Rock é Rock Mesmo

Vamos copiar os americanos e punir o jabaculê aqui também

Justiça americana pune jabá que levou grupos renomados ao sucesso. Por aqui a coisa caminha no mesmo sentido.

Meus amigos, o bicho tá pegando. Aqui e lá fora. Não é especulação, é fato: Audioslave e Franz Ferdinand foram flagrados pelo Ministério da Justiça americano numa troca de e-mails entre representantes de rádios e funcionários da Sony BMG. A gravadora pagava o jabaculê (lá chama-se payole) para que músicas desses grupos, entre outros, fossem tocadas nas rádios. Para se livrar do processo, teve que desembolsar 10 milhões de dólares, e seus executivos saíram dizendo que tudo aconteceu por desvios de conduta de alguns empregados. Me engana que eu gosto. Não se aprende a ser corrupto na escola. Aliás, nas lousas, os mestres pregam o contrário. É o sistema (coisa de bandinha punk) quem transforma. A Sony BMG sabe disso e deve, ao menos por enquanto, dar uma freada nesse tipo de coisa, já que a desculpa foi amarela demais. (Como é bom o Velvet Revolver, não é não?).

No Brasil, acontece a mesma coisa. Minto. No Brasil é pior, pois aqui a corrupção reside mais à vontade, não possui praticamente nenhum controle do Estado (embora rádios e TVs sejam concessões públicas) e somos, ainda, um povo reconhecidamente em formação. Digo isso para não usar o termo “atrasado”, mesmo porque é tudo uma questão de tempo e de referencial. Ao menos era isso que dizia Bruce Kane lá na escola técnica. E repito: não existe, no Brasil, rádio sem jabá. Por isso, é fácil saber: fulano tocou na rádio? Foi por causa do jabá. É batata. Quem mais tem botado a boca no trombone pra denunciar a prática ilícita é o Lobão, que, alijado das grandes gravadoras se tornou artista independente e parou de tocar nas rádios. Como foi durante anos contratado da BMG (que hoje é um joint-venture com a Sony, ela mesma) músicas daquele período chegavam às rádios via jabá, e hoje, como são grandes sucessos, continuam tocando, no lugar das novas do próprio Lobão. Ou seja, Lobão é boicotado por ele próprio. Já devo ter dito isso tempos atrás, mas não custa repetir. (Agora, Silent Cry, espetacular)

Mas, como dizia, Lobão hoje é independente e briga por seus direitos. Tanto que faz parte de um grupo junto do Ministério do Trabalho que busca a criminalização do jabá. Ele e outros batalhadores da cena independente nacional, como o goiano Fabrício Nobre, um dos homens por trás da cena rocker da Seattle brasileira. A rigor, nem precisava, já que jabá é crime e ponto final. É só ir até lá a prender. No dia que criarem a CPI das grandes gravadoras ou se fizer uma auditoria nas movimentações de caixa dessas empresas, vai todo mundo em cana. Se gritar pega ladrão, não sobra um meu irmão.

Lobão diz que as gravadoras “oficializaram” o jabá através de um esquema simples: paga-se a propina como se fosse o custo por anúncios feitos no meio da programação. Ao invés de entrar a vinheta comercial da gravadora, o que vai ao ar é a música que querem colocar nos ouvidos das massas. A solução, ainda segundo Lobão, é também simplérrima: basta separar os horários de propaganda dos de execução das músicas. Se tiver anúncio no meio da programação, é jabá e prende-se o responsável. Isso em tese, porque tudo é mais uma questão de vontade política (né, Lula?) do que de procedimentos. Querer é o primeiro passo. O problema é que o próprio Ministro da Cultura não conhece outra forma de atuar, para um artista, do que essa com o jabá. Afinal, ele próprio, como grande músico que é, sempre esteve inserido nesse tipo de mercado. (E a velha hiena manca não me sai da cabeça).

De outro lado, é preciso ter a clareza de que os artistas nada têm a ver com isso. Ou, por outra, têm, sim, e eu já chego lá. O que quero dizer, é que não se pode dizer é que determinado trabalho é melhor ou pior por ter sido ou não tocado nas rádios por causa do jabá. Audioslave e Franz Ferdinand, sem entrar aqui no mérito qualitativo, têm trabalhos consistentes cuja avaliação não passa pelo jabá. Aqui no Brasil, acontece o mesmo, e também não se pode misturar as coisas. É indiscutível, por exemplo, a qualidade musical de um grupo como o Los Hermanos, e o fato de a gravadora deles (a mesma Sony BMG) pagar jabá para que a música de trabalho toque nas rádios, não diminui em nada isso. Cito o grupo carioca, porque, de uns tempos pra cá, ao entrevistar artistas, tenho sempre incluído uma pergunta sobre o jabá. E os hermanos admitiram que a gravadora paga, o procedimento é esse, e que eles nada podem fazer; se estão numa gravadora grande, é assim.

De outro lado, já vi várias pessoas do underground, incluindo artistas, produtores e jornalistas, vibrando quando uma banda nova assina com uma gravadora que tem o jabá como prática, já que assim essa banda poderá dar o salto que precisa. E também, nas mesmas andanças, já vi produtor e dono de gravadora franzir a testa e querer briga ao ser perguntado sobre o jabaculê. Digo tudo isso para concluir que o artista poderia, sim, se negar a assinar um contrato com gravado que paga jabá. Mas é mais fácil o sargento Garcia pegar o Zorro. (Ouço a nova da Pitty, pela janela, do rádio do vizinho).

Não é só o jabá que faz um artista estourar no mercado, existem muitos outros fatores. Mas, vamos e venhamos, é muito mais fácil convencer o público a se interessar por determinado artista se a música dele estiver tocando em tudo o que é canto. E o mais cruel do jabá é justamente isso: enquanto uma fração de artistas toca sem parar, um caminhão deles sequer chega perto do estúdio da rádio. E essa peneira de malha # 200, finíssima, é operada pelo funcionário de gravadora (conhecido como diretor artístico), que nada mais é que uma empresa multinacional, muito pouco ou nada comprometida com a cultura brasileira, onde a música se insere. E isso para usar um espaço que é concessão pública, isto é, que pertence, no fundo, no fundo, ao governo e à sociedade brasileira como um todo. Definitivamente, há algo de errado nessa relação, e que precisa ser analisado por nossos governantes.

Por fim, me ocorre uma dúvida: será que a Sony BMG, como li nos jornais, vai mesmo interromper ou, no mínimo diminuir o ritmo da prática do jabá, lá nos Estados Unidos? Em caso positivo, um respingo aqui no hemisfério sul não seria nada mal.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

Nota: Na semana passada disse que o Circo Voador é bancado pela prefeitura do Rio de Janeiro. Disse e já corrijo: a prefeitura entregou o Circo pronto, sim, mas não custeia nada lá. Tudo, bares, estrutura administrativa, utilidades, som, etc, é pago pelo próprio Circo; e outra: embora reclamemos dos preços praticados pelo Circo, existem, sim, alguns shows em que o ingresso é mais barato, como os de samba e hip hop, que, em geral, acontecem no meio de semana.

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