Rock é Rock Mesmo

Um ano de lavar a alma

É impossível desassociar a história do rock nacional, da música brasileira, dos costumes cariocas e de outras grandes metrópoles do País, da história do Circo Voador.

Meus amigos, o tempo passa, o tempo voa e a Vera Fischer continua muito boa. E isso desde 69 (sem trocadilhos). E como tem passado rápido esse tal de tempo. Parece que foi ontem que eu pensava em escrever esta coluna do jeitinho que ela vai sair aqui – e, a bem da verdade, foi ontem mesmo. Mas falava do tempo. Chove lá fora e aqui faz tanto frio. Chove como chovia há cerca de um ano. Ou, por outra, não chove, não. Naquela noite de 22 de julho de 2004 chovia torrencialmente na Cidade Maravilhosa. E fazia um frio dos diabos. O amigo que mora no sul do País, em alguma serra do interior do Brasil ou, vá lá, em Londres ou em outra rica e fria região do hemisfério norte, pode não ter idéia. Frio, no Rio, é notícia quando aparece (e acreditem: neste momento ouço Gene Loves Jezebel).

Aquela chuva e aquele frio de fazer usar casacos encalhados o ano todo no armário, entretanto, tinham uma razão de ser. Não sei se já falei nisso no passado – devo ter falado – mas peço licença para volta a tocar no assunto, por imposição da data em si. Aquela chuva torrencial que lavou a cidade era o batismo do Circo Voador, que reabria suas portas depois de sete anos e meio. Aquela precipitação (é assim que se chama na Engenharia) lavava também a alma dos que precisavam daquele solo sagrado para pisar nas madrugadas cariocas. E daquela paisagem espetacular. Digo paisagem e não me refiro aos belos Arcos da Lapa, mas ao Circo em si. Uso paisagem porque mudaram a posição do palco, modernizaram a estrutura, construíram banheiros em número insuficiente, mas a vista, o clima, o ambiente, e (vá lá) a “vibe” do Circo Voador continuam lá. E repito: o Circo nunca deixou de ser o Circo.

Parece que foi ontem, mas vale lembrar. Reclamava-se, no Rio, que shows de médio porte não tinham onde acontecer. Falava-se, nas esquinas, nos botequins, nas portas de shows, que só na época do Circo era possível que acontecessem na cidade apresentações como as o Testament, Jello Biafra, Fugazi, Exploited, e assim por diante. Tinham razão. Tanto que, nesse primeiro ano, passaram por lá Ignite, Paul Di’Anno, Exodus e até o Village People (era para eu falar dos críticos que defendem o Júnior). Nos próximos dias, será a vez do After Forever, Agnostic Front e Hatebreed. Problema resolvido.

Falava-se, também, que no Rio não havia lugares para bandas novas tocarem. Aliás, fala-se muito isso ainda, geralmente integrantes de bandas, que, via de regra, não são muito ativos, no sentido de resolver o problema eles mesmos. Sempre citei, e cito, no mínimo, uns dez lugares para uma banda nova tocar. Só para se ter uma idéia, o Rio é a cidade que tem a maior rede de teatros e lonas culturais em todo o Brasil. Digo isso pelas lonas culturais, que são locais espalhados do Centro às Zonas Norte e Oeste, com boa infra-estrutura e que cobram preços acessíveis. Sempre citei, e cito, bandas que tocam em tudo o que é buraco. Leela, Autoramas, Netunos (esse anda meio parado, é verdade), Jimi James e assim por diante. Mas foi a volta do Circo, até por tradição, que trouxe a esperança de vermos bandas novas tocando a preços módicos. E isso não aconteceu. (Era pra falar das viúvas de Patton, radiantes com a vinda do Fantomas ao Brasil. Minto, a Curitiba).

Os tempos são outros, é verdade, e hoje a meia entrada, se é um benefício de um lado, de outro fez os preços da “inteira” subir. Meus amigos, fiz duas faculdades, mas não sou advogado. E admissível que um show de um artista consagrado custe R$ 40, mas há de se ter um dia da semana com bandas novas e ingressos a, no máximo, 10 pratas (meia entrada, 5). Porque o Circo é da prefeitura, e cabe à prefeitura promover as políticas públicas para a arte e a cultura, onde o rock se insere. Uma noite que não encha necessariamente, que não preocupe ninguém por isso e que nos apresente bandas novas, com boa qualidade de som. Se os tempos mudaram, se o poder público anda capenga, vamos às empresas provadas, às telefônicas que ganham dinheiro fácil à rodo. O projeto “Rock Me” bem que tentou, mas ao juntar as bandas mais novas com medalhões, fracassou por atrair em grande maioria o público deles. Taí um problema a ser resolvido. (Agora ouço Helloween).

Certa vez falei dos reclamões. Reclamei tanto deles que praticamente, por algumas linhas, me tornei um. Mas hoje não. Quero deixar claro que a volta do Circo é uma verdadeira dádiva para toda a cidade, sobretudo para o fã de música de qualidade e de rock, em especial. (Ok, dádiva é uma ova, foi tudo construído e se sustenta com verba de impostos municipais). Hoje, retomando, é dia de falar que a Plebe Rude estreou a nova formação, com o Clemente, do Inocentes, num show no Circo; que Ian McCulloch, de porre, no camarim, implorou para Lobão e Bi Ribeiro o acompanharem numa versão para “The Killing Moon”. Como nenhum dos dois topou e Frejat não estava lá, só restou a Big Mac a companhia da caipirinha; que o Krisiun teve a honra de reabrir o espaço, no dia 23, num belo teste de carga sonora; que a estréia verdadeira do Circo aconteceu no dia que o público do Planet Hemp pressionou e os portões tiveram que ser abertos; que uma outra estréia aconteceu com o show do Ratos de Porão, banda que participara do último show antes do fechamento, em fins de 1996; que aconteceram, nesse primeiro ano, cerca de 480 shows, numa assustadora média de mais de um por dia, maior que a de Romário com a camisa da seleção brasileira; que só o Cordel do Fogo Encantado tocou cinco vezes; que, por fim, este que vos escreve não se conteve dentro do próprio Circo em várias oportunidades em que a emoção falou mais alto, como deve ser, aliás, quando o assunto é rock (era para eu falar dos abutres e da velha hiena manca).

O amigo que, de longe estiver entretido com esta coluna, que jamais teve a oportunidade de ir pessoalmente, ou, ao menos ter conhecido a história do Circo Voador, pode achar um desatino da parte de quem escreve ficar falando assim de uma casa de espetáculos. Pode achar que sou um reles puxa saco. Ou, na melhor das hipóteses, um mancebo no auge da empolgação. A meu favor estão os fatos: é impossível desassociar a história do rock nacional, da música brasileira, dos costumes cariocas e de outras grandes metrópoles do País, da história do Circo. E como a história é a gente que faz, ter o Circo ali, funcionando, bem do ladinho, já é motivo para redenção coletiva e sem limites. É motivo para se dormir com um pouco mais de paz e despertar, a cada dia, com mais vontade de se fazer algo.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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