não se dá tanta importância ao entorno de um álbum, resta ao U2 tomar a iniciativa de novos relançamentos nesse formato, ao menos para os discos subsequentes, como “The Unforgettable Fire” (1984) e “The Joshua Tree” (1987), que devem ter muita História pra contar. Essa, por sinal, com “H” maiúsculo, não acaba nunca.

Tags desse texto:

Comentários enviados

Sem comentários nesse texto.

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado