Rock é Rock Mesmo

Guitarras e calcinhas para o povo

No Porão do Rock desse ano, o Luxúria conseguiu o improvável: levantar o público que estava ali para pular somente quando os sucessos das grandes bandas fossem tocados.

Meus amigos, é disso que o povo gosta, é isso que o povo quer. É difícil, mas às vezes acontece, embora muitos teimem em não acreditar. Um Exocet. Calcinha! E acontece pela simples vocação para o novo que o rock tem, sabe-se lá por qual razão. Já disse, repetidas vezes, que muitas bandas de rock surgidas aqui mesmo no Brasil, ou em outros países periféricos em relação ao rock, são muito melhores que aquelas que os novidadeiros vão buscar na matriz. Só que, longe de lá, passam desapercebidas até mesmo por aqui, por causa do preconceito nosso de cada dia. Calma, olha a violência.

Mas, dizia eu, é difícil, mas às vezes acontece. Tem gente que duvida, mas o Brasil, se não explode a cada final de semana do verão, como acontece com os festivais europeus, tem sim o seu circuito de festivais independentes. Como lá, eles levam medalhões para pagar a conta e apresentam novos artistas. O Porão do Rock. Tocaram no último final de semana, em Brasília, trinta e cinco bandas em três dias. Muitas grandes, outras médias e um terceiro grupo querendo conquistar espaço. Estes sabem como é difícil se destacar, ainda mais que, em geral, as bandas mais novas sempre tocam cedo, quando público, imprensa e produtores às vezes ainda nem chegaram.

Havia um tempo em que a ida a esses festivais acarretava na necessidade de se voltar de lá com algumas verdades absolutas. O que apareceu de novo? Quais as novas tendências? Que banda arrebentou? Perguntas desse tipo tinham que ter respostas precisas de quem quer que fosse fazer a cobertura desses eventos. Era regra. Tanto que, o mais famoso e tradicional festival do País, o Abril Pro Rock, nos deu não só o mangue beat (o último grande e significativo movimento da música popular brasileira) como artistas que tocaram lá e saíram com um contrato assinado. Foi assim com Los Hermanos, Penélope e Sheik Tosado, entre outros que não me ocorrem. Era um tempo em que as grandes gravadoras enviavam seus emissários para que eles avaliassem o que despontava na cena musical brasileira. Eu disse era, e repito: esse tempo acabou. Hoje, dada a proeminência da cena independente e a ausência parda da indústria do disco como é estabelecida, não há nada mais ridículo do que apontar determinado nome como a “grande revelação” de um festival. Jornalistas que pensam assim é porque perderam a noção de tempo e espaço.

Mas eu falava de calcinhas. Ou, por outra, pensava em falar. É que, dentre os 35 shows que pude assistir, quase todos na íntegra, não posso deixar de citar o que aconteceu com a banda Luxúria, de São Paulo. Era ainda cedo no sábado, o grupo era o quarto a se apresentar, numa lista com treze nomes. O público ainda chegava ao local do show, e as atrações principais, Plebe Rude, Pitty e Dead Fish, só tocariam mais tarde. Das três bandas que tocaram antes, a boa Valentina, de Goiânia, tinha feito um bom show, mas, como novata, não tinha ainda como sacudir o público. Eis que entra em cena uma mulher de cabelos curtos e azuis, trazendo atrás de si uma banda disposta a tocar rock pra valer. Quando o show do Luxúria começa, o público brinca de Mandrake e observa, só despertando quando uma das coreografias de Marjorie Stock – a tal vocalista - deixa à mostra uma calcinha vermelha. E que despertar. Foi um tal de gritar “tira a roupa, tira a roupa” a cada intervalo entre músicas… E o leitor pensa: que apelação. Foi também o que eu pensei, mas o tempo tratou rapidamente de desfazer essa impressão. Porque, logo se percebeu, havia uma grande performer dentro daquela calcinha, e uma grande banda por trás dela. Não era só apelação, não. Mesmo porque, de tanto aparecer, a imagem daquela calcinha vermelha se tornou mais monótona que umbigo de mulata no carnaval. A banda, não. Surpreendendo o público a cada música, com peso, riff, melodias interessantes e boas letras, cantadas num português claro, o Luxúria conseguiu o improvável: levantar o público que estava ali para pular somente quando os sucessos das grandes bandas fossem tocados. E não foi só por causa da calcinha, não. O Luxúria foi um verdadeiro Exocet.

Mas não foi ó isso. O Porão do Rock acontece em Brasília, o centro do poder, o que lhe confere certas peculiaridades que decerto eu já devo ter comentado no passado, como a maior área vip (entre público e palco) de que e tem notícia em toda a história dos festivais. A outra, é que é impossível ir até lá sem pensar nas denúncias de corrupção dentro do atual governo. Falava de calcinha, mas na sexta vem a notícia da cueca recheada de dólares, e no sábado, enquanto estava no estúdio de Philippe Seabra, da Plebe Rude, a notícia de que o Genoíno, presidente do PT, tinha acabado de cair. Tudo isso foi digerido de imediato no palco, pelas bandas mais diversas. Na sexta, antes que o hardcore entrasse em cena com o discurso afiado como de hábito, o místico Shaaman, na voz de Andre Matos, já criticava o comportamento vil de nossos políticos. Fato repetido a cada banda, incluindo aí os clássicos Ratos de Porão (já até imagino o Gordo fazendo uma seqüência para “Plano Furado” e “Suposicollor”) e DFC, que não tem vergonha de xingar, sem cair no baixo nível. Plebe Rude e F.UR.T.O. também deitaram e rolaram com o assunto, entre outros.

Nesse ano a produção do Porão do Rock estreou uma terceira noite, dedicada à musica pesada (entenda-se metal e hardcore). Uma sábia decisão, que coloca o evento um degrau acima dos demais. O festival, que já era melhor em tudo, precisava acontecer em três dias para poder “competir” com todos os outros em igualdades de condições. Uso aspas para deixar claro que a coisa é para ser encarada de forma positiva, já que há espaço e bandas pra todo mundo. Uma outra atitude digna de nota é que, tal qual festivais europeus, os dois palcos têm iguais condições para bandas novas e consagradas. E, por fim, segundo pude apurar, neste ano todos os artistas receberam cachê, coisa rara em festivais independentes. Mas o mais legal foi a escalação das bandas, cuja ordem de apresentação foi intercalada de modo que se tivesse mais de uma atração “principal” por noite, segmentando, de certa forma, o público, a exemplo, repito, do que acontece na Europa. No domingo, por exemplo, as três atrações de peso, Pato Fu, Los hermanos e Barão Vermelho, tocaram intercaladas com outras bandas, afins a estas. O mesmo aconteceu no sábado, com Plebe, Pitty e Dead Fish, e na sexta, com Shaaman, Dr. Sin e Ratos de Porão. Boa sacada.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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