O Homem Baile

Humaitá Pra Peixe
Desencontros de estilo no palco

Mané Sagaz revê malandragem; Doces Cariocas azeda. Publicado na edição de hoje do Jornal do Brasil. Foto: Tomas Rangel/Divulgação.

Travestido de malandro, o vocalista Marcos tentou misturar clichês do rock e do samba

Travestido de malandro, o vocalista Marcos tentou misturar clichês do rock e do samba

A malandragem carioca está em alta. Ao menos na enésima tentativa de misturar samba com rock, dessa vez pelo grupo carioca Mané Sagaz, que garantiu ao bom público do Humaitá Pra Peixe um animado final de domingo, na Sala Baden Powell. Na abertura, o repertório apenas razoável do Doces Cariocas serviu para projetar Alexia Bomtempo, a melhor cantora do festival até agora.

A música do Doces Cariocas é marcada pela suavidade com que os músicos compõem e interpretam canções que parecem pinçadas de movimentos musicais distintos dentro da música brasileira. O hit deles, por exemplo, tocado duas vezes, é o sambinha bossa nova “Quanto Tempo”; a interessante “O Que Será Que Te Excita”, que abriu a noite, flerta com o regionalismo nordestino; e “Chuvisco” revive o parnasianismo do Clube da Esquina.

Só que tudo isso é tocado com uma linearidade que nivela o repertório num plano mediano. Não há uma evolução harmônica aqui, uma ênfase na percussão acolá, um momento solo de um dos integrantes do grupo. Nessa pasmaceira realça a bela voz de Alexia Bomtempo, que canta certinho do dueto com Pierre Aderne. Não por acaso os momentos mais interessantes do show foram “Farol da Bahia”, que ela gravou em seu disco solo, e “Swing de Campo Grande”, que empolgou no encerramento, ambas emprestadas dos Novos Baianos.

Guitarras pesadas e tamborins estão no cardápio do Mane Sagaz, que propõe a mistura de rock e samba, com a “alma do carioca”, como diz logo de cara o vocalista Marcos. Ele aparece travestido de malandro da Lapa, e embora tenha um bom gogó, seu gingado não convence como sambista, tampouco como roqueiro. Os melhores momentos acontecem no hit “Vitamina C”, que fechou o show em grande estilo, e em “Cafuné”, candidata a tal, repetida no bis. A versão de “Tiro ao Álvaro”, do paulistano Adoniran Barbosa, não reafirmou a decantada “alma”.

O problema principal, no entanto, é que não ocorre a fusão em si. Os dois gêneros não são desconstruídos para se retirar elementos de ambos e formar um terceiro. Tem-se clichês do samba (pandeiro, marcação, etc) de um lado, e do rock (guitarras à AC/DC), de outro. É como se a música fosse muito mais uma questão de arranjo do que de composição, e tudo pudesse virar samba ou rock a partir daí. Até o cover escolhido não foge do óbvio: “As Rosas Não Falam”, de Cartola, uma das mais reinterpretadas de que se tem notícia. Prova de que faltou sagacidade ao Mané.

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