O Homem Baile

Cover de si próprio, Police mostra criatividade ao reinventar repertório, mas cerceia participação do público

Grupo modificou grande parte das versões originais dos seus clássicos e deixou platéia com ar de “foi bom, mas faltou alguma coisa”. Fotos: Marcos Hermes (1,2,3 e 4), Pedro Carrilho (5) e Bianca Tatamiya (6)/Divulgação Mediamania.

Sting, Stewart Copeland e Andy Summers deram conta de toda a potência sonora do Police

Sting, Stewart Copeland e Andy Summers deram conta de toda a potência sonora do Police

O grupo inglês The Police se apresentou ontem para um público estimado em 75 mil pessoas no Maracanã. O show mais esperado do ano no Brasil faz parte da turnê de reunião da banda, iniciada em maio no Canadá e que parece não ter data para acabar. Com produção enxuta, o palco continha basicamente telões com as imagens do próprio show e torres telescópicas que volta e meia iluminavam a platéia. Nas laterais outras duas telas (pequenas, por sinal) eram interligadas por cima do palco num efeito interessante. No palco, absolutamente ninguém além de Sting, Andy Summers e Stewart Copeland, e nenhum efeito pré-gravado - tudo saía de baixo, guitarra e bateria. Na abertura, o filho pródigo Paralamas do Sucesso aqueceu o público com um punhado de bons hits.

Sting: voz inteirinha e muita improvisação

Sting: voz inteirinha e muita improvisação

Embora Sting tenha sugerido em uma entrevista que o show do Rio teria surpresas, o set list foi rigorosamente idêntico ao apresentado na Argentina e no México. A única alteração – segundo consta – foi a inclusão da instrumental “Reggatta de Blanc” dentro de “Can’t Stand Losing You”, num resultado excepcional. “Voices Inside My Head”, por sua vez, foi tocada pela metade e emendada com “When The World Is Running Down You Make The Best Of What’s Still Around”. “Querem cantar comigo? Saudades do Brasil”, disse Sting num razoável português, depois de “Synchronicity II”, a segunda da noite. Na música, uma explosão de cores vermelho, amarelo e azul remetia ao álbum “Synchronicity”, o grande sucesso da carreira do Police. “Message In a Bottle” abriu o show numa animação sem par.

Andy Summers solou extraordinariamente bem

Andy Summers solou extraordinariamente bem

O trio parece ter ensaiado tanto que os clássicos ficaram com uma cara nova, diferente das versões originais. Se de certa forma o artifício demonstra qualidade musical e criatividade, depois de tanto tempo, pode também soar como um tiro que saiu pela culatra. Isso porque um Maracanã lotado não está ali para verificar a perícia e a inventividade de bons músicos – o que acontece numa esfera menor, com grupos iniciantes e desconhecidos. Um Maracanã transbordando de gente quer é cantar todas as músicas junto com a banda, afinal foram essas músicas que formaram a platéia, hoje de idade avançada, em sua tenra juventude. Assim, era flagrante o desconforto quando, em “Roxanne”, por exemplo, o público queria acompanhar a versão original, mas era surpreendido por um andamento mais lento, ou uma parte “nova” dentro da mesma música. Ou até quando o clássico maior “Message In a Bottle” começou pelo riff de guitarra, e não pela virada de caixa de Copeland.

Copeland nunca esteve tão à vontade para imprimir sua iniguavável batida

Copeland nunca esteve tão à vontade para imprimir sua iniguavável batida

Não que Sting tenha puxado tudo para o lado jazz, como disseram alguns. Parece que, das duas uma: ou os três ensaiaram tanto que as músicas foram se modificando, ou, para se viabilizar a turnê de reunião, Sting exigiu fazer variações nas músicas para não cansar delas de novo; Summers impôs que queria aparecer mais; e Copeland se contentou em tocar como se estivesse solando por todo o tempo. Nessa hipótese, Summers se deu muito bem. O guitarrista, acostumado a criar texturas e climas, apareceu solando extraordinariamente em várias músicas. A oculta “Driven To Tears”, “So Lonely”, já no primeiro bis, entre tantas outras, colocaram Andy num novo patamar. Ou, por outra, no mesmo em que se encontram seus companheiros de banda. Sting tocou e improvisou à vontade, mostrando um domínio de voz quase impecável, sem comprometer em nenhuma passagem. E Stewart Copeland, um dos bateristas mais influentes do mundo, toca como uma criança feliz, revirando pratos e tambores com uma pegada absolutamente inigualável.

O Police lotou o maior estádio do mundo

O Police lotou o maior estádio do mundo

Outra vantagem da mudança em relação às versões originas foi ver músicas alijadas do repertório do grupo da turnê de 1984 reaparecerem com um novo vigor. “Next To You”, escolhida equivocadamente para encerrar o show já no segundo bis, foi uma delas. Originalmente um punk rock veloz, se transformou quase num hard rock mais lento e pesado pela força de um riff que parecia esquecido dentro da própria música. “Truth Hits Everybody” teve o mesmo up grade, o que já não aconteceu com a fraca “Hole In My Life”.

P tradicional salto de Sting em 'Message in a Bottle' não poderia faltar

P tradicional salto de Sting em 'Message in a Bottle' não poderia faltar

A coisa pegou mesmo nos clássicos, mas só no quesito interação público/banda. “Wrapped Around Your Finger”, lenta e com Copeland usando uma traquitana de percussão que incluía desde minúsculos pratos até tambores e um gongo gigantes, ficou belíssima. Se o grupo usasse os telões para projetar imagens do clipe, com as velas sobre os castiçais, a coisa teria ficado ainda melhor. “King Of Pain” teve o mesmo tratamento, mas os melhores momentos ficaram mesmo para os mega hits “Every Little Thing She Does Is Magic” (sem teclado e muito pesada), “Every Breath You Take”, ainda emocionante, e que fechou o primeiro bis, e “Invisible Sun”, que utilizou os telões com imagens de crianças pobres.

O atraso de 22 anos – se não acabasse antes, o grupo era nome certo para primeiro Rock In Rio de 1985 – foi compensado por uma banda que, outrora de vanguarda, hoje se reinventa para não ficar parada o tempo. Alguém aí sabe quando sai o DVD?

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