O Homem Baile

Em plena forma, Glenn Hughes revive grandes sucessos do Deep Purple e mostra exemplar fusão de rock, funk e soul

Baixista mantém a voz aguda que o consagrou; Ian Gillan e David Coverdale que se cuidem.

Pode parecer démodé, a essa altura do campeonato, trinta anos após o auge da banda, um show de um dos ex-baixistas do Deep Purple. Mas como deixar passar a oportunidade de ver Glenn Hughes interpretando grandes clássicos do rock, sendo que ele participou de tudo? Foi pensando assim que um público apenas razoável compareceu ontem ao Circo Voador, e não se arrependeu. Hughes, no alto de seus 56 anos, mantém um apuro vocal impecável, de longe melhor que David Coverdale e Ian Gillan, ambos também com passagem pelo Purple.

A noite começa sem a menor cerimônia: de cara os acordes iniciais da excelente “Stormbringer” são reconhecidos pelo público, jogando fora qualquer desconfiança quanto ao caráter histórico da noite. A seguinte é “Might Just Take You Life”, e logo Glenn Hughes mostra o alcance de sua voz nas notas mais altas, sem deixar de mandar muito bem nas partes mais graves e ásperas. Ele está muito bem e não para de se derreter em amores pelo Rio, chamando o tempo todo o público de “brothers and sisters”. O baixista nunca tinha tocado na cidade, mas esteve aqui a passeio outras vezes, a ponto de contar uma história de um certo romance que viveu no passado com uma brasileira.

Em certos aspectos o show é uma espécie de aula de história do rock, com Hughes no papel de Forrest Gump. Foi assim que ele contou como foi feita a primeira música do Deep Purple depois que Ian Gillan e Roger Glover saíram, lembrando em detalhes Ritchie Blackmore mostrando umas partes de guitarra para ele começar a fazer as de baixo. Era “Mistreated”, anunciada em meio a arroubos de felicidade na platéia. Pouco importa se os créditos vão para Coverdale e Blackmore, o que conta é que Hughes estava lá. No meio da música um cabeçote de amplificador pifa e Hughes trata de mandar novos exercícios vocais para entreter o público. Já antes de anunciar “Gettin’ Tighter”, ele cita a parceria com Tommy Bolin – e fãs vibram. A música abre espaço para uma série de solos de cada um dos integrantes, e Glenn Hughes surpreende pelos efeitos eletrônicos inseridos no baixo.

Além do apoio vocal fundamental cedido ao Purple em contraponto à voz rascante de David Coverdale (ambos substituíram Ian Gillan muito bem), o que marcou a carreira de Glenn Hughes foram as levadas de funk rock que ele introduziu ao grupo. Pode ser pouco, mas elas estão lá, com brilhantismo nos álbuns “Stormbringer” e “Burn”, e no show aparecem em quase todas as músicas de sua carreira solo. Ele próprio chega a anunciar o tal funk rock para o público (“Can you feel the funk?”), como um James Brown desbotado, antes de detonar evoluções extremamente cativantes, em geral sustentadas por riffs de guitarra de igual valia.

As duas horas e pouco de show são coroadas pelo óbvio (porém não menos acachapante) bis com “Burn”, talvez a música símbolo da fase Hughes/Coverdale no Purple. É impressionante como depois de tanto tempo, e a despeito das evoluções tecnológicas, a música continua atualíssima, em termos de peso a agressividade. O fechamento ideal para uma noite inesquecível. Para brothers e para sisters.

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